Caderno de Sábado

Histórias (quase) esquecidas: um incêndio criminoso?

No quarto capítulo, o sinistro nunca esclarecido do prédio da primeira intendência municipal

A noite nublada da madrugada de 3 de agosto de 1927 reservava uma surpresa para os trentinos. Pouco mais de três anos após a emancipação política, a vila de Nova Trento sofria um duro golpe. Gritos de fogo, fogo... ecoaram pelas ruas e, em poucos instantes, o prédio da intendência municipal estava destruído. A casa de madeira, localizada na Rua Dr. Parobé (atual Avenida 25 de Julho, em frente à sede do Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares), foi consumida pelas chamas. O desastre teve prejuízo inestimável. Perdeu-se todo o arquivo público de Nova Trento. Foram-se os documentos e os livros da escrituração administrativa. “Sobrou só cinza”, contou o morador Ernesto Bertolini, em entrevista ao Arquivo Histórico Pedro Rossi, em novembro de 2006.

Do incêndio restou apenas um trator Ford, uma bobina com cerca de 900 quilos de arame de cobre e outros dois rolos menores que estavam guardados na garagem dos fundos do prédio e serviriam para a instalação da rede elétrica. No dia seguinte à tragédia tentaram abrir o cofre. Como o tesoureiro Diogines dos Santos Norte (José Norte) não conseguiu fazê-lo foi preciso chamar um ferreiro para arrombar o equipamento. Após três horas de tentativas, o cofre foi aberto e em seu interior havia alguns livros da tesouraria, troco em dinheiro, selos, a apólice de seguro contra fogo e o contrato com a firma Bromber & Cia. Essas informações foram registradas em ata do Conselho Municipal de Nova Trento de 5 de agosto de 1927 e que estão resguardadas no Museu e Arquivo Histórico.

Incidente ou crime?

Mas, passados 93 anos, a pergunta nunca respondida: foi um incidente ou um incêndio criminoso? No dia 4 de agosto a polícia de Nova Trento começou as investigações e um cidadão que dizia saber sobre o incêndio foi chamado a depor. Porém, ele fez uma piada aos policiais. “El fuoco, vuto che sai stato che? (o fogo, você acha que foi quem?), disse. Apesar de inúmeras e fortes suspeitas, nada chegou a ser provado.

A moradora Ilca Maria Fontana Moura, em relato ao Museu Municipal em julho de 2001, afirma que “eu vi o incêndio. Foi criminoso sim, mas nunca acharam o culpado. Mas foi coisa de política”.

Já o escritor Claudino Antonio Boscatto, no livro ‘Memórias de um Neto de Imigrantes Italianos’, conta que na época suspeitou-se extrajudicialmente do tesoureiro José Norte, “que também era maestro da Banda José Garibaldi. Comentavam que ele teria feito aquilo para encobrir diversas irregularidades por ele cometidas. Logo após o incêndio, não resistindo aos olhares suspeitos, o tesoureiro mudou-se para Porto Alegre, sem que nada pudessem fazer contra ele. Não havia provas”.

Ainda segundo Boscatto, os opositores ao intendente Joaquim Mascarello passaram a propagar o boato de que o próprio capitão havia colocado fogo na intendência. “Dizem que o então presidente do Estado, Borges de Medeiros, teria telefonado e dito: ‘Joaquim, lavaste a tua honra com fogo’. Porém, a voz do povo falou mais alto do que dos detratores que buscavam difamar a ótima administração do capitão Mascarello. O povo conhecia bem o grande e honesto líder”.

Ao olhar os fatos com a distância histórica, a pesquisadora e historiadora, Gissely Lovatto Vailatti, aponta que é possível, sim, que o incêndio tenha sido criminoso. “Boatos na época, apontando a dívidas - ainda que quase totalmente pagas no primeiro ano após a emancipação, oposição política, ou mesmo suspeitas sobre o próprio tesoureiro municipal, não tiveram comprovação, mas deixaram para o tempo as dúvidas. É importante notar que, se estava para ser instalada a rede elétrica na sede do município, por certo não foi um curto circuito, mas o incêndio aconteceu. Sabe-se também a enorme oposição política fruto dos resquícios da Revolução de 1923 e os ares Borgistas que a emancipação deixou; sabe-se ainda que o próprio capitão Mascarello tinha poucos contrários, mas os tinha. O pequeno prédio de madeira tinha seguro contra incêndios, mas não o deixava menos vulnerável a incidentes, intencionais ou não, porém, a perda em valores por certo seria restituída, mas a documental jamais. O que o potente cofre não salvou se perdeu para sempre, de qualquer forma, o sinistro foi um delito sem precedentes contra a história do município”, afirma.

Após o incêndio, provisoriamente a intendência foi instalada na casa do próprio capitão Mascarello conforme consta na ata nº 43, de 4 de agosto de 1927. Depois, passou a funcionar em um sobrado de madeira, no cruzamento das ruas Ernesto Alves com a Borges de Medeiros.

 

 - Divulgação
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