Histórias (quase) esquecidas: tinha um ‘túmulo’ na praça
Altar da Pátria, inaugurado em 1942, havia sido construído com mármore retirado de um jazigo
A Praça da Bandeira, um dos logradouros públicos mais antigos e tradicionais de Flores da Cunha, passou por uma revitalização completa em 2015. Inúmeras melhorias foram feitas no espaço, que ganhou um novo visual. A inauguração ocorreu em fevereiro de 2016 com um grande público presente. O que pouca gente sabe é que a Praça da Bandeira durante mais de 70 anos abrigou um ‘túmulo’. Calma! Antes que você se assuste a gente explica essa história (quase) esquecida.
Vamos começar pelo surgimento da praça central. Seu traçado foi definido ainda em 1870, antes mesmo da chegada dos primeiros imigrantes italianos, que já previa para a Vila de Nova Trento uma praça em frente à Igreja Matriz. No início da década de 1920, o espaço – ainda em chão batido – foi denominado de Praça 15 de Novembro – a mudança de nome para Praça da Bandeira ocorreu apenas nos anos de 1960. Com a emancipação política em 1924, o capitão Joaquim Mascarello resolveu ornamentar o local e algumas árvores foram plantadas. Dez anos depois, a praça ganhou o desenho atual com o modelo em formato de cálice e um obelisco, comemorativo a emancipação, foi colocado.
Nessa mesma década, o cemitério público municipal passou por mudanças. Ele foi transferido da quadra atrás da Escola Estadual Frei Caneca para o atual local na Rua Heitor Curra e mais afastado do centro do município. É aqui que as histórias se juntam. Os restos mortais dos falecidos foram sendo transferidos gradativamente e tal como pregava a Igreja Católica na época, o antigo cemitério possuía o limbo, localizado na parte nordeste do espaço. O limbo – ideia abolida em 2007 pelo Vaticano – consistia em um espaço onde eram enterradas as pessoas sem batismo, os pecadores públicos, os não católicos, os excluídos da sociedade. Justamente no limbo do antigo cemitério existia um túmulo muito bonito, construído em mármore de Carrara importado da Itália e adornado com diversas obras de arte. O túmulo pertencia a um cidadão muito rico e contrário as pregações da igreja. Por isso, ele foi enterrado justamente no limbo. Após sua morte, seus parentes saíram da cidade e o túmulo ficou abandonado.
O escritor Claudino Antônio Boscatto em seu livro ‘Memórias de Um Neto de Imigrantes Italianos’ conta até um causo ocorrido no cemitério e que envolvia o túmulo do cidadão, chamado de Pedro Pretto. “Nos alicerces do túmulo, havia um buraco formado por uma falha na pedra de onde, um dia, alguém viu sair uma cobra. A notícia do ocorrido espalhou-se. Aí, os mais ignorantes e supersticiosos, com apoio dos padres, inventaram que aquela cobra era a alma condenada de Pedro, que aparecia em forma de um demônio ofídio. Por incrível que pareça, quase a totalidade da população acreditava naquilo e procuravam ficar distante do túmulo”, conta Boscatto.
Altar da Pátria
Pois bem, quando as mudanças para o novo cemitério começaram a ser feitas, não havia ninguém para reivindicar o luxuoso jazigo, pois Pedro Pretto havia morrido há muitos anos sem deixar herdeiros. Começou-se a pensar o que fazer com aquele material caro e raro na Região. Decidiu-se, então, colocar os restos mortais no ossuário geral do novo cemitério e usar o valioso mármore para adornar o Altar da Pátria. O monumento foi inaugurado em 1942 durante a Semana da Pátria e constava a frase: “ama com fé e orgulho a terra que nasceste”. “E lá do alto, Pedro Pretto deve estar todo orgulhoso do destino dado ao seu túmulo”, escreveu Boscatto.
De acordo com a obra ‘Benedictus – Os cemitérios de Flores da Cunha’, “quem prestar atenção ao monumento a Pátria verá que, apesar dos anos transcorridos e de algumas mudanças no mármore, ele tem o aspecto e a estrutura dos antigos túmulos”.
E foi assim que um ‘túmulo’ foi adornar a Praça da Bandeira e lá ficou por diversas décadas. Com a revitalização de 2016, o Altar da Pátria foi retirado da praça e hoje encontra-se resguardado no Museu Municipal.
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