Caderno de Sábado

Histórias (quase) esquecidas: os voos da cocota

O terceiro capítulo relembra as peripécias de uma arara pelo município

Quando eu era pequena, eu morria de medo de passar pela Rua Borges de Medeiros, mais precisamente na esquina com a Rua Ernesto Alves. O motivo da minha angústia berrava, tinha penas e dava rasantes que me faziam estremecer dos pés a cabeça. O nome dela: arara cocota.  

A história de hoje só será lembrada - e até temida - pelas gerações com mais de 30 anos. São elas que guardam na memória não o patrimônio material, mas o legado social em comum de Flores da Cunha.  É a identidade comunitária da população que vai recordar das peripécias da arara cocota. Uma ave da espécie ararauna que foi trazida para o município na década de 1980 e que era amada e ao mesmo tempo odiada pela população. “Ela vinha comer chocolate em frente ao bar da minha família”, diziam uns, enquanto que outros, tal como eu, se apavoravam: “ela ‘corria’ atrás de mim quando eu passava pela praça”.

Conforme reportagem do Jornal O Florense, de dezembro de 2014 e escrita pela jornalista Mirian Spuldaro, a arara chegou ao município pelas mãos do caminhoneiro Remo Mascarello como um pedido da professora Valéria Salvador Mioranza. O exemplar do Cerrado brasileiro trazia as cores tupiniquins e foi criada livremente pela família Salvador. Chamada de cocota, a ave passeava pela cidade e à noite voltava para a casa na Rua Ernesto Alves. Vivia aprontando pela vizinhança conforme contou Valéria à reportagem. “Ela não podia ver uma janela aberta que entrava para roer sofás, roupas do varal ou travesseiros. Perdi as contas de quantas vezes tivemos que pagar os prejuízos. Ela roía o freio e a embreagem das motos, as borrachas dos vidros dos carros e nós tínhamos que pagar”, disse.

O truque para assustar ou conquistar as pessoas era simples. Ela pousava em cima dos postes e ficava observando o movimento. Quando via um ônibus, motoqueiro ou mesmo uma pessoa, ela descia num voo rasante para ‘atacar’, gerando sustos e gritos. Depois, do suposto ‘ataque’, voltava, como se nada tivesse acontecido, a voar por aí. “Quando atacava os ônibus, muitas vezes chegava em casa sem as penas da cauda. Ficava um três dias sem sair, até que passava o susto e depois saia de novo”, recordou Valéria.

A figura da arara, que costumava gritar ‘Tereza, Tereza’ durante os seus voos, era tão presente no cotidiano da população florense que a ave era utilizada para amedrontar as crianças. Os pais costumavam dizer: “fique quieto, senão a cocota vem te pegar”. Quase uma versão moderna da lenda do Sanguanel.

Quem morava na área central lembra bem da arara de cores azul e amarelo. Em relato ao O Florense, o fotógrafo Rui Boff conta que “a gente dava chocolate para ela comer. Era nossa amiga, mas tinha gente que ela não gostava e avançava mesmo. Era uma correria”.

Com o passar dos anos, os voos da Cocota foram sumindo e a população começou a se perguntar o que teria ocorrido com a ave. Porém, a família Salvador decidiu levá-la para um viveiro em Caxias do Sul – após muitas reclamações – para a ave morar com outros animais da sua espécie. O que se sabe é que uns anos depois a cocota fugiu e nunca mais foi vista. Creio que ela deve estar aprontando por aí.

E você, também guarda lembranças da arara que alegrou e assustou os florenses?


 

 - Divulgação
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