Histórias (quase) esquecidas: o ‘baile dos pelados’
Muitos afirmam que existia, outros juram que é invenção, o fato é que a comunidade do Alfredo Chaves ganhou fama com esse ‘causo’
“Pelados na selva
Mas que tremenda aventura
O bispo até jura
Nunca sentiu tamanha humilhação”
Você sabe decifrar essa charada? Ela foi uma das que constaram na Gincana Cultural 95 Anos de Flores da Cunha, realiza em maio de 2019. As equipes não decodificaram, mas ela leva até o Travessão Alfredo Chaves. Lá, antigamente, diziam que acontecia o ‘baile dos pelados’. Uma história que muitos juram que não é verdade, enquanto que outros afirmam que ocorria sim. “Em data incerta e em casa incerta, teria havido um baile, com pessoas completamente nuas, organizadas por alguns ‘carbonari’ que se instalaram no Alfredo Chaves”, escreveu padre Antônio Galioto no livro ‘Nova Pádua e sua história’.
Mas é preciso voltar as décadas passadas para entender esse boato. No final do século XIX, com a chegada dos imigrantes italianos, o Travessão Alfredo Chaves começou a ser povoado. Os lotes foram traçados e, principalmente, as estradas. Por volta de 1893, a localidade - chamada à época de Nova Veneza - se tornou o principal acesso entre o Vale do Caí e os Campos de Cima da Serra. Era por ali que passava a ‘Estrada Geral’, via que acessada pela sede da Colônia Caxias, Capela Nossa Senhora da Saúde, Linha 40 até ingressar no território da Vila de Nova Trento (atual Flores da Cunha) por meio da Linha 60, Linha 100, Travessão Martins passando pelo Alfredo Chaves e seguindo pelo Acioli, chegando ao Rio das Antas, até Antônio Prado e Vacaria. Ou seja, era uma estrada importante. Havia um tráfego constante de tropeiros, carreteiros e comerciantes que levavam mercadorias de um lado a outro. Conforme a obra ‘125 Anos de Colonização do Travessão Alfredo Chaves’, organizada pela pesquisadora Gissely Lovatto Vailatti, “essas viagens eram longas e cansativas. Depois de Nova Veneza eram mais dois ou três dias pelos íngremes caminhos (...). A parada na Vila, depois da subida do Vale do Rio das Antas, era de extrema importância. Em pouco tempo, Nova Veneza se transformou num dos mais importantes centros comerciais da antiga Colônia Caxias”. O morador e escritor Plínio Mioranza diz que “existia um fluxo comercial muito grande. E tudo passava por lá”.
É aqui que nossa história começa. Essa movimentação de viajantes fez com que os moradores, além de se dedicarem a agricultura, se tornassem empreendedores. Eles viram no comércio, nas hospedarias, nas tabernas uma forma de agregar renda. Logo surgiram casas de pousos, ferrarias, carpintarias, curtumes, alambiques, cantinas e as casas de diversões. “O lazer também foi um elo de fortalecimento das relações sociais e econômicas”, consta no livro do Alfredo Chaves. Assim, os bailes se tornaram comuns na Vila de Nova Veneza, especialmente motivados pelos viajantes que vinham de todo o país.
Igreja Católica
No meio disso tudo, a Igreja Católica buscava a sua presença na 16ª Légua da Colônia Caxias. Conforme escreveu padre Antonio Galioto, tanto os moradores de Nova Pádua quanto os do Alfredo Chaves desejavam a presença de um padre na comunidade. “Para isso, o Alfredo Chaves doou terras à Igreja. Mas, houve duas coisas que atrapalharam: primeiro o comportamento muito comprometedor de alguns líderes locais em matéria de costumes e religião e, segundo, ao invés de trabalhar, ficaram parados e apenas com inveja”, disse. No final, Nova Pádua acabou ganhando o curato e foi daí que surgiu o boato do ‘baile dos pelados’. Contam que o Alfredo Chaves não cultivava os bons costumes adotados pela Igreja Católica e realizava bailes ‘suspeitos’. “Teriam atirado ovos podres num padre, outros dizem no bispo, isso porque não obtinham um padre fixo para o Alfredo Chaves (...). O Sr. Ângelo Arcaro escreveu a respeito ao padre Giuseppe Dalmazzin que teria problemas com esta comunidade, desagradáveis até”, relatou Galioto.
Os desentendimentos estavam atrelados aos boatos que rondavam a Vila de Nova Veneza, já que “teria havido um baile, com pessoas completamente nuas”. “É claro que isso repercutiu muito e os padres só podiam gritar e não querer atender bem esta comunidade”, escreveu o padre Galioto. As desavenças resultaram que o Alfredo Chaves foi anexado ao Curato de Nova Trento e não ao de Nova Pádua.
No livro ‘125 Anos de Colonização do Travessão Alfredo Chaves’ consta que “o baile dos pelados pode até ter acontecido, visto que pelo menos duas pessoas afirmam que seus familiares comentavam o fato. O mesmo acontecia na casa de negócios de Constante Letti, onde também ocorriam bailes e teriam participado homens e até algumas mulheres das famílias mais abastadas da localidade e arredores”.
Para o escritor Plínio Mioranza é preciso considerar a época em que o chamado ‘baile dos pelados’ teria ocorrido e também as circunstâncias. “Estamos falando do início do século, até então as mulheres trajavam vestidos longos, mas depois passaram a usar vestidos acinturados e pouco abaixo dos joelhos. E os padres, bastante rígidos, diziam: estão nuas, peladas”, diz Mioranza atrelando ao ‘baile dos pelados’, o uso de vestimentas diferentes pelos moradores de Nova Veneza. Mioranza também destaca que os padres de Nova Pádua eram bastante rígidos e por isso surgiram os ‘causos’ em torno da localidade, que costumava organizar bailes.
E tudo virou “diz que me diz que”....
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