João Slaviero, um idealizador e entusiasta do enoturismo
Conheça a trajetória de um grande personagem da vitivinicultura florense
"Com cavalheirismo meu pai uniu forças para erguer parreirais em terra fértil, com tecnologia de profissionais da Europa e utilizando marketing visando atingir o Estado e o centro do país na venda dos seus vinhos. As uvas de mesa também atraíram as primeiras levas de turistas, exigindo a construção da primeira pousada rural". Nas palavras de Félix Natal Slaviero está uma pequena descrição do vitivinicultor e entusiasta do enoturismo João Slaviero. Félix é filho de Slaviero, que nas terras de Flores da Cunha promoveu uma mudança na vitivinicultura local, realizando projetos a frente de seu tempo. Foi um homem de visão no empreendedorismo e com um espírito inovador.
João Slaviero nasceu em 16 de julho de 1901, no distrito de Otávio Rocha, mais precisamente na Granja São Mateus, no Travessão Carvalho. Filho de Cristiano e Emília Facci Slaviero, perdeu o pai aos 11 anos, o que o obrigou a assumir desde cedo os trabalhos na agricultura. Com afinco, tocou a propriedade da família e como carreteiro (atividade que consistia em viajar com carretas puxadas por animais) conheceu diversos cantineiros. Da conversa com os produtores, nasceu a vontade de construir vinícolas. Entre os anos de 1929 a 1935 colaborou na fundação da Cooperativa Vinícola Otávio Rocha, foi membro da União das Cooperativas de Otávio Rocha, Nova Pádua, Travessão Alfredo Chaves e Linha 60 e sócio-fundador da União de Vinhos do Rio Grande.
Em 1926, a família Slaviero havia dado início a construção de uma casa de alvenaria na Granja São Mateus, que iria servir de base para a fabricação de vinhos para consumo e comercialização. Na parte térrea da construção eram produzidos em torno de 750.000 litros de vinhos. A firma se denominava João Slaviero e depois João Slaviero & Filho, tendo como sócio Cristiano Slaviero. A Granja São Mateus foi criada com o objetivo de incentivar o cultivo de uvas de castas europeias, viníferas e de mesa. Em 1954 foi inaugurado o engarrafamento no Travessão Carvalho. Os vinhos levavam a marca Slaviero, Fragança e Granja São Mateus.
Em parceria com a Secretaria da Agricultura do Estado, o empreendedor viabilizou a vinda de dois enólogos europeus para produzir uvas com padrões técnicos competitivos. Eram o francês Pierre Rafour e o grego Epaminondas Nicolas Mangos. Incentivou a produção de vinhos e da produção de uvas de mesa. Com esses atributos e com a alta qualidade das uvas de mesa, a firma Slaviero alcançou pleno sucesso, tendo sua produção elogiada por governadores e comercializada em centros como São Paulo e Rio de Janeiro.
Cantina Slaviero
No ano de 1958, fundou a sociedade João Slaviero & Cia Ltda, na sede de Otávio Rocha. O empreendimento teve a participação também de 35 agricultores como sócios. Primava pelo pagamento justo aos agricultores. O objetivo da Cantina Slaviero era engarrafar na origem vinhos de viníferas com um padrão internacional. Com seu jeito amável, também atraiu centenas de lideranças políticas a visitação de sua propriedade e nos estandes dos 'Vinhos Slavieros' nas festas da Uva de Caxias do Sul. "A preocupação do pai na montagem do engarrafamento na vila de Otávio Rocha, na educação, na saúde, em busca de energia elétrica e especialmente apoiando as celebrações religiosas e festas da Uva motivaram a vinda de personalidades e de administradores", conta Félix.
Na Cantina Slaviero deu início a uma série de melhorias. Adquiriu modernos maquinários para filtragem e engarrafamento dos vinhos e destilados. A produção na época chegava a um milhão de litros. Chegou a ocupar a oitava posição, em 1961, no ranking gaúcho. "A marca Slaviero era a mais consumida em São Paulo, ostentada ainda em inúmeros luminosos em restaurante finos e pizzarias. Os grandes supermercados Dias Martins e J. Alves Veríssimo, bem como a loja de Departamentos Mappin, eram grandes compradores", escreveu Floriano Molon em Slaviero, João: Pioneirismo na Vitivinicultura Gaúcha.
A empresa estava autorizada também a produzir o vinho de missa. Em 1953, elaborou os vinhos que seriam consagrados no Congresso Eucarístico Internacional do Rio de Janeiro. Além dos vinhos, produziam o vermute e comercializavam o Mistral, um composto. No slogan de seus rótulos estava traduzido seu entusiasmo pela bebida. "Beba vinho Slaviero e terás saúde o ano inteiro".
Com uma visão empreendedora, João foi um dos primeiros a abrir as portas para o enoturismo. Para poder recepcionar os visitantes de diversos estados brasileiros construiu, em 1956, uma pequena pousada de madeira junto a Granja São Mateus. Começou ali um empreendimento que deu resultados positivos. Dois anos depois, inaugurou o Hotel Otávio Rocha, no centro da vila, dando o pontapé inicial ao enoturismo na região. Os visitantes vinham, sobretudo, conhecer a produção das uvas de mesa.
Fim de uma era
O sonho de Slaviero perdurou até 1972, quando problemas administrativos e os altos tributos federais sobre a indústria do vinho fizeram com que o empreendedor fechasse a cantina. Em encontro com o ministro Delfin Neto, em Caxias do Sul, ao ser abordado sobre o problema respondeu: "Não esperem que carregue o vinho nas minhas costas". Entre 1970 a 1972, os filhos de Slaviero administraram a firma e tentaram de todas as formas manter a empresa em atividade. Todas as dívidas foram saldadas, mas devido aos impostos atrasados o patrimônio foi incorporado a União, em 1977. Chegava ao fim uma trajetória de sucesso no mundo vinícola. A marca Slaviero foi comprada pelo grupo paulista Cereser. A estrutura física da cantina passou a sediar a Festa Colonial da Uva (Fecouva) e a Granja São Mateus foi vendida.
Além de vitivinicultor, João foi líder comunitário e político, tendo atuado como vice-prefeito de Flores da Cunha de 1956 a 1959. Com o fechamento da empresa, mudou-se para São Paulo com a esposa Henriqueta Molon, com quem teve onze filhos. João veio a falecer em 1973, devido a complicações diabéticas. A cidade de Taboão (SP) tem uma rua em sua homenagem e em Flores da Cunha a estrada que liga a sede de Otávio Rocha ao Travessão Carvalho também leva seu nome. "João era filho de agricultores imigrantes, que poderia anonimadamente ter construído sua vida e alimentado sua família nas encostas do Rio Curuzu, mas saiu da sua área de influência e escreveu uma das mais belas histórias da vitivinicultura gaúcha, com destaque também no centro do país. Um homem com uma visão a frente da sua época", conclui o autor Floriano Molon.
Matéria originalmente publicada no Jornal A Vindima de 2012.
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