Em busca do rótulo 'Made in Brazil'
Cultivo de oliveiras ganha espaço no país e produtores criam marcas de azeites próprias para abastecer mercado local, dominado pelos importados
A cultura de oliveiras está em expansão no Brasil. Mesmo engatinhando no setor, o país começa a colocar seu nome nos rótulos de azeite e a criar marcas próprias para competir com os importados, que representam mais de 90% do azeite consumido no país. O Brasil é o terceiro maior importador do produto no mundo e a ideia é aproveitar esse nicho de mercado. O governo federal, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e alguns empresários pioneiros já estão fazendo a lição de casa. Enquanto que o governo anunciou a criação de normas para garantir um azeite de qualidade, a Embrapa trabalha no desenvolvimento de mudas e realiza zoneamento climático para identificar as regiões mais promissoras. O Rio Grande do Sul desponta na frente, graças ao terroir e a iniciativas de produtores como José Alberto Aued e seu filho Daniel Aued, que em 2006 optaram por plantar 12 hectares de oliveiras no município de Cachoeira do Sul. Oito anos depois, o número de hectares dobrou (e com previsão de aumento) e a marca deles, a Olivas do Sul, já desfila nos mercados brasileiros como o primeiro azeite extra-virgem do país. "Foi uma cultura diferente que investimos, deu certo, já estamos fazendo nosso próprio azeite e também a produção e venda de mudas de oliveiras", comemora Daniel.
Como ainda é uma atividade nova no país, as estatísticas da cultura são poucas. O Rio Grande do Sul já possui uma área plantada de aproximadamente 1.200 hectares. A safra desse ano, que iniciou em fevereiro e se estendeu até abril, deverá ser 50% maior do que o ano anterior. A projeção do governo do estado é ultrapassar os 22 mil litros de azeite produzido. Além do Sul, há iniciativas da cultura nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas Gerais.
A Embrapa Clima Temperado, unidade localizada em Pelotas (RS), já realizou um zoneamento edafoclimático que identificou as regiões mais promissoras para a produção de oliveiras em solo gaúcho. "A maior área encontra-se na região da fronteira com o Uruguai, entre os municípios de Piratini e Quaraí. Isso porque o solo, com relevo com menor declividade, o que facilita o preparo, e o clima, em localidades com estiagem acentuada, favorecem a qualidade do azeite produzido", explica o pesquisador da Embrapa, Enilton Fick Coutinho, que desenvolve estudos com oliveiras.
Desde 2006, o órgão tem realizado ações de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) com as olivas, por meio de projetos já concluídos e outros em andamento. Foi desenvolvido um estudo sobre a 'Introdução e o desempenho agronômico de cultivares de oliveiras no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina' e publicado livros sobre as plantas. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) investiu cerca de um milhão para a instalação de um laboratório de análises de azeite (localizado dentro da Embrapa Clima Temperado). "Com o objetivo de aprimorar técnicas que deem suporte à pesquisa em olivicultura desenvolvida no Sul do Brasil para avaliações físicas, químicas e sensoriais dos nossos azeites", diz o pesquisador.
Em 2013, cinco unidades de produção integrada de oliveiras no Rio Grande do Sul e três de produção orgânica (duas no RS e uma no Paraná) foram implantadas. Para esse ano, deve ser concluído o estudo de 'Desenvolvimento e adequação de tecnologias à cultura da oliveira no Sul do Brasil'. Com isso, os pesquisadores pretendem implantar um banco ativo de germoplasma de oliveiras e instalar dez unidades de observação de oliveiras no Rio Grande do Sul, oito em Santa Catarina e três no Paraná. Tudo isso, para difundir a produção de azeites no país e reduzir a importação, já que o Brasil importa US$ 316 milhões em azeite e US$ 121 milhões em azeitonas. "Sem dúvida a cultura da oliveira é uma excelente alternativa para diversificação da matriz produtiva no estado. No entanto, existem uma longa trajetória de pesquisa para que possamos produzir azeites competitivos a nível internacional", pontua Coutinho.
De acordo com o pesquisador, a produtividade média tem sido boa e encontra-se entre 1600 a 1800 litros, dependendo da cultivar e do plantio. As plantas, conforme as variedades, começam a produzir no terceiro ano de vida. Dentre as testadas, as cultivares Arbequina, Koroneiki, Arbosana, Galega, Picual e a Cobrançosa são as que têm apresentado melhores resultados. Alguns germoplasma de origem portuguesa também tem se adaptado. A Embrapa deverá registrar, junto ao Mapa, seis cultivares de oliveiras.
Investindo nas olivas
Não é a toa que o plantio de oliveiras na agroindústria Olivas do Sul, localizada no município gaúcho de Cachoeira do Sul, começou a produzir antes do previsto. No terceiro ano depois de plantados, os pomares já davam os primeiros frutos. Isso porque os sócios diretores da empresa, José Alberto e Daniel Aued, pai e filho, fizeram o dever de casa e antes de implantaram o negócio se especializaram na produção de azeite. Conforme Daniel, a escolha por cultivar oliveiras surgiu em 2006 a partir de uma necessidade do pai que queria uma cultura diferente e que demandasse poucos hectares. Em uma parte da propriedade de 14 hectares ele cultivou videiras para realização de um sonho: produzir vinhos e espumantes - anualmente ele vinifica cerca de mil garrafas das bebidas para consumo próprio. O restante das terras ficaram ociosas e a família começou a pensar no que plantar. "Procuramos uma cultura que pudesse trazer alta rentabilidade numa área pequena. De cara eliminamos qualquer cultivo tradicional e nos detivemos nas fruticultura. Meu irmão recém tinha voltado de uma viagem e estava encantado com o cultivo das oliveiras. Nossa primeira impressão foi que poderia dar certo e começamos a estudar", diz.
Durante dois anos, José Alberto começou a pesquisar a olivicultura. Importou bibliografia e estudou os países vizinhos como Argentina e Uruguai. Convencido que poderia dar certo, em 2006 eles plantaram as primeiras árvores das variedades Arbequina e Arbosana e três anos depois elas já davam as primeiras azeitonas da propriedade. "Não sabíamos se ia dar certo, foi um teste que teve ótimos resultados. Em 2010, já estávamos produzindo frutos, importamos o maquinário às pressas e processamos nosso primeiro azeite", lembra.
A escolha pelas variedades se deu por duas questões. Elas eram mais fáceis de se adaptar ao solo e ao clima do estado e também resultam num azeite mais suave. "Tivemos esse cuidado, pois o brasileiro não está acostumado com azeite extra-virgem e se introduzíssemos um azeite mais picante ou amargo poderia ser confundido como um defeito. No próximo ano, pretendemos fazer um azeite monovarietal mais diferenciado para ver como se comporta no mercado e mais adiante investir em blends suaves, intermediários e intensos", pontua Daniel.
Como o negócio prosperou, a família enxergou um outro nicho de mercado. Investiu em mudas de oliveiras, já que havia uma carência entre os produtores por assistência técnica e manejos de solo e poda. Hoje, a Olivas do Sul conta com um viveiro que fornece mudas para o Rio Grande, Santa Catarina e Paraná. "Criamos o viveiro para não deixar essa cultura da oliveiras morrer, porque temos clientes que tinham abandonado os pomares por falta de assistência", diz.
Expansão
Em 2010, a agroindústria fabricou 800 litros. Em 2011, a produção elevou-se para seis mil litros e a Olivas do Sul entrou para um guia italiano que reúne os melhores azeites. Para esse ano, a ideia é produzir cerca de 20 mil litros, que serão distribuídos em mercados especializados da capital gaúcha e também em outros seis estados. Atualmente, além dos 12 hectares iniciais, a propriedade foi expandida para mais 13 hectares, com variedades diferentes como a Koroneike e a Koratina, que neste ano começaram a produzir. Uma nova área foi plantada em 2013 e deverá ter sua colheita nos próximos quatro a cinco anos.
Hoje, as plantas mais antigas da propriedade produzem uma média de 40 a 45 quilos, o que é considerado por Daniel como um excelente retorno, pois estão bem acima do projetado, que seria de 25 quilos por planta. "Ela é uma cultura que dá um certo trabalho, mas a lucratividade também é muito boa. Somente com a venda do fruto, sem extrair azeite, o lucro é de R$ 13 mil por hectare, descontando um gasto de R$ 3 mil com colheita e manejo", diz Daniel.
A boa lucratividade será expandida para outras terras. Em março deste ano, a família adquiriu cerca de 400 hectares de área em Encruzilhada do Sul para o plantio de mais oliveiras, além das culturas de romãs e pecãs, essa última já produzida pela família em Cachoeira do Sul.
Em plena colheita
Se a oliveira é considerada uma árvore sagrada na Grécia, carregada de atributos de sabedoria e paz, e já foi motivo de sentencia de morte, a sua colheita é um espetáculo ímpar. A revista Bon Vivant acompanhou no mês de março em Cachoeira do Sul a colheita da safra 2014. Entre os ramos da planta e frutos ora roxos, ora verdes, os olhos se encantam com o manejo rápido e a proliferação de frutos que jorram no ar. Por meio de um sistema mecanizado, a fruta é colhida do pé e cai sobre uma rede branca estendida no chão. Após, diversas mãos colhem os frutos que sobraram no pé, enquanto que outras mãos recolhem as azeitonas do chão.
Os frutos são colocados em caixas e encaminhados para a agroindústria. Lá, as azeitonas são resfriadas, seguem para o triturador e se tornam uma pasta cremosa, que será decantada e se tornará o azeite. O processo é simples, mas deslumbra os olhos, talvez pela sacracidade da planta.
Como degustar um azeite
Para identificar qual azeite mais agrada ao paladar, a degustação é o melhor meio de conhecer os atributos e as qualidades do produto. Basicamente, três características são dominantes: 'frutado', 'amargo' e 'picante' são consideradas como qualidades positivas. No olfato, o 'frutado' exprime a intensidade e o tipo de aroma presente no azeite. No paladar, as sensações de 'amargo' e 'picante' indicam o estágio de maturação da azeitona.
Normalmente, a cor do azeite não é um parâmetro, pois está associada ao estágio de maturidade do fruto: cor mais verde, obtido de azeitona mais verde; cor mais amarelada significa azeitona mais madura.
Veja uma forma simples de degustar um azeite. Este procedimento auxilia a classificar o azeite em suas intensidades e são úteis para harmonização mais adequada.
- Coloque em um copo uma pequena porção de azeite.
- Tampe o copo com uma das mãos e segure embaixo com a outra, durante cerca de 1 minuto. Desta maneira, o azeite será levemente aquecido favorecendo a melhor percepção pelo olfato.
- Destampe o copo e inspire suave e lentamente para identificar os aromas característicos do azeite, denominado como 'frutado'.
- Em seguida, coloque uma pequena quantidade de azeite na boca, distribuindo o azeite em toda a cavidade bucal. Neste momento é possível observar a intensidade do sabor 'amargo'.
- Engula o azeite. Na garganta será percebida a sensação 'picante', que é um atributo importante na avaliação da qualidade do azeite. Quanto mais 'picante' for um azeite, significa uma maior presença de compostos fenólicos, que são os antioxidantes naturais do produto e indicativos de um azeite de boa qualidade.
Quando o azeite faz a diferença
A especialista em azeites de oliva, Maria Beatriz Dal Pont, proprietária junto com a filha Carolina Dal Pont Branchi, da Amada Cozinha - Buffet & Catering, localizada em Caxias do Sul (RS), ensina a fazer quatro receitas em que o azeite de oliva é personagem principal. É uma entrada, um primeiro prato, um prato principal e uma sobremesa. "Escolhi receitas bem acessíveis, que qualquer pessoa pode fazer sem problemas, com ingredientes comuns e fáceis de encontrar", diz Maria Beatriz.
Pissota com L'Olio
Ingredientes
4 ovos
200 gr de açúcar
400 gr de farinha
150 ml de azeite de oliva extravirgem
1 colher de sopa de licor
Leite o quanto baste
Uma pitada de sal
Casca ralada de meio limão siciliano
Um envelope de fermento em pó (30g)
Modo de fazer
Bater os ovos com o açúcar até formar um creme. Juntar a farinhas aos poucos, intercalando com os outros ingredientes, mexendo bem. Por último, juntar o fermento, mexendo vagarosamente até incorporar bem. Untar com azeite uma forma de bolo de 30 cm de diâmetro. Verter a massa na forma e levar ao forno por 50 minutos a 180º. Deixar esfriar, desenformar e servir em fatias acompanhadas de vinho licoroso.
Porção: 8 pessoas
Tipo: sobremesa
Ovos Escalfados ao Azeite
Ingredientes
4 ovos
4 colheres de azeite de oliva extra-virgem
1 pitada de sal
Pimenta do reino moída na hora a gosto
Filme plástico
Uma panela pequena com água fervente
4 torradas de pão de forma
Modo de fazer
Estenda o filme plástico sobre uma tábua e corte um quadrado de 20x20cm. Forre uma xícara com o filme plástico. Quebre um ovo sobre o filme, coloque uma pitada de sal e pimenta a gosto. Junte as pontas do filme, enrole apertando bem, formando uma trouxinha. Coloque a trouxa dentro da panela com água fervente. Deixe ferver até a clara ficar branca.
Retire da água, deixe esfriar um pouco, abra a trouxinha e coloque o ovo sobre a torrada num prato.Verter uma colher de azeite de oliva extra-virgem e servir em seguida.
Porção: 4 pessoas
Tipo: primeiro prato
Tapenade
Ingredientes
500g de azeitonas pretas fatiadas
100g de amêndoas sem pele
Sal
Pimenta a gosto
100ml de azeite de oliva extra-virgem
Modo de fazer
Coloque num processador ou no liquidificador as azeitonas fatiadas, o azeite, o sal e a pimenta. Processe até formar uma pasta grossa. Acrescente as amêndoas torradas e dê uma batida rápida. Coloque num vidro e mantenha sob refrigeração. Use em sanduíches, torradas, canapés ou como molho para saladas e carnes frias.
Porção: 10 pessoas
Tipo: entrada
Matéria originalmente publicada na Revista Bon Vivant de abril de 2014.
Sou apaixonado por azeite , vou fazer as receitas. Boa noite.