Depois de passar por quatro gerações de uma das famílias mais tradicionais de Flores da Cunha, a produção do destilado proveniente do bagaço de uva, amplamente difundido nas regiões de origem italiana, pode estar com os dias contados. O sinal de alerta é do agricultor Nelso Vaccari, o Pelé, 54 anos. O produtor rural residente na localidade de São Cristóvão é o último dos filhos de Valdir Vaccari, falecido há nove anos, que ainda se dedica à elaboração de forma artesanal da graspa. Pelé herdou do pai, que tinha uma pequena vinícola, o costume de produzir o destilado. A tradição tem uma longa história que dura mais de 100 anos.
De acordo com Nelso, a prática familiar trazida pelos imigrantes da Itália iniciou com seu bisavô, Antônio Vaccari, passando pelo avô Olindo Vaccari, falecido em 1992 aos 80 anos, e depois pelo pai Valdir. “O alambique da família Vaccari está secando”, resume Nelso, anunciando que esta é a última geração da família a levar o costume adiante.
Veja aqui o vídeo com alguns passos da elaboração da graspa
Casado com Ivone Tomazi Vaccari, 52 anos, Nelso diz que a esposa e a filha Milena, 16 anos, não têm vocação para dar continuidade à produção, e nem mesmo o seu irmão Fernando, que reside na localidade. Assim como o agricultor, outros produtores da região estão abandonando a atividade. Neste ano a produção na família Vaccari foi de 200 litros, mas a bebida não é comercializada. “É só para os amigos”, ressalta.
A elaboração
A graspa é originária da Itália e começou a ser produzida para evitar o desperdício, utilizando sobras no final da safra vinícola. Está intimamente ligada aos hábitos de consumo da população rural, especialmente no inverno, sendo adicionada a outra bebida: o café. Muitos produtores utilizam ervas, como funcho, para dar um sabor especial e aroma adocicado ao destilado.
O processo de elaboração é demorado e requer muito cuidado, como explica o agricultor Nelso Vaccari. O primeiro passo consiste no armazenamento em local coberto do bagaço da uva, em um tanque, pelo período que varia de 2 a 3 meses, geralmente após a elaboração do vinho. A produção da bebida inicia com a colocação do bagaço e de um determinado volume de água dentro do alambique, na pequena destilaria de Nelso, na proporção de 150kg de resíduos para 120 litros de água.
É preciso ter cuidado para que o bagaço não encoste no fundo do recipiente. Neste caso, explica o produtor, pode-se usar uma camada de palha de milho com o mesmo objetivo. Em seguida, o alambique é tampado com uma espécie de chapéu e vedado com cinza umedecida, para conter o vapor. O fogo deve ser mais intenso no início, até quando o destilado começa a sair no condensador (serpentina) e, após, reduzido para evitar que o líquido adquira gosto de queimado. Além disso, é preciso um tanque com água corrente, que serve para esfriar o destilado durante o processo de condensação.
Conforme Vaccari, a primeira destilada resulta em 30 litros, após cerca de quatro horas de ebulição. Este destilado, também conhecido por gredo, necessita de uma segunda refina para deixá-lo com teor alcoólico entre 18° e 20°. A medição é feita com o alcoômetro, aparelho que acompanha a trajetória da família Vaccari na elaboração da bebida caseira, e possivelmente trazido da Itália.
Segundo o agricultor, o produto obtido na primeira destilação deve ser armazenado em recipiente adequado até que se obtenha cerca de 120 litros de gredo (quatro destiladas), o suficiente para efetuar a segunda refina. Esta deve ser feita lentamente, controlando a intensidade da chama e, consequentemente, a vazão do destilado. O rendimento médio do líquido pronto para consumo na segunda etapa é de aproximadamente 25 litros de graspa para 100 litros de gredo obtidos na primeira refina, ou seja, a cada 600kg de bagaço, resultado de quatro destiladas, são obtidos cerca de 30 litros da bebida.
Colaborou Larissa Verdi.

