Política

A falta de votos contrários: um sinal de alerta para o Legislativo de Flores

Ausência de votos contrários gera dúvidas sobre a fiscalização e o debate no Legislativo

O Legislativo de Flores da Cunha vive um fenômeno incomum: a ausência de oposição nas votações da Câmara de Vereadores. Desde que o site da Câmara Municipal passou a fornecer dados sobre as votações dos parlamentares, em sessões ordinárias ou extraordinárias, não há registros de votos contrários aos projetos apresentados. Em quase um ano, são 1.190 votos favoráveis e nenhum voto divergente.
A transparência online da Câmara de Vereadores só apresenta dados a partir de 6 de novembro de 2023, data em que o novo site passou a fornecer os dados das votações. De lá para cá, foram 49 (41 ordinárias e oito extraordinárias) com 149 projetos de lei ou moções propostos: todos aprovados com unanimidade. Mesmo antes deste período, os vereadores tem dificuldade de lembrar votos contrários (leia na página ao lado).
Em 2024, o Legislativo é composto por cinco partidos. Quatro parlamentares são da mesma sigla do Executivo. Os outros cinco, pelas coligações feitas para o atual pleito, são de oposição.
A professora de Ciência Política da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Aline Passuelo de Oliveira, afirma que a diversidade de projetos é fundamental para a construção de municípios mais democráticos, pois assegura a representatividade e enriquece o debate de ideias.
— Numa democracia, quanto maior a pluralidade de projetos tivermos melhor será a comunidade por uma questão de representatividade da sociedade como um todo. Quando temos uma oposição efetiva, conseguimos refinar ideias. A comunidade de qualquer cidade é diversa. As pessoas não são todas iguais e não pensam da mesma forma — aponta. 
A professora ressalta a importância da oposição e, principalmente, do debate no Legislativo, contudo pondera que a simples falta de votos contrários pode ser vista de diferentes perspectivas. 
— O fato de não termos nenhum voto contrário não é necessariamente algo bom ou ruim. A depender do contexto, se os projetos dialogam com os anseios da comunidade e fazem sentido para a diversidade populacional do município, pode ser um indicativo de um amadurecimento do Legislativo — opina.

Representatividade
O doutor em Ciência Política pela UFRGS, João Ignacio Pires Lucas, explica que, embora a ausência de oposição possa parecer estranha, é normal que não haja divergências em algumas situações, sobretudo quando se trata de projetos específicos. Contudo, ele pondera que é importante que existam pensamentos divergentes dentro da Câmara.
— A importância da oposição depende da visão da sociedade. Eventualmente podemos ter consensos e amplas coalisões. No dia a dia não há um impeditivo para que chamem os partidos de oposição e criem-se consensos. Muitas vezes, há consensos em determinados projetos. Os partidos no Brasil não tem restrições ideológicas. O País tem a característica de ter vários partidos de uma mesma ideologia. Não é antidemocrático, mas é sempre bom que exista alternância e oposição — esclarece o professor.
Para explicar o fenômeno da ausência de votos divergentes, João Ignacio reitera que existem alguns fatores que podem medir essa situação.
— Existem vários indicadores que podem medir esse fenômeno, incluindo os conceitos de desproporcionalidade e fragmentação. A proporcionalidade, por sua vez, está intimamente ligada à representatividade. Às vezes, o eleitor escolhe seus representantes, que, como o próprio nome sugere, devem refletir a totalidade do município, em outras ocasiões, isso não acontece. Além disso, com a presença de muitos partidos de ideologias semelhantes, muitas vezes eles não precisam estar no governo para ter uma visão comum sobre os temas debatidos nas Câmaras de Vereadores — diz.
A professora Aline acrescenta que, para que tenhamos mais diversidade no parlamento, é importante que toda a população participe do processo político.
— As diferentes organizações, dos distintos espectros políticos, das diversas faixas etárias e de toda a diversidade que compõe o município são fundamentais para que se qualifique a Câmara de Vereadores. Dessa forma, as casas legislativas seriam um retrato fiel da população. Quando a população se sente excluída, menos fiel é esse retrato — diz.

Reflexão sobre oposição

Aline observa que, desde 1988, o Brasil tem seguido um caminho de municipalização de diversas políticas públicas.
— Desde a redemocratização, o país tem tomado um caminho de municipalização de uma série de políticas públicas. Quem as implementa é o município em diversas áreas, como saúde e assistência social. Muitas vezes, a falta de oposição pode representar uma ineficiência das políticas públicas. Quando todos os vereadores se apropriam delas, é um projeto que tende a ser muito mais adequado para a realidade do município — pondera.
O professor João Ignacio enfatiza que a dinâmica da oposição na Câmara de Vereadores é complexa e que, embora a ausência de votos divergentes possa indicar um consenso, é importante que os partidos de oposição reflitam sobre seu papel.
— Ninguém está eternizado na Câmara de Vereadores. A oposição precisa considerar a questão do voto. Aqueles que têm uma tendência oposicionista e aspectos ideológicos diferentes da situação precisam avaliar se é vantagem ou desvantagem junto à sua comunidade entrar ou sair do governo — finaliza.
 

 - Reprodução
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