Geral

Uma trajetória inimaginável de 37 anos

Pode-se dizer que o presente chegou, com um jeito estranho, no qual não se pode tocar ou sentir – pois ele é digital

Quando o Roque Zin, o Alberto Oliveira, o Jayme Paviani e eu nos reunimos pela primeira vez, em julho de 1986, para lançar um jornal, é provável que nem tenhamos imaginado a trajetória que este veículo impresso alcançaria. O título foi sugerido pelo Luiz Andreola. Afinal, era o gentílico da cidade, embora alguns ainda insistissem em chamar pelo feio nome de florescunhense. Imediatamente somaram-se colaboradores. Cito aqui o Oscar Francescatto e o Ivo Gasparin, que permanecem até hoje, mas homenageio todos os demais que, semanal ou quinzenalmente dedicam-se a pensar, escrever e publicar seus textos, compartilhando com os leitores parte de suas almas e sua visão de mundo, a partir do local em que vivem. Na sequência vieram os agentes, responsáveis por prospectar assinaturas e zelar pela entrega do jornal nas capelas e comunidades do interior. E assim somaram-se os assinantes, que em um determinado momento chegaram a quase um quarto do número de famílias do município, um dos mais altos índices de leitura que se poderia ter no Brasil. Desde a primeira edição, estão presentes nestas milhares de páginas, as mensagens publicitárias dos anunciantes, apresentando seus produtos e serviços, ou simplesmente, dando suporte e apoio a esta publicação. Para completar, um time de entregadores, pelo qual já passaram muitos adolescentes e jovens, que hoje são empresários, comerciantes ou profissionais comprometidos, assim como faziam com a entrega de cada exemplar no jornal. A todos estes, nosso agradecimento.
Esta história se completa com o apoio de jornalistas profissionais. As primeiras lições práticas de jornalismo, com o Renato Henrichs e o Andreola. Não posso deixar de citar o Moacir Molon, com sugestões e, até mesmo, observações mais fortes quando cometíamos algum deslize, e o Admir Zanella, primeiros anos de atividade. Com a abertura do curso de Jornalismo na UCS, no início dos anos 1990, o time foi sempre se renovando e sendo liderado por uma sucessão de profissionais como Ariel Griffante, Paulo Rosa, Andréia Debon, Fabiano Provin, Danúbia Otobelli, Gabriela Fiorio e Karine Bergozza, que atuaram como editores. Fabiana Lavoratti também deu sua contribuição por quase duas décadas. Somam-se a eles os profissionais da área comercial e administrativa, dando suporte para que O Florense pudesse circular periodicamente por 37 anos e três meses.   
Passados todos estes anos, muitas memórias vêm à tona e podem ser revisitadas nas páginas deste impresso. Foram milhares de atos de fé, convertidos em páginas, como prenunciava o editorial escrito pelo Jayme Paviani para a primeira edição. Pode-se dizer que o presente chegou, com um jeito estranho, no qual não se pode tocar ou sentir – pois ele é digital. 
Ao longo deste período, a comunicação passou por profundas transformações. Podemos falar com diversas pessoas ao mesmo tempo, em qualquer parte do planeta. O que antes parecia ser ficção científica, tornou-se realidade. Neste contexto, a produção de conteúdo jornalístico, seja em âmbito local ou global, vem passando por transformações que o ambiente digital ainda está construindo. A questão de fundo é: como financiar e sustentar o jornalismo? Países como Canadá e Austrália já aprovaram legislações que obrigam as big techs Google e Meta a pagar por conteúdos produzidos por empresas de notícias. Afinal, estas duas plataformas não produzem conteúdos, apenas distribuem informações de seus usuários ou de empresas de notícias. 
Neste cenário, até mesmo pequenas empresas podem impulsionar anúncios pagos de produtos ou serviços no Facebook, Instagram e outras plataformas. Com isto, a publicidade, que é o principal meio de sustentação dos “sistemas de notícias” caiu em quantidade e em valor, tornando cada dia mais difícil a sobrevivência dos veículos de comunicação. 
Além do mais, com a posse de um celular inteligente, todos somos ‘jornalistas’ e comunicamos aquilo que nos interessa. Se o conteúdo da mensagem for interessante, as próprias plataformas se encarregam de viralizar e ampliar o alcance. E quanto mais inusitado ou excêntrico, maior a repercussão, mesmo que ela não sirva para nada. Caberia discutir, neste contexto, se as empresas de notícias são necessárias. 
Eu continuo acreditando na necessidade do jornalismo como elemento da cidadania, como um tradutor, cronista e analista do que acontece nas comunidades, no país e no mundo, buscando noticiar ou esclarecer os fatos de interesse coletivo. Mas é necessário que alguém pague por estes serviços. Para que o jornalismo possa sobreviver, ser livre, configurando-se como peça fundamental da democracia.

Agradecimentos 

Desde que anunciamos a última edição impressa de O Florense, temos visto inúmeras pessoas e instituições debatendo e buscando alternativas. Houve até uma certa mobilização para a busca de solução de continuidade do impresso. E recebemos muitas mensagens de apoio. 
A questão toda é ter os recursos para pagar pelo trabalho dos profissionais – jornalistas, diagramador, administrativo para cuidar da burocracia, atendimento comercial, entregadores, etc., além das condições mínimas de infraestrutura de uma sede como, internet, sistemas de gestão, energia, impostos, etc. 
Olhando para o passado, já se passaram mais de 37 anos. Uma história que nos orgulhamos de ter documentado em textos e imagens. Somos gratos a todos os que participaram – leitores, assinantes, anunciantes e, principalmente, aos profissionais que atuaram como entregadores, jornalistas, vendedores, administrativos, colaboradores, colunistas. Um agradecimento especial à equipe que trabalhou para produzir esta última edição: Álax Torres Alcantara, Cleudinéia Roque Pinto, Franciane Baseggio, Karine Bergozza, Maria Eduarda Salvador Schiavenin e Valdinéia Tosetto, além da equipe de logística, formada por Claudete Alessi, Patrick Borges, Lisandro Oliveira Pereira, Luis Oliveira Pereira e Adriano Oliveira Pereira. 
Não é o fim de um projeto, mas uma transformação. Um novo momento e uma nova realidade exigem novas soluções. Vamos para o digital. Temos certeza de que será um caminho acertado. Nos despedimos do papel. Fechamos um ciclo. Obrigado a todos que colaboraram, contribuíram, criticaram, reclamaram ou elogiaram.

"A força democrática de uma sociedade está diretamente associada a variedade de veículos de comunicação atuantes, livres e com respaldo da comunidade. O jornal sempre foi extremamente atuante, mas talvez, com o tempo, foi perdendo esse respaldo. Somado aos custos monstruosos para impressão e o baixo investimento publicitário em veículos impressos, infelizmente, ao que tudo indica, o grande ‘registrador’ da história de Flores da Cunha caminha para a impressão das suas últimas páginas.
A cidade fica com quatro emissoras de rádio que não tem um compromisso tão forte e exclusivo com o cotidiano do município quanto o jornal sempre teve, dividindo suas grades de programação com outras pautas e outras cidades: uma evangelizadora (Mãe de Deus), uma educativa que se esforça para estar inserida mas não consegue o devido reconhecimento (Amizade), uma comercial que tem investido esforços para conquistar o público de Caxias (Solaris) e uma comunitária que perdeu bastante sua identidade (Flores). Online, algumas opções, mas nada que tenha a força de movimentar a comunidade como outrora ocorrera.
Não ouviremos mais ‘Tu viu o que saiu no jornal?’ Não tenho mais ouvido ‘Deu na rádio’. O que nos resta? ‘Recebi no WhatsApp?’ Em um tempo de tanta notícia falsa e rasa com pessoas tão criticamente limitadas, é preocupante. 
É triste porque o acesso à informação diminui, o que enfraquece a democracia; é triste porque evidencia uma sociedade que não lê. Neste ano a venda de livros, jornais e revistas foi a pior da história. Uma queda de quase 10% em comparação ao ano anterior. Nenhum outro setor foi pior. A frequência de retiradas em bibliotecas é a mais baixa já vista. Portais de notícia estão publicando resumos de até seis linhas porque quase 90% das pessoas que acessam uma matéria, não leem ela inteira.
É triste porque um jornal é um registro histórico. O papel que O Florense sempre cumpriu deixará uma lacuna na cultura do nosso povo. É triste porque nosso amigo Carlos e toda sua equipe de profissionais e colunistas foi incansável no esforço de preservar um veículo que, além de informação, representou cultura, democracia e história."

Jásser Panizzon, presidente da CDL Flores da Cunha

"Os principais fatos que marcaram a história de 31 anos de Nova Pádua foram contados nas páginas do Jornal O Florense. Fica aqui o meu agradecimento, em nome de cada munícipe paduense, à direção, funcionários e colaboradores que fizeram parte da trajetória deste inesquecível veículo de comunicação que desempenhou a atividade de informar os leitores sempre com exímia competência. O Jornal O Florense fez um trabalho brilhante, sempre pautado pela ética e pela verdade. Obrigado Jornal O Florense!"
Danrlei Pilatti, prefeito de Nova Pádua

"É doloroso escrever enquanto percebo que estas são minhas últimas palavras no Jornal O Florense. No periódico que, desde que iniciei a faculdade, sonhava em poder publicar matérias e, de alguma forma, contribuir com a comunidade de Flores da Cunha. E quis o destino que eu estivesse aqui na edição 1.771: a última. 
No meu período de ‘apenas’ dois anos e meio de O Florense  entrevistei agricultores, comerciantes, presidentes de entidades, tradicionalistas, turistas, prefeitos, padres, escritores, professores, estudantes, rainhas, princesas, embaixatrizes, secretários, artesãos, o Ministro do Turismo, o Vice-Presidente do Brasil, enfim, a lista é longa, mas o principal objetivo de citá-la é dizer que aprendi que todos, independentemente de classe social, nível de instrução ou cargo, todos nós temos uma história para contar. E foi isso que O Florense fez ao longo de 37 anos: contou histórias! Histórias de pessoas e lugares. Registrou momentos e situações que jamais se repetirão. Informou com credibilidade e imparcialidade (embora alguns discordem por não entenderem que os textos de nossos colunistas são opinativos, afinal, vivemos em uma democracia) sobre política, economia, esportes e variedades. Proporcionou entretenimento por meio da ‘famosa’ coluna social e revelou as novas expressões culturais do cenário local. Manteve a comunidade de Flores da Cunha e Nova Pádua atualizada em uma época onde as redes sociais sequer existiam. Hoje, com o fim da circulação do impresso, me entristeço não só por mim e por meus colegas jornalistas, mas pela comunidade, que perde muito mais que um meio de comunicação, mas um companheiro, alguém que já fazia parte de suas vidas há quase 40 anos e, principalmente, uma parte de sua história documentada. Por mais que o digital seja o futuro, e é nessa direção que devemos caminhar, tenho certeza que o impresso já deixa saudade." 

Karine Bergozza, editora de O Florense 

"Muito obrigado por todos estes anos de parceria. Lembro do jornal com muito carinho, ainda na época em que era adolescente e que recebíamos um exemplar dele pelos Correios em Porto Velho (RO)... Quando vim morar em Flores da Cunha nossos laços se estreitaram em razão da AEU e permaneceram após minha atividade profissional. Deixará muita saudade que a mídia digital não suprirá." 
Elenilson Moraes, advogado

"Gostaria de registrar o sentimento de tristeza, de certa maneira, pelo jornal estar encerrando as atividades e a gente comenta até que o mundo, no geral, vem sofrendo algumas mudanças, passando por alguns processos de certa ‘evolução’ e algumas coisas, lamentavelmente, vão ficando para trás. Eu acredito que o jornal seja uma delas, a própria questão da leitura, das livrarias que fecharam, o pessoal parece que não dá mais tanta atenção para uma leitura, para um jornal, virou tudo eletrônico, tudo no celular. É uma pena porque a gente perde muito, perde história, informação, cultura, evolução e com o jornal não é diferente. E realmente é uma parte da história do município que acaba deixando de existir e vai ficar só no registro, no arquivo, e que se mantenha isso para futuramente a gente usar como uma cápsula do tempo porque vai ter histórias bem bacanas aí guardadas."
Icaro Arientes, sócio-proprietário da Forza Rescue

"Com indescritível honra, e a convite, dedico algumas linhas ao Jornal O Florense, nessa última edição impressa. Antes mesmo de conhecer o município de Flores da Cunha, ao chegar nessa cidade, nos idos do ano de 1995, tive a oportunidade de ser apresentado ao periódico, cujo exemplar adquirido na banca ainda tenho guardado como o primeiro de centenas de edições que se seguiram ao longo dos 28 anos, e que mantenho devidamente preservadas. Logo na apresentação, fiquei impressionado com a qualidade da publicação, que fazia um completo apanhado dos fatos ocorridos no município, com clareza, lealdade, importância das informações e, principalmente, zelando pela fidedignidade e isenção das notícias, qualidades essas mantidas ao longo das décadas. O Jornal O Florense honrou o município de Flores da Cunha, de forma ímpar, sempre com conteúdo jornalístico de altíssima qualidade e relevância para a população local e regional. A cada semana a pergunta sempre se repetia: “O Florense já chegou?”, expressão ouvida por várias pessoas e em vários locais. A expectativa, sempre renovada semanalmente, da chegada da nossa gazeta, agora se despede da comunidade, com um sentimento de perda. Nunca faltou o sentimento de pertencimento do nosso periódico para com a comunidade e para com os moradores desse maravilhoso município, o que torna sua ausência ainda mais sentida. As modernidades, que nos são impostas no dia a dia, mudam o cenário em que vivemos e, com isso, lamentavelmente, sofremos algumas perdas. Mas a memória relevante das coisas boas, importantes e insubstituíveis ficarão para sempre. E é assim que o Jornal O Florense, na forma impressa, adaptando-se às inovações tecnológicas e a novos tempos, como sempre o fez, se despede da nossa querida Flores da Cunha. Como último ‘desejo’ gostaria que esse ‘Adeus’ fosse apenas um ‘Até breve’".
Stéfano Lobato Kaltbach, Promotor de Justiça

"O Florense, 27 anos 
Quando completei 18 anos de idade, experimentei uma das mais intensas mudanças da minha vida, com toda uma galáxia de novas e profundas emoções juvenis. Estava deixando, definitivamente, o meu Travessão Paredes para vir bater à porta da pensão da dona Julieta, na então pequena cidade de Flores da Cunha.
Mais do que deixar o meu Paredes, estava deixando para trás minha ingênua e sonhadora alma interiorana. Para usar uma imagem futebolística, na nova vida na cidade, passei a sentir-me como um goleiro na hora gol, ou seja, completamente apavorado sem saber para que lado cair.
Esta mesma sensação tive ao publicar meu primeiro livro de poemas, em 1985, ‘Volta e meia um poema na veia’, e três anos mais tarde, estrear meu primeiro texto no Jornal O Florense, no espaço ‘Cada conto conta um ponto’.
O tema do texto que escrevi escapa-me da memória – que não passa de um queijo suíço esburacado. Recordo apenas que era um texto escamado por adjetivos e que não dizia absolutamente nada de importante, como, aliás, muito pouco consegui aprimorar-me de lá para cá.
O que eu estou tentando dizer é que volto a experimentar a mesma sensação de insegurança, hoje, quando o Jornal O Florense comemora vinte e sete anos. Isso apesar de mais de três mil crônicas publicadas em jornais da Serra gaúcha e em sites literários do Brasil e exterior e 22 obras lançadas nos mais diversos gêneros, como novela, poesia, histórias curtas, crônicas, contos e narrativas infantojuvenis.
O processo de escrever é feito de coragem, desespero e esperança.
Vida de cronista não é nada fácil. Escrever para jornal é coisa para pugilista. É preciso bater nos assuntos como o imbatível Muhammad Ali.
É preciso estar alerta, com os olhos em todas as janelas e os pés em todos os caminhos.
Primeiro tem essa coisa de arrumar assunto. Assunto pertinente.
Assunto que seja interessante, ao menos para parte dos leitores do jornal. E não é em qualquer raiz de carvalho que se encontra trufas negras.
Fio-me, portanto, tão somente no meu escasso talento literário, para publicar minhas crônicas no Jornal O Florense que, por sua própria concepção e dimensão, inscreve-se como um dos maiores marcos da mídia da nossa região. Disponibiliza notícias, informações e serviços aos leitores de todas as idades.
O Florense vem evoluindo na forma e no conteúdo, exercendo com profundidade o verdadeiro papel do entretenimento e fomento da cultura de hoje e do futuro, estando perfeitamente integrado à comunidade florense e paduense, com a qual estabelece um diálogo construtivo.
Não poderia deixar de lembrar que tive dois livros de crônicas editados por meio de O Florense, a partir de uma compilação de crônicas e reflexões.
O primeiro foi publicado em 1995, com o título de ‘Crônicas da cidade pequena’, cujo objetivo maior estava em marcar o início das comemorações dos 10 anos deste jornal, que aconteceu em outubro de 1996. Menos de 10 anos depois uma nova fornada de crônicas foi reunida no ‘Apontador de indiferenças’, em que busquei capturar os aspectos mais sutis e singelos do nosso cotidiano e da própria cultura regional.
Desejo continuar realizando exercícios de observação e interpretação com toda a força imagística, valendo-me muitas vezes do humor e da ironia para contar histórias que lembram as histórias do próprio leitor.
Por fim, resta-me agradecer e torcer para que O Florense continue sendo um importante veículo de cultura e informação, mantendo e ampliando o elo com a comunidade.
Escrevo com fé, espero com certeza."

Crônica de Flávio Luis Ferrarini (In memoriam), colunista de O Florense por 27 anos e alguns meses.

 - Luizinho Bebber/Divulgação
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