Exemplos de superação e amor pela vida
Conheça três histórias de florenses que lutaram contra situações difíceis e que hoje estão mais fortes
A vendedora Eliane Bulla perdeu a filha de cinco anos. O escrevente Nícolas Nery descobriu um linfoma e precisou passar por um transplante de medula óssea. A secretária Janete Paloschi sofreu um acidente de trânsito que deixou marcas. O que esses três florenses têm em comum? Pois eles são exemplos de pessoas que lutaram bravamente contra situações adversas, abriram suas mentes e compreenderam a importância do positivismo, mesmo em situações de dor extrema. Foi passando por esses obstáculos inesperados que eles se tornaram pessoas mais fortes, corajosas e positivas. É o que chamamos de resiliência. “Superar é ‘passar por cima’, é ilusório. Precisamos ‘passar por dentro’, a chamada resiliência, que significa nascer fortalecido da adversidade”, destaca a psicóloga Neusa Picolli Fante, especialista em teoria, pesquisa e intervenção em luto. Segundo ela, esse ‘passar por dentro’ é passar pelos sentimentos de tristeza, angústia, raiva, culpa, entre tantos outros, até chegar ao ‘fundo do poço’ e achar alternativas para subir. “A fé, independente da crença, é uma possibilidade. Uma forma de organizar os sentimentos e entender as situações para se tornar uma nova pessoa, uma pessoa melhor. É preciso entender que antes a pessoa possuía uma identidade. Agora, depois de tudo que passou, ela se tornou diferente”, explica.
Conforme a psicóloga, muitas pessoas passam por desafios transformadores na vida, os chamados lutos não reconhecidos. “Qualquer situação que modifica a vida de uma pessoa e faz com que ela recomece de uma nova maneira, é um luto não reconhecido. Ele tem todas as características do luto, mas um peso a mais: continuar vivo”, enfatiza.
Por isso, a resiliência é um grande fator para a superação, pois ela é a capacidade das pessoas superarem, com seus próprios recursos, as adversidades e seguirem em frente na busca por um propósito maior. “A pessoa que é resiliente, e que tem esta força interior de superar o problema e não se tornar a vítima da situação, resignifica e dá um sentido novo. Esta característica é única em cada pessoa que possui um propósito. A pessoa precisa se sentir capaz, aceitando a situação, sofrendo, entendendo o sofrimento, para conseguir superar”, aponta a psicóloga Rochele Sachet Antoniazzi.
E para superar determinados fatos, sejam eles perdas ou doenças, uma das formas mais eficazes é conversar. “É importante falar da dor para que as coisas se organizem. É preciso buscar um novo sentido para a vida e aprender a lidar com ela de outra maneira”, pontua a psicóloga Neusa Fante, que trabalhou durante sete anos no grupo de pais enlutados.
“Eu sabia que havia cura e encarei dessa forma”
O escrevente Nícolas Nery, 32 anos, levava uma vida normal quando, aos 16, foi diagnosticado com linfoma de Hodgkin – um tipo de câncer que se origina no sistema linfático. A rotina do então adolescente passaria por diversas transformações. A primeira delas, acostumar-se com a ideia de fazer quimioterapia. “Depois da explicação dos médicos de como seria o tratamento – eu morria de medo de injeção – eu sabia que era preciso ter cuidados rigorosos para ficar curado”, conta. Como a medicação era forte, Nery precisou restringir alguns alimentos da dieta. “Eu passava mal, ficava enjoado. Por conta disso, comia coisas mais leves”, lembra. Mas, apesar dos obstáculos, a positividade sempre o acompanhou. “Eu sabia que havia cura e encarei dessa forma. É dada muita importância para o câncer e não para a pessoa que está doente. Parece que a preocupação é com a doença e não com a pessoa”, diz. Após 16 sessões de quimioterapia e queda de cabelo, Nery venceu o câncer. Anos depois, em 2007, mais um diagnóstico. Novamente o jovem lutaria contra o linfoma de Hodgkin. Dessa vez mais resistente, o escrevente foi submetido ao tratamento com uma medicação mais potente. Foi necessária também a internação no Hospital de Clínicas de Porto Alegre – ele era paciente da oncologia pediátrica. Em 23 de julho de 2007, Nery completou 20 anos. A data foi marcada pela última sessão de quimioterapia antes do transplante autólogo de medula óssea – ocorrido dois dias depois. No transplante autólogo, a medula vem do próprio paciente. Ela é recolhida antes da quimioterapia, passa por tratamento, é congelada e depois reintroduzida. O escrevente ainda foi submetido à radioterapia e alguns meses de internação. Nery voltou para Flores apenas antes do Natal daquele ano. Embora jovem, ele não perdeu a força. “Eu mantive a calma. Se eu não estivesse muito bem hoje, pensava que amanhã estaria melhor. Posso não estar 100% agora, mas estou passando por isso porque preciso aprender algo para evoluir”, recorda. Após dois anos do transplante e de vida normal, Nery foi surpreendido com a púrpura trombocitopênica trombótica (PTT), uma doença grave e rara que envolve a formação de pequenos coágulos de sangue pelo corpo que bloqueiam o fluxo de sangue para órgãos vitais. A complicação ocorreu em decorrência do transplante. “Para a gente ter a ideia da gravidade da PTT, o médico disse que o Nícolas era sobrevivente de um acidente aéreo”, diz a mãe, Eloísa Nery. Porém, ele continuava firme e passou por mais um tratamento. “Era como se eu sentisse uma paz que me deixava tranquilo e me fazia confiar que tudo daria certo”, lembra Nery. Mais uma vez ele derrotou a doença. O jovem acredita que essa era a sua missão. “Aprendi a dar valor para o que precisa ser valorizado e descartar o que não é pra mim. Besteiras e coisas que antes eu me importava, hoje não ligo mais”, relata. Durante todo o processo, Nery destaca que o apoio da família foi fundamental. “Se eu não tivesse minha mãe, meu pai e meu irmão seria muito mais difícil”, afirma. Além deles, o jovem contou com o auxílio da equipe da oncologia pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e do Instituto Devita de Caxias do Sul. “É preciso acreditar em algo, ter a tua fé e pedir a proteção e cura. Eu aprendi a respeitar o meu corpo em todas as situações”, completa.
“Minha vontade de viver foi maior do que qualquer trauma”
Ter um automóvel era o sonho da secretária Janete Ines Paloschi, 55 anos. Aproximadamente um mês após adquirir o carro, um acidente de trânsito mudou sua vida. O ano era 2002. O dia 21 de julho ficará marcado para sempre na memória de Janete. Era fim da tarde de domingo e ela retornava de Caxias do Sul quando, no trevo de acesso à Linha 40, foi atingida por um veículo que invadiu a pista contrária. “O motorista que transitava no sentido contrário não venceu a curva. Eu fraturei ambas as pernas e sofri outras complicações”, lembra. Foram cerca de 10 dias no hospital, cirurgia para colocação de placas e parafusos nas pernas e muita força de vontade. Ao voltar para casa, foi preciso começar praticamente do zero – a residência passou por adaptações para recebê-la, como a instalação de um quarto no primeiro andar. “Eu tive que reaprender a andar como se fosse uma criança. Uma pessoa também ajudava a minha mãe (dona Gema Paloschi) para que eu pudesse ser carregada”, conta. No início da reabilitação, Janete mantinha as pernas retas e não podia encostar os pés no chão. Após um mês, começou a dobrar os membros inferiores e a se locomover com o auxílio de uma cadeira de rodas. A recuperação não teria sido tão rápida sem a dedicação da fisioterapeuta Andreia Carpeggiani. “Eu fazia fisioterapia em casa de três a quatro vezes por semana. Nos outros dias, realizava os exercícios com a ajuda da minha mãe”, relata.
Além da assistência da incansável dona Gema e das sessões de fisioterapia, a secretária também destaca o apoio dos colegas de trabalho. “Depois de um tempo, o pessoal vinha aqui em casa e me levava para a empresa. Isso me ajudou a superar, porque eu me sentia útil e valorizada”, recorda. Aos poucos, Janete foi recuperando os movimentos. Da cadeira de rodas, passou para o andador até chegar nas muletas. Após sete meses, voltou a andar sozinha. “O choque maior foi voltar à vida normal porque o cérebro se acostuma com alguém fazendo tudo por ti”, declara. Ela enfrentou sessões de terapia, mas sempre teve fé. “O médico disse que a recuperação foi rápida devido ao meu esforço. Eu voltei para a academia de muleta. Minha vontade de viver e voltar a andar foi maior do que qualquer trauma”, revela. Além disso, o suporte espiritual recebido pela secretária e sua família foi muito forte. “Muita gente orou por mim. Se hoje as pessoas se unissem em oração ou em algum movimento de espiritualidade, o mundo seria muito melhor. Eu briguei tanto para viver e às vezes me pergunto por que as pessoas tiram a própria vida”, completa. Após 17 anos do acidente, Janete tem uma percepção diferente da vida. “Eu tive a chance de ficar, então eu tenho que fazer alguma diferença”, diz. A secretária segue sua rotina normal e muito ativa: voltou a dirigir cerca um ano depois do incidente e pratica atividade física regularmente. Nesse período, conheceu a filosofia Seicho-No-Ie e acredita no poder da gratidão. “É preciso acreditar que existe uma força maior dentro da gente e que não nos deixa desistir. Meu lema é sempre em frente”, pontua.
“Não entendo até hoje porque ela teve que partir tão cedo”
O ato de perder um ente querido mexe de todas as formas com o ser humano. Mas a morte de uma criança não há palavras que possam descrever os sentimentos, principalmente da mãe. E neste dia especial, 27 de setembro, dia em que Eduarda Bulla completaria nove anos de idade, vamos contar a história de amor e de superação da mãe, Eliane Bulla, que tomou a difícil decisão de compreender a morte da filha, com cinco anos de idade, e de realizar a doação de órgãos. “A Eduarda sempre foi uma menina bem saudável. O tempo dela foi vivido intensamente. Ela deixava todos de cabelo em pé”, conta a mãe. Como a família mora no interior do município, Eduarda adorava brincar ao ar livre, no meio das plantas e dos animais.
Eliane conta que um dia percebeu que a filha tinha uma hérnia na região da virilha (hérnia inguinal) e resolveu levar ao médico. “O médico explicou, disse que não era nada grave, mas que seria bom retirar”, conta. Com a opção da intervenção cirúrgica aceita, Eduarda passou pelo processo em Flores. “Na cirurgia deu tudo certo, foi bem tranquilo, mas quando estava na recuperação percebi que ela começou a inchar. Chamei a enfermeira. Ela estava tendo uma reação alérgica a anestesia”. Nesse momento, o quadro da Eduarda se agravou. Ela entrou em parada cardíaca e foi levada as pressas para Caxias do Sul. Lá, informaram que as circunstâncias haviam gerado um edema cerebral. “Ela ficou uma semana na UTI e nesse período eu vivi dentro do hospital. Foi difícil, mas eu sempre acreditei que pudesse acontecer o impossível”, relembra Eliane com lágrimas nos olhos. Até que no dia 14 de outubro de 2015 foi atestada a morte cerebral de Eduarda. “Quando o médico me perguntou da doação de órgãos eu não hesitei em nenhum momento, não sei por quê. Eu estava tomada de tanta emoção que eu só queria ficar um tempo a mais com a minha filha, e a doação ia me proporcionar isso. Eu não pensei no ato em si de doar, hoje vejo que fui até egoísta, mas tínhamos que esperar a equipe de Porto Alegre vir coletar os órgãos e isso ia dar mais tempo de me despedir”.
Sobre a doação, as únicas informações que passaram para os familiares foram que três pessoas receberam os órgãos de Eduarda: um menino de um ano e meio, uma adolescente de 17 anos e uma mulher de 43, e que nenhum deles teve rejeição. “Eu participo de muitos encontros que falam sobre doações e sempre tive o interesse de conhecer quem recebeu os órgãos da Eduarda. Mas, em uma dessas reuniões, uma pessoa que havia recebido um órgão me disse que não queria conhecer os familiares de quem doou porque ele não era a pessoa doadora. E isso mexeu comigo. Se eu conhecesse iria enxergar a minha filha nessas pessoas”, comenta.
Eliane, que na época já tinha outra filha, Rafaela, com dois anos – hoje com seis –, via duas opções: morrer junto com a filha que partiu, entrar em depressão e não querer mais viver, ou continuar vivendo. “Eu tinha outra menina e ela precisava da mãe”, enfatiza.
Eliane optou por ser forte, buscou força e continuou vivendo por Rafaela, superando dia a dia, por mais que doesse. “A hora da morte é um impacto muito grande, mas só depois eu entendi a falta que ela faz e que ela nunca mais vai voltar para casa. As coisas que eram dela não pertenciam mais a ela, e se eu deixasse aquilo lá, eu ia alimentar todo o dia a minha dor”.
O tempo foi passando, com dias bons e outros nem tanto, mas a família sempre manteve a memória da Eduarda viva. “Não entendo até hoje porque ela teve que partir tão cedo, mas partiu. Cuidei da Rafaela e, como mãe, tento ser muito boa. Deus me deu uma nova oportunidade”, conta ela, que hoje também é mãe de Juliano, de dois anos. “Sempre digo que a Rafaela me ajudou a seguir, mas o Juliano trouxe a minha vida de volta”, diz.
Nesse período, Eliane buscou o entendimento da morte e pôde ajudar a família que a cada dia sofria com a perda de Eduarda. “Está sendo uma superação de todos para diariamente lidar com a ausência e entender o que aconteceu sem lamentar, porque lamentação não vai trazer ela de volta, e questionamentos menos ainda. Temos que viver”, ressalta. A doação também ajudou Eliane a passar pelo obstáculo. “Eu não pude ter a minha filha de volta, mas três pessoas renasceram por causa dela. Então, isso também me conforta e me faz entender que é importante olhar pro outro mesmo no momento da dor”, finaliza.
0 Comentários