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Educação para mudar vidas

Reportagem especial mostra exemplos de pessoas que buscam em projetos de alfabetização a transformação do seu dia a dia

Muito se ouve falar de medidas para tentar melhorar as condições de vida de pessoas ao redor do mundo. Diversas propostas e possibilidades são apresentadas. Soluções tecnológicas e inovadoras surgem a todo o tempo, entretanto, de acordo com especialistas, a resposta para mudar essa situação é oferecer a todos, independentemente da idade ou situação social, o direito de aprender. No país, segundo dados tornados públicos no início deste mês pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), no total, 14,1 milhões de brasileiros – o que equivale a 10,5% da população maior de 15 anos – não sabem ler nem escrever. No mundo, são 776 milhões de adultos nesta situação, num total de 6,5 bilhões de pessoas. Em Flores da Cunha, atualmente, existem 413 analfabetos maiores de 16 anos (228 mulheres e 185 homens), de acordo com informações da Secretaria de Educação, Cultura e Desporto. Para diminuir esses números no município, e com o intuito de mudar a vida das pessoas, duas ações são realizadas: o projeto 'Alfabetização Saudável' e a Educação de Jovens e Adultos O caminho para a transformação Conforme o chefe do Departamento de Estudos Especializados da Faculdade de Educação da UFRGS, doutor Raimundo Helvécio Almeida Aguiar, a educação é capaz de mudar vidas. Entretanto, não faz isso sozinha. “Ela é um caminho para que se faça a transformação”, afirma. Ele destaca que a educação é um meio que trabalha com o conhecimento exponencial. “À medida em que se conhece algo nasce o interesse de saber o que vem depois, e assim sucessivamente. É esse conhecer de maneira exponencial que possibilita a modificação na vida de uma pessoa”, destaca o professor. Para ele, embora os programas de alfabetização sejam um recurso de extrema importância, existe a necessidade de que eles se tornem políticas institucionais para que tenham continuidade, cumprindo o papel a que se destinam. “O que não pode acontecer é que os projetos fiquem somente no discurso. Eles devem ser práticas de um processo de educação que vai desde a alfabetização até, pelo menos, a conclusão da educação básica”, completa.

Elevar a autoestima e promover a inclusão social

Como o próprio nome sugere, o projeto ‘Alfabetização Saudável’, da Prefeitura de Flores da Cunha, em parceria com as secretarias de Saúde, Trabalho, Habitação e Assistência Social e de Educação, Cultura e Desporto, tem por objetivo alfabetizar e, consequentemente, emancipar adultos a partir dos 15 anos. Pioneiro na região, o trabalho faz parte das estratégias do Programa de Saúde da Família, do Governo Federal. Conforme o enfermeiro coordenador do PSF, Jandir José de Ponce, a ideia de criar o projeto surgiu após um levantamento epidemiológico e sóciossanitário realizado entre as famílias das seis localidades (Pérola I, II e III, Boa Vista, São Pedro, São Cristóvão e Monte Belo) que compõem o programa. O resultado da pesquisa mostrou que aproximadamente 5% dos entrevistados não eram alfabetizados. A partir disso, evidenciou-se a necessidade de se criar algo voltado ao ensino desse público. Segundo Ponce, a equipe trabalha para que os participantes tenham uma vida melhor através do acesso à educação. “Dessa maneira eles se tornam cidadãos de fato, pois passam a ter mais autonomia a partir do momento que não dependem mais dos outros para ler uma bula de remédio, por exemplo”, assinala. A pedagoga e professora voluntária do Educação Solidária, Maria da Graça Silveira Borba, salienta que a oportunidade de aprendizado confere às pessoas uma significativa elevação da autoestima. “Normalmente quem nos procura são indivíduos que não sabem nem assinar o próprio nome. À medida que vão aprendendo é possível perceber a alegria deles. Isso se reflete em todos os sentidos da vida”, destaca. As aulas são realizadas duas vezes por semana, na parte da tarde, na Unidade Básica de Saúde Dr. Hildebrando Cardoso Pereira, localizada no loteamento Pérola. O material didático é disponibilizado pela Secretaria de Educação, Cultura e Desporto e a metodologia aplicada é semelhante à utilizada no programa Educação de Jovens e Adultos (EJA). Os alunos aprendem a ler e a escrever por meio de trabalhos feitos com recortes, pinturas, jogos educativos e aulas expositivas. Em junho deste ano, 13 mulheres entre 20 a 76 anos, concluíram a primeira etapa do projeto. Entretanto, algumas delas continuam frequentando as aulas. Hoje, a turma é composta por 18 mulheres. Para participar basta ter mais de 15 anos e não ser alfabetizado. Não há um período específico para matrículas, que devem ser feitas na UBS do Pérola ou pelo telefone (54) 3292.6900. “Minha vida mudou muito depois que aprendi a ler”

Além de ser uma forma de inclusão social, a educação tem um papel fundamental na vida de quem decide voltar aos bancos escolares. Ela pode ser uma ferramenta para elevação da autoestima, como explica o professor Raimundo Aguiar. “Imagine uma pessoa que não sabe ler e escrever, que é chamada de analfabeta e que tem um filho que estuda. A partir do momento que ela passa a decifrar esse código, ela vai querer mais e mais, até mesmo para poder acompanhar o desenvolvimento do filho. Isso eleva naturalmente sua autoestima”, afirma. A auxiliar de limpeza Teresinha Matos da Silva tem 40 anos e não faz muito resolveu aprender a ler e a escrever. Ela conta que não sabia assinar o próprio nome, e que isso a atrapalhava muito. “Quando eu recebia algum bilhete da escola da minha filha me sentia mal, pois não entendia. Tinha sempre que pedir para meu marido”, lembra. Mas essa situação começou a mudar em 2007, ano em que Teresinha se matriculou nas aulas do projeto ‘Alfabetização Saudável’, no Pérola. “De lá para cá quase dois anos se passaram e ela evoluiu muito”, conta a professora Maria da Graça Silveira Borba. “Quando ela chegou aqui era uma pessoa triste, com baixa autoestima. Hoje ela ri, conversa e lê textos para os colegas”, relata. Com o tempo, Teresinha descobriu um mundo até então desconhecido para ela: o mundo das letras. Dessa forma, pode realizar um sonho: ler a Bíblia nos cultos da igreja que frequenta. “Na formatura da primeira etapa do curso eu li o Salmo 121. Não consigo nem descrever a emoção que senti naquele momento”, emociona-se ao lembrar. “Minha vida mudou muito depois que aprendi a ler. Parece que antes eu era cega e que agora consigo ver” comenta ela, que agora pretende realizar outro sonho: encaminhar a Carteira Nacional de Habilitação. “Esse é só o começo. Tenho muitos planos para o futuro”, finaliza.

Conhecimento que auxilia no trabalho

Aos 51 anos, a operadora de máquinas Graciema Quintanilha Rodrigues, hoje com 53, decidiu aceitar o convite de uma amiga e voltar aos bancos escolares. No início de 2007, ela passou a frenquentar as aulas do projeto ‘Alfabetização Saudável’ e não parou mais. Na época, ela mal sabia escrever. Hoje, passados dois anos, ela se orgulha do que aprendeu. “Já sei ler e escrever. Isso me abriu muitas portas, inclusive no trabalho”, conta. Graciema atua há 17 anos em uma empresa de plásticos de Flores da Cunha. Os anos de trabalho lhe renderam experiência e ela foi convidada a fazer parte da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa). Entretanto, ela conta que sentia necessidade de adquirir mais conhecimento para atuar, efetivamente, na função a qual foi designada. “Hoje consigo preencher as planilhas. Tenho mais noção das coisas. Por isso, me sinto importante e valorizada”. Ela, que sempre incentivou os quatro filhos a estudarem, também recebeu apoio da família para voltar aos estudos. “Não tive a oportunidade de estudar quando era jovem. Sempre morei na colônia e casei muito cedo. Hoje faço questão de incentivar meus filhos, pois sei o quanto isso é importante e pode abrir portas”, completa Graciema.

Para acompanhar a evolução tecnológica

O bancário aposentado Ivo Masiero, que escolheu Flores da Cunha para morar há seis anos, decidiu voltar a estudar aos 68 anos. “Principalmente para não ficar ‘boiando’ nos assuntos referentes à internet”, explica. Natural de Jaú, interior de São Paulo, ele optou por acompanhar a evolução tecnológica e matriculou-se na Universidade da Terceira Idade (Unti) da Universidade de Caxias do Sul (UCS). “Educação nunca faz mal para ninguém. Estudei até o colegial (hoje ensino médio) e sempre incentivei colegas de trabalho e familiares a ampliarem seus conhecimentos”, argumenta o ‘universitário’, hoje com 70 anos. Masiero cursou quatro semestres na Unti, todos eles voltados à informática. Sua primeira aula foi em agosto de 2007. “Além de aprender no curso e mexendo diariamente no computador, o retorno aos bancos escolares proporcionou a criação de novas amizades. É muito bom conhecer coisas diferentes sem depender de outras pessoas”, sentencia o aposentado, pai de três filhos – dois deles residentes em Flores da Cunha. A Unti – Para participar da Unti como aluno, a UCS recebe inscrições de pessoas que tenham mais de 50 anos. Elas podem fazer seu próprio programa de atividades de acordo com seus interesses e aptidões pessoais. As aulas são realizadas no Campus Universitário de Caxias do Sul e a maior parte delas é oferecida no turno da tarde. As opções estão agrupadas em três grandes áreas – Saúde, movimento e lazer (foco na promoção da saúde físico-mental); Atualização e aquisição de novos conhecimentos; e Arte e cultura (foco no desenvolvimento de potencialidades e de novas vivências e oportunidade de tirar proveito dos bens culturais).

“Vi que minha vida não tinha futuro”

O trabalho na lavoura de soja desde criança, ao lado dos quatro irmãos mais novos, impediu que o jovem Jocelei Krilow frequentasse uma escola. Há seis anos, o agricultor, que trabalha em parreirais de São Gotardo, reside em Flores da Cunha com os pais. Mas foi somente no início de 2009 que ele decidiu mudar o rumo de sua vida. “Eu nunca tinha pego em um lápis. Mal conseguia escrever o nome e não sabia ler nem uma placa na rua. Hoje leio devagar, mas leio”, conta Krilow, que tem 23 anos e é natural de Flor da Serra do Sul, município do sudoeste do Paraná. O rapaz veio para Flores em busca de trabalho. Com o passar dos anos, lembra, percebeu que precisava aprender a ler e a escrever. “Vi que minha vida não tinha futuro. Então, decidi correr atrás. Mesmo trabalhando na colônia a pessoa precisa de conhecimento”, explica o jovem, que tem dificuldade para falar algumas palavras. Krilow matriculou-se na Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Municipal 1º de Maio, e atualmente cursa a 2ª série do ensino fundamental, inclusive com aulas de informática, o que facilita o aprendizado. Em Flores da Cunha, 256 pessoas estão matriculadas na EJA, sendo 60 evadidas. Quem desejar informações sobre o EJA podem entrar em contato com a escola através do telefone 3292.1864.

Educação de Jovens e Adultos A história da EJA no Brasil está muito ligada a do educador Paulo Freire. O método que levou seu nome foi desenvolvido no início da década de 1960 pela primeira vez no Rio Grande do Norte. Na época, ele ensinou 300 adultos a ler e a escrever em 45 dias. Com o sucesso da experiência, o sistema passou a ser conhecido em todo país. Para Freire, a simples formação de palavras não desenvolvia o pensamento crítico – ou seja, não importava entender o que era escrito e o que era lido porque o importante era dominar o código. Por isso, criou novos métodos de aprendizagem para educador e educando interagirem. A proposta baseia-se na realidade do aluno, levando-se em conta suas experiências, suas opiniões e sua história de vida.
Jocelei Krilow. - Fabiano Provin
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