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Economia desacelerada cede espaço para a inflação

Custo de vida em elevação desde o final do ano passado, após um período de crescimento, tem preocupado os brasileiros

Acompanhada do filho Miguel, de um ano, a autônoma Carolina Caetano, 23 anos, notou no final do mês passado o aumento nos gastos com alimentos. Os preços subiram e a conta é sentida no bolso. “Tudo aumentou, mas eu noto principalmente as verduras e legumes. No final do mês o valor pesa no orçamento”, confessa Caroline. Ela mudou-se para Flores da Cunha há dois meses e notou que o custo de vida, comparado a São Paulo, onde morava, está mais caro no Rio Grande do Sul. “Valores com moradia são mais baixos, mas com alimentação se gasta mais”, aponta. Estes aumentos percebidos por Carolina são reflexos das oscilações da economia brasileira, principalmente quando falamos em baixo crescimento e na temida inflação.

Mas o que seria uma economia saudável, segundo os especialistas? A resposta seria uma economia que cresce num patamar bom e compatível a sua capacidade, com uma perspectiva de aumento em longo prazo e permanente, ou seja, sustentável. Uma economia bem comportada também conta com a inflação e despesas controladas, onde o investimento se faz presente e continua gerando oportunidades no país. Hoje a economia brasileira registra um baixo crescimento econômico. Nesta semana a projeção de crescimento nacional caiu pela oitava semana seguida. O reflexo disso tudo são preços e juros mais altos – e um mercado ‘travado’.

Segundo dados do Banco Central (BC), a estimativa para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todos os bens e serviços produzidos no país, passou, neste ano, de 2,40% para 2,34%. Para 2014, também houve redução na estimativa pela terceira semana consecutiva, de 3% para 2,8%. O diretor de Economia, Finanças e Estatística da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Caxias do Sul, economista Mauro Corsetti, explica que a economia do Brasil hoje é reflexo de um modelo utilizado pelo governo no passado – o recente tem como base o consumo. “Porém, o consumo na economia é apenas um dos itens. O governo deixou em segundo plano algo muito importante, que são os investimentos. O que está acontecendo é que não se investe no Brasil em volume necessário para se ter um crescimento maior do que este que estamos tendo”, acrescenta Corsetti.

Sem investimentos o crescimento econômico cai, o que faz com que o próprio consumo, por meio da geração de renda das pessoas, não cresça tanto. “Se o crescimento não avança o consumo também não, sendo assim, aquele modelo que foi posto pelo governo se exauriu. O poder de compra das pessoas, sua renda, e sua capacidade de consumo, caíram, chegando quase ao limite, onde as pessoas já estão devendo muito e não conseguem pagar, aumentando a inadimplência e diminuindo a renda. A geração de novos empregos não está crescendo nos mesmos níveis que cresciam antes. Então, o modelo está se esgotando”, alerta o economista.

Efeitos estruturais
Os problemas em infraestrutura, rodovias, ferrovias e aeroportos são alguns exemplos da falta de investimentos no país, que começa pelo próprio governo federal. Com isso, o que era fundamental para uma economia saudável e sustentável em longo prazo, seja em qualquer setor, não foi para a prática, tornando o país ‘travado’. “É o resultado de uma política econômica onde os recursos foram usados para outras finalidades, e não nos investimentos apropriados e em um volume necessário. Com isso estamos tendo que pagar juros muito mais altos, afetando toda cadeia econômica. É uma equação onde a economia está engessada, bloqueada”, explica Corsetti.

O setor privado é considerado o que mais investe, utiliza de 16% a 18% do PIB. Neste ano os investimentos privados também reduziram, isso porque as perspectivas não estão boas em função de o desempenho do país estar abaixo do esperado. “Para que as empresas invistam é preciso ter um retorno adequado. Quando o mercado não cresce, significa que aquele dinheiro a ser investido não terá um retorno suficiente, então, as empresas ficam com receio de investir”, lembra Corsetti. Segundo ele, algumas ações do governo aumentam o clima de intranquilidade, o que faz com que, novamente, as empresas fiquem constrangidas em fazer investimentos. Ou a gastar mais no mercado. Para a professora Carmen Nadir Grison, 44 anos, muitos produtos aumentaram de preço. “Alimentos, itens de limpeza e de higiene são os principais. Compramos geralmente as mesmas coisas, mas no final verificamos que os produtos estão aumentado”, complementa Carmen.

Incertezas
Para 2013 e 2014 – é válido lembrar o próximo ano é eleitoral – o país deve apresentar um crescimento realmente inferior ao que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, previa. O economista Mauro Corsetti, da CIC de Caxias do Sul, lembra que o governo federal tentou auxiliar com a baixa de impostos, porém, com a diminuição no crescimento econômico, novamente os impostos sobem, freando ainda mais a economia. “O próprio governo está contribuindo para desacelerar o país, pois quando se aumentam os impostos as pessoas ficam com menos dinheiro no bolso, e os produtos aumentam de preço porque tem mais impostos para pagar”, explica. Outro cenário brasileiro inclui os juros. Hoje o item de despesa com juros é um dos maiores que se tem no governo. Em 2002 a dívida interna era de R$ 600 milhões e, hoje, chega a R$ 2 trilhões (três vezes mais do que em 2002). “Foi isso que aconteceu na Europa. Os países se endividaram para pagar as despesas do governo e, lamentavelmente, o Brasil está caminhando nessa direção”, sustenta Corsetti.

Agricultura forte, mas não o suficiente para suprir perdas
A crise na economia de muitos países afeta principalmente as exportações do Brasil, que estavam em crescimento nos últimos anos e começaram a desacelerar. A taxa de câmbio tirou a competitividade da indústria, o que fez cair a produção. “Estamos hoje com a pior situação dos últimos anos em exportações e, principalmente, no que se chama de saldo da balança comercial. Em questão de 10 anos chegamos perto dos US$ 50 bilhões de saldo; hoje estamos negativos. Este ano estamos com o nível mais baixo dos últimos 19 anos”, salienta o diretor de Economia, Finanças e Estatística da CIC de Caxias, Mauro Corsetti.

Ao contrário da média nacional, o Rio Grande do Sul apresentou crescimento nas exportações em abril deste ano. O índice maior do que o registrado em 2012 aconteceu graças ao setor agrícola. No ano passado o Estado passou por problemas climáticos, mas em 2013 o clima está melhor e essa potencialidade da agricultura deve representar algum crescimento no país. “Outros setores como indústria e o próprio comércio estão sofrendo muito. Se a safra agrícola realmente tiver a resposta que se espera, e tudo leva a crer que sim, então possivelmente teremos um crescimento na economia. Acontece que os outros setores puxam para baixo e o PIB agrícola, que tem dado um resultado excelente em termos de balança comercial, não é o suficiente para gerar os níveis necessários para livrar a balança comercial do Brasil”, lembra Corsetti.

A inflação, que neste ano foi representada pelo tomate e anos atrás pelo chuchu, existe por todo um conjunto de itens. Em função do cenário brasileiro, onde os preços começaram a subir muito, assim como o custo de vida, existe ainda uma desindustrialização. Produtos que uma vez eram fabricados aqui agora são mais baratos de serem produzidos fora e depois importados. As empresas acabam perdendo espaço. Aí entra em ação a política cambial, outro ingrediente da inflação. “A inflação cresceu porque o Real se valorizou muito e o dólar perdeu valor. Por um lado isso contribuiu para baixar a inflação, mas agora, com queda na exportação e aumento na importação, a balança comercial se tornou negativa”, explica Corsetti.

Além de produtos, os serviços estão mais caros, e nesse quesito entra o salário, um dos itens que mais subiu no Brasil. Obviamente todos pretendem ganhar mais no final do mês, mas isso se torna um problema quando os salários crescem mais do que a inflação. A vice-presidente de Serviços do Centro Empresarial (CE) de Flores da Cunha, Giovana Ulian, destaca que no município as empresas estão mudando a rotina de serviços. “Hoje muitos empresários estão dispensando serviços terceirizados para assumirem isso, o que, em muitos casos, acaba diminuindo os custos. É isso que sentimos em Flores da Cunha”, avalia Giovana.

Na Itália, desemprego e crise

Se a economia brasileira está estagnada, dando sinais de alerta ao governo e preocupando, principalmente, os empresários, a Itália, país de onde veio a maioria dos moradores da nossa região, e que por muitos anos foi sinônimo de riqueza e pujança, pede socorro. A exemplo de outros países da Europa, a ‘Velha da Bota’ passa por dificuldades financeiras. Segundo dados publicados em maio pela Agência Italiana de Notícias (Ansa), a partir de uma pesquisa do Instituto Italiano de Estatística (Istat), 25% da população italiana, ou seja, quase 15 milhões de pessoas, apresentaram dificuldades econômicas no final de 2012. O estudo destaca que 8,6 milhões de italianos, 14,3% da população, estavam em uma situação financeira ‘grave’ no período. O Istat revela também que a Itália tem o maior número da Europa de jovens entre 25 e 29 anos que não trabalham nem estudam.


Casas e imóveis para alugar: rotina. (Foto: Antonio Luis Piccoli/Divulgação)

Quem visita a Itália percebe o quanto os italianos estão preocupados com a sua situação. A grande maioria das pessoas demonstra aflição com os rumos de seu país e indignação com a política e com os políticos da nação. Até mesmo os empresários do vinho – segmento o qual, segundo dizem, é o que está sustentando a economia italiana devido à exportação – estão com os olhos arregalados. O desemprego, principalmente entre os jovens, e o alto custo de vida são as principais queixas.

Recentemente, a Ansa divulgou em seu site uma pesquisa feita pela Confederação Italiana de Agricultores denominada Os Jovens e a Crise. Segundo os dados, 28% dos jovens entre os 35 e 40 anos sobrevivem com o dinheiro dos pais, assim como 43% dos jovens entre 25 e 34 anos e 89% daqueles entre 18 e 24 anos. O desemprego faz com que muitos desses jovens saiam da Itália e busquem oportunidades em outros países, como Alemanha e Reino Unido, países que menos estão sentindo dificuldades. O Brasil também está na lista, já que para os estrangeiros o Brasil é a ‘bola da vez’. Esse processo de migração dos mais jovens está transformando a Itália num país de pessoas idosas.

Testemunhos
Caminhando pelas ruas de grandes centros, como Roma e Pádova, ou de pequenos, como Conegliano, é possível perceber muitas empresas e comércios fechados. Prédios comerciais inteiros estão à venda. Nos arredores de Treviso há muitas casas para alugar, a maioria residências de final de semana dos moradores de Veneza. Entre os setores mais prejudicados está o calçadista. Empresas grandes e reconhecidas mundialmente, como a de calçados esportivos Diadora, fecharam as portas e levaram a produção para a China. Com isso, cidades que antes eram pequenas potências, como Montebelluna, na província de Treviso, sofrem com o desemprego e com os problemas gerados pela falta de dinheiro.

O empresário Ferdinando De Faveri, proprietário de um restaurante em Montebelluna desde 1969, diz que esse é o pior período já vivido pelos italianos nas últimas décadas. Ele conta que nos arredores de seu restaurante 20% das empresas fecharam as portas. Consequentemente, o movimento no estabelecimento diminuiu em torno de 40%, fazendo com que De Faveri também demitisse seus funcionários e trabalhasse somente com a família.

Cada italiano tem a sua explicação para a crise. Para Leonildo Sossai, empresário que trabalha com consultoria jurídica, a crise na Itália teve seus sintomas há 20 anos. “Ainda naquela época percebíamos a perda na competitividade das empresas. Além disso, o sistema era muito sindicalizado. Eram muitos os direitos ao empregado e muita burocracia às empresas, ao empregador. Isso fez com que, aos poucos, as empresas perdessem competitividade”, pontua Sossai, que salienta que a situação piorou com a globalização e com o sistema bancário que não fazia investimentos nas empresas locais. “Hoje, para voltar aos que éramos nos anos 1980, teríamos que eliminar os que favorecem alguns empreendedores”, diz.

“Eles nem sabiam o que era financiamento”
O jornalista Antonio Luis Piccoli mora na Itália há oito anos. Trabalha na rádio Conegliano, emissora do grupo RSCOM. Ao lado da esposa, a florense Maristela Dalsolio, que trabalha em um café na cidade de Veneza, e da filha Giuliana Gioia, ele vive bem em Conegliano, mas convive com os efeitos da crise. Piccoli conta que a situação começou a piorar há quatro anos, mas piorou muito em 2012 com o desemprego. “Aqui na Itália há falta de governo. A política é velha, do tempo dos coronéis”, relata.


Piccoli com a esposa Maristela e filha Giuliana. (Foto: Andréia Debon)

No entanto, o jornalista diz que os italianos transparecem mais a crise do que efetivamente ela existe. “As pessoas com menos de 50 anos não sabem o que é uma crise, muito menos enfrentá-la. Os italianos não sabem lidar com os problemas como os brasileiros. O brasileiro tem espírito guerreiro, quer encontrar soluções. O povo daqui nunca precisou de financiamento, por exemplo, nem sabia o que era isso, mas hoje precisa e não sabe aceitar que ele é necessário”, conta. De acordo com o jornalista, o número de desempregados nas ruas também tem a ver com os milhares de estrangeiros que foram para a Itália há alguns anos com a desculpa de que os nativos não faziam determinados trabalhos manuais, como na construção civil, por exemplo. Mas hoje, com as dificuldades, os italianos estão ‘abraçando’ tudo, e os estrangeiros, muitos descendentes de africanos, estão nas ruas pedindo esmolas.

A autônoma Carolina Caetano, no mercado com o filho Miguel, afirma que gastos com alimentos aumentaram no final de junho. - Camila Baggio
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