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A (r)evolução tecnológica mudando vidas

Cotidiano da população é alterado com a criação de novos equipamentos

Houve um tempo em que o transporte de mercadorias era feito no lombo de mulas. Houve um tempo em que os trabalhadores passavam até 80 horas por semana dentro de uma fábrica. Houve um tempo em que luz elétrica, gás, geladeira e televisão era privilégio de poucos e utopia de muitos. Tal realidade foi modificada a partir da Revolução Industrial, em meados do Século 18, na Inglaterra, com a introdução dos sistemas de produção mecanizados. Conforme a doutora em História Econômica e coordenadora do curso de Sociologia da UCS, Vânia Herédia, a humanidade passou a se transformar à medida que foram ocorrendo mudanças de paradigmas.

Consequentemente, o homem foi se adequando e alterando os padrões de comportamento. “No sistema de produção em massa caracterizado como Fordismo, iniciado em 1914 pelo empresário norte-americano Henry Ford, tinha-se uma população preparada simplesmente para trabalhar, de uma forma repetida. Não exigia-se raciocínio e nem criatividade”, aponta. Enquanto o mundo acompanhava as mudanças vivenciadas com a introdução do Fordismo, no ano de 1923, em Terras Tupiniquins, mais especificamente na localidade de São Valentin, então Caxias do Sul, hoje interior de Flores da Cunha, nascia um descendente de imigrantes: Claudino Dall’Alba. Embora ele não tivesse conhecimento dos processos pelos quais a humanidade estava passando, sentia os reflexos dessa transformação na sua vida. Neto e filho de italianos, Claudino sempre viveu na colônia. Quando jovem, acompanhava os trabalhos da vinícola da família. “Naquela época o vinho feito na cantina do meu avô era transportado por uma tropa de mulas. Anos depois, meu pai comprou uma carreta grande, que era puxada por oito mulas, que foi trocada por uma mais moderna, com cinco animais”, lembra.

Quando Claudino atingiu a maioridade, em 1941, por coincidência, o então prefeito Oto Belgio Trindade (ficou no poder até 1946) decretou, por lei, que a partir daquele ano seria necessário ter um documento para guiar carreta de mulas. Ele foi um dos primeiros cidadãos da região a tirar uma carteira de condutor de carreta de tração animal. “Quando fiz a minha já tínhamos carretas pequenas, com apenas duas mulas. Eram mais rápidas. Eu usava o veículo para transportar lenha até Caxias do Sul”, recorda.

Em 1952, Claudino vendeu as carretas e as mulas e comprou seu primeiro automóvel, um jipe usado, para o qual também necessitou fazer habilitação. “Lembro que peguei o veículo em Caxias e fui direto a Flores da Cunha tirar minha carteira. Chegando lá, falei com o delegado e saí com a carta. Aquele foi o primeiro carro que entrou aqui na sociedade”, confidencia.

A energia elétrica
“Nós não tínhamos geladeira. Por isso, cozinhávamos a carne na banha, misturávamos em uma farofa e guardávamos. Normalmente, compravam-se apenas mantimentos de consumo rápido, para não estragar”, conta Claudino. Todavia, com a chegada da energia elétrica em Flores da Cunha, em 1970, tudo melhorou. A família adquiriu um aparelho de televisão, um dos primeiros da região. “Quando o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 1970, no México, 53 pessoas estavam reunidas aqui em casa para assistir o jogo.”

Naquela época, entre as décadas de 1960 e 1970, o Fordismo atingia seu auge. Na década de 1980, porém, o movimento entrou em declínio, abrindo espaço para a ascensão do Toyotismo. “Esse sistema necessitava de um trabalhador multifuncional, que trabalhasse em equipe e que estivesse interado aos projetos. A partir daí tivemos um novo rompimento de paradigmas”, define a socióloga Vânia Herédia.

Nos anos 1980, com a chamada 3ª Revolução Industrial e com a criação do modelo de produção japonês, até o final do Século 20, a humanidade presenciou a predominância do modelo neo-fordista, caracterizado pela racionalização da mão de obra e introdução da tecnologia. “Essa característica mudou as relações sociais de produção. As pessoas foram se adequando às tecnologias. Iniciou-se, então, mais um paradigma”, pontua ela. “O progresso nos trouxe tantas coisas boas. Hoje temos geladeira, freezer, telefone fixo, televisão colorida, TV a cabo, celular, carro. Eu gostaria que meu pai pudesse ver tudo isso. Só tendo vivido sem a tecnologia é que se aprende a dar valor a ela. Agradeço a Deus por ter presenciado essa evolução”, aponta Dall’Alba.

Atualidade
Hoje a humanidade vive em um sistema baseado no capital, o qual tem como característica a inovação tecnológica. “Saímos de um modelo artesanal, fomos para um mecânico, depois passamos para o modelo microeletrônico e, hoje, estamos no mundo digital, caracterizado pela junção de todos esses processos. Isso nos dá a característica da flexibilidade. O indivíduo atual tem de estar preparado para dar conta de tudo isso”, analisa Vânia Herédia.

Na visão da socióloga, os jovens estão à frente no processo de adaptação às novas tecnologias. Porém, ela observa que falta maturidade para esta geração para estabelecer interrelações. “Por isso percebemos que as pessoas de mais idade estão tendo mais chances atualmente. Elas precisam apenas ser requalificadas e preparadas para enfrentar essas mudanças tão dinâmicas”, argumenta Vânia.

Aderindo à tecnologia
Em meio às rotinas diárias de organizar a casa, preparar as refeições da família, tirar leite das vacas, podar as parreiras e cuidar do neto Marco Antônio, de três anos, a agricultora aposentada Angelina Dolores Gavazzoni Bonzan, 57 anos, moradora da Capela do Carmo, em Flores da Cunha, sempre encontra um tempinho para fazer uma das coisas que mais gosta: acessar a internet. Depois que participou de um curso de informática, ministrado na Escola Municipal Benjamin Constant, dona Dolores descobriu os benefícios da tecnologia.

Ela conta que teve receio de participar do curso, pois considerava que não tinha mais idade e nem capacidade para aprender a utilizar o computador e as ferramentas nele disponíveis. Porém, agora ela considera que a descoberta da web deixou sua vida mais divertida. “Antes, o máximo que eu fazia era jogar paciência no computador do meu filho. Hoje já sei entrar na internet e pesquisar assuntos do meu interesse, como a programação das novelas, receitas, dicas de bordados e de crochê. Se eu fui capaz, tenho certeza que outras pessoas da minha idade também são. Claro que não me tornei uma especialista, mas sei me virar”, conta a internauta, ressaltando que também utiliza a rede para manter-se informada. “Na sexta-feira leio o jornal O Florense on-line, antes mesmo de ele ser entregue aqui em casa”, complementa.

Além do netbook que ganhou do filho depois que concluiu o curso, dona Dolores demonstra intimidade com outras tecnologias. “Hoje em dia não precisamos mais ir ao banco. Basta acessar a conta pela internet e fazer pagamentos de casa. Meu marido é caminhoneiro. Há alguns anos, não tínhamos contato por dias. Hoje ele tem celular e um rastreador via satélite no caminhão. Aqui do meu computador consigo ver o trajeto percorrido por ele e saber onde está. Realmente a tecnologia melhorou muito a vida das pessoas”, resume a aposentada que, como Dall’Alba, vive em outro tempo: o da revolução tecnológica.


Claudino Dall’Alba teve carteira para conduzir  carreta de mulas e hoje usufrui da modernidade. - Mirian Spuldaro
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