Um teórico no meio futebolístico
Ruy Carlos Ostermann, 78 anos, iniciou a carreira jornalística na década de 1950
Nascido em São Leopoldo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, Ruy Carlos Ostermann sempre gostou muito de ler e escrever. O pai, Arthur, tinha o Café Comercial. Era ali que ele encontrava as pessoas mais importantes da cidade. Isso o incentivou, esse tipo de relação mais sofisticada, mais exigente, “acima do meu padrão”. Com isso, se acentuaram algumas (como ele define) pequenas virtudes iniciais, “não mais do que pequenas”. Foi quando guri que começou a escrever uns poemas. Hoje, tem mais de uma dúzia de livros publicados, foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre (2002) e comanda, desde 2004, o Encontros com o Professor, evento no qual entrevista personalidades culturais.
Aos 78 anos e com uma carreira jornalística invejável, o Professor, como é chamado desde a década de 1950 – é filósofo – lembra que lia muito, e de tudo. “Cheguei a ler mal, como Pitigrilli (codinome do jornalista e escritor italiano Dino Segre), mas de qualquer forma, também li Machado de Assis, Eça de Queirós. Essas descobertas foram fundamentais na minha vida. Foi quando me deparei com o texto, que é o grande acontecimento para quem trabalha com isso, não é?”, pontua o também colunista do jornal Zero Hora. E na medida em que ele se descobria também se tornava um desportista. Foi campeão de basquete e jogou futebol como lateral-esquerdo (na verdade, zagueiro esquerdo na época) pelo Nacional de São Leopoldo.
O início na carreira jornalística ocorreu quando, em um determinado dia, em 1957, houve uma crise na Folha da Tarde Esportiva. “Houve um desentendimento na Redação, ou alguma coisa do gênero, pois naquela época as coisas não transitavam tão facilmente, e aí o Luiz Engelke (ex-Internacional e Grêmio), que morava em São Leopoldo e era técnico de futebol; e o Carlos Froner (ex-SER Caxias, Grêmio, Inter e Flamengo), que me conheciam, sabiam que eu escrevia. Eles me indicaram ao Antonio Carlos Porto, o Portinho, de que em São Leopoldo havia um rapaz com condições de escrever. Fui então para Porto Alegre.”
Ostermann tinha 23 anos. Não sabia escrever à máquina, só a mão – “Naquela época era mais razoável o cara dizer isso, não era tão vexatório” – e eles o mandaram ao aeroporto, acompanhado de um fotógrafo, para cobrir a chegada de um jogador. “Incumbido da missão, fui ao aeroporto, coisa que eu não fazia normalmente. E aí chegou o jogador, era uma pessoa simpática, me aproximei, disse que era jornalista e precisava entrevistá-lo, falamos três ou quatro coisas, voltei para a Redação e pedi o que tinha de fazer. Me disseram: ‘Escreve’. Aí eu fui catar letras na máquina”, recorda o Professor. Foi seu primeiro texto. “E para minha surpresa ele foi aprovado. Aí comecei a frequentar a Redação.”
A formação
A segunda tarefa dada a Ostermann foi a de correspondente do Aimoré (de São Leopoldo), ainda pela Folha da Tarde Esportiva. “Passava a manhã toda e parte da tarde em São Leopoldo, pegava um ônibus para Porto Alegre e ia para a Redação passar as notícias do Vale do Sinos, particularmente do Aimoré. Depois de três meses fui efetivado”, conta o comentarista do programa Bem, Amigos!, do canal Sportv. Depois, ele foi para a Folha da Tarde, com Cid Pinheiro Cabral, que foi seu mestre, “uma figura maravilhosa”. Em seguida, passou pelo Correio do Povo e, depois, em 1978, foi para o jornal Zero Hora. Ostermann frisa que tinha – e tem – uma qualidade: entendia de futebol, “e por isso eu podia ser um cara especializado”. Durante um tempo seu apelido foi ‘Menga’ pelo fato de ter descoberto o jogador Mengálvio quando este fez o primeiro treino no Aimoré. “Eu olhei e disse, ‘Bah, esse cara joga demais’. Ele era soldado em Canoas e começou a jogar futebol. Fiz uma matéria sobre ele, e o nome também era muito estranho”, comenta.
Tão logo começou a trabalhar, Ostermann ingressou na faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por uma vontade pessoal. “Meus amigos todos gostavam muito de cinema, literatura, de artes plásticas, e quando a gente sentava para tomar um chope eles falavam com muito entusiasmo sobre isso. E eu achava não estar habilitado. Então, achei que a Filosofia poderia me ajudar, e eu estava certo. Ela realmente me ajudou muito, e me dotou que uma qualidade que até então eu não tinha e que tenho de poder observar melhor as coisas”, avalia. Formado, o Professor lecionou em colégios de segundo grau e ‘foi’ atrás da mulher, Nilse Wink, que era professora no Colégio Israelita. Ele também ministrou aulas de Filosofia no Colégio João XXIII e na UFRGS, na disciplina de Psicologia da Educação. “Agora faço palestras e dou entrevistas pretensiosas como essa...”, sorri.
Um teórico no meio futebolístico
O lado esportivo sempre foi ativo em Ruy Carlos Ostermann. “Eu não pude me afastar. Na medida em que você fica conhecido numa atividade, as pessoas te respeitam, e te requisitam muito. Tu não consegue mais se afastar, é uma injustiça se afastar. Eu teria de dizer ‘Não, agora vou fazer política’; até poderia, mas não vou relegar todo meu passado”, sustenta ele, que foi deputado estadual em duas oportunidades, 1982 e 1986.
Sua teoria sobre o futebol brasileiro é uma das mais respeitadas – não é à toa que é chamado de Professor. “Estamos passando por um momento de transição. Depois de um período de afirmação categórica e de confirmação de uma qualidade superior que colocou o Brasil campeão do mundo e à frente de todos, agora estamos em um período de entressafra, ou seja, daquele período de grande qualidade para esse há um vazio, e ele está sendo preenchido da maneira possível. E se vê claramente que não conseguimos romper com certa repetição”, teoriza.
Para Ostermann, é preciso também perceber que o avanço do futebol, no mundo inteiro, graças à preparação física, à medicina esportiva e, sobretudo, ao avanço tático e técnico (ou seja, da assimilação de modelos de futebol bem sucedidos), fez com que todos os adversários crescessem. “Hoje, superá-los, exige uma grande qualidade que ainda não temos. Então, estamos oscilando. O Mano Menezes fez um trabalho e tentou encontrar um equilíbrio, mas ele não chegou ao equilíbrio”, considera. Talvez por ter muitas peças? “Exatamente. Está faltando um padrão de jogo, um modelo de futebol, estão faltando lideranças no time. Na medida em que isso não existe, é visível que há uma oscilação.
E essa oscilação é perigosa porque vez ou outra nos leva a um fracasso. E o fracasso leva as pessoas ao desatino. E a imprensa e o público brasileiro são muito exigentes nesse sentido”, contextualiza. Resta esperar um novo padrão a partir da contratação de Luiz Felipe Scolari para o comando da Seleção – Ostermann escreveu Felipão, A Alma do Penta, biografia do técnico campeão da Copa do Mundo de 2002, disputada no Japão e na Coreia do Sul.
Modelos novos e antigos
Ainda citando o fato da oscilação no futebol, o Professor – que lançou recentemente um livro pocket com uma seleção de 100 textos seus feita pelo escritor Luís Augusto Fisher – cita o caso do atacante Neymar, do Santos (SP). “O Neymar é um menino. Um menino extremamente talentoso. Agora já está se atribuindo a ele ser o mestre de cerimônias de tudo. Não. O Neymar será um jogador de primeiro time na medida em que fizer o que tem de fazer e acompanhar os demais na tarefa comum do futebol. Mas se ele só quiser ser a estrela, vai acabar se prejudicando”, diz.
Para Ostermann, isso também é um modelo antigo – Romário era assim, não voltava, não participava. “Mas hoje a mudança é muito grande. Talvez hoje o Romário não jogasse. Ou poderia jogar, mas sem aquela facilidade que teve na época, porque os zagueiros vão apertá-lo, um ficará na sobra, as defesas vão avançar a marcação, e aí é preciso ter muito toque de bola”, explica, exemplificando com o caso as seleção da Espanha. Para ele, o sucesso espanhol se deve a indivíduos notáveis, o que facilita muito. “É evidente que se tu trabalha com um grupo muito bem dotado as coisas ficam mais fáceis. Agora, também é verdade que, além disso, há um padrão de toque de bola que vai evitando as dificuldades individuais, e vai aumentando a possibilidade de ela se afirmar.” É aí que um jogador mediano cresce? “Cresce, cresce dentro de um conjunto estável e exigente. Isso nós não temos no Brasil. Então, esse é um período que precisamos superar”, acredita. Para ele, que aos risos diz não ser colorado nem gremista (“Isso é impossível”), o prazo termina na Copa do Mundo de 2014, no Brasil.
Os ‘Encontros’
Ostermann fez na rádio Gaúcha por mais de 20 anos o programa Gaúcha Entrevista, em que colocou em prática a ideia de ser fundamental, no jornalismo inquisitivo – “E não investigativo, que é diferente” –, que quer respostas, de atrair para o rádio pessoas que habitualmente não eram ouvidas. “Trouxe pessoas para conversarem comigo uma meia hora sobre o que elas estão fazendo, sobre o que pensam, sobre o que gostariam de deixar de fazer, e assim por diante. Foi uma revelação. E aquilo nos deu uma ideia de fazer o mesmo, fora do rádio, porque o rádio é um testemunhal do ouvinte à distância. O rádio é cego”, justifica.
rmann, coordenadora do projeto Encontros com o Professor (ele é pai também de Fernanda e Felipe e tem cinco netos), foi estruturada a proposta de reproduzir aquele modelo do rádio, mas com público, apresentando o entrevistado. O Encontros é dividido em três grandes partes: a primeira é a entrevista propriamente dita, com uma hora de duração, pergunta e resposta, em que ele tenta ultrapassar o limite habitual das entrevistas. “O Moacir Scliar, querido amigo que a gente perdeu, me deu umas três ou quatro entrevistas longas, mas numa delas ultrapassamos de fato o limite, fizemos uma conversa de amigo para amigo, ‘afuzéu’. Quando terminou o Scliar olhou para mim e disse ‘Ruy, eu nunca dei essa entrevista. Nunca.’ Claro, é um elogio. Mas também tem uma constatação: não se fazem entrevistas assim com as pessoas importantes”, analisa. Para ele, falta isso no jornalismo atual. “Uma entrevista de uma hora na televisão é um absurdo. No entanto, no Studio Clio, onde estávamos, e agora no Centro Cultural CEEE, uma hora era o tempo mínimo que as pessoas esperavam que ficássemos conversando.” A segunda parte consiste em passar a palavra para o público, que pode fazer tantas perguntas quanto entenderem. Na última etapa há uma canja musical, com artistas convidados, identificados ou não com o entrevistado. “Esse modelo já deu seis livros. E essas entrevistas são reveladoras outra vez, como texto”, esclarece Ostermann. Cada livro tem, em média, 20 entrevistas.
O futuro do jornalismo
Voltando ao texto, Ruy Carlos Ostermann (apreciador de tintos Carmenère) prega que as faculdades de Jornalismo devem mostrar o que se fazer de uma forma mais instintiva, estimulando o texto. Segundo avalia, os meios de comunicação exercitaram uma vaidade nas pessoas, de se mostrar, de se ver. “Te vi na televisão”, e não “Te ouvi no rádio” ou “Li um texto teu”. “Nós temos que criar espaços para as pessoas se expressarem, e que esses espaços sejam significativos. A má qualidade de hoje de muitos textos e de muitas publicações se deve ao fato de que estamos apressados, fazendo uma coisa mais simples do que seria o necessário, entendendo que o público quer cada vez coisas mais simples – e isso não é verdade. Tanto que se você fizer uma coisa bem elaborada e acessível, o público fica muito interessado”, pontua. Para Ostermann, o futuro é exatamente esse, o da exigência. “Pode observar: ao longo do tempo, o que é que frutifica, o que fica? Aquilo que tem qualidade. Isso é inegável.” E qualidade não é fazer uma coisa intelectual, é fazer uma coisa bem feita. “Bem feita. Isso é fundamental. Aí tu tens um leitor.”
Entrevista originalmente publicada na edição de dezembro de 2012 da revista Bon Vivant).
Aos 78 anos e com uma carreira jornalística invejável, o Professor, como é chamado desde a década de 1950 – é filósofo – lembra que lia muito, e de tudo. “Cheguei a ler mal, como Pitigrilli (codinome do jornalista e escritor italiano Dino Segre), mas de qualquer forma, também li Machado de Assis, Eça de Queirós. Essas descobertas foram fundamentais na minha vida. Foi quando me deparei com o texto, que é o grande acontecimento para quem trabalha com isso, não é?”, pontua o também colunista do jornal Zero Hora. E na medida em que ele se descobria também se tornava um desportista. Foi campeão de basquete e jogou futebol como lateral-esquerdo (na verdade, zagueiro esquerdo na época) pelo Nacional de São Leopoldo.
O início na carreira jornalística ocorreu quando, em um determinado dia, em 1957, houve uma crise na Folha da Tarde Esportiva. “Houve um desentendimento na Redação, ou alguma coisa do gênero, pois naquela época as coisas não transitavam tão facilmente, e aí o Luiz Engelke (ex-Internacional e Grêmio), que morava em São Leopoldo e era técnico de futebol; e o Carlos Froner (ex-SER Caxias, Grêmio, Inter e Flamengo), que me conheciam, sabiam que eu escrevia. Eles me indicaram ao Antonio Carlos Porto, o Portinho, de que em São Leopoldo havia um rapaz com condições de escrever. Fui então para Porto Alegre.”
Ostermann tinha 23 anos. Não sabia escrever à máquina, só a mão – “Naquela época era mais razoável o cara dizer isso, não era tão vexatório” – e eles o mandaram ao aeroporto, acompanhado de um fotógrafo, para cobrir a chegada de um jogador. “Incumbido da missão, fui ao aeroporto, coisa que eu não fazia normalmente. E aí chegou o jogador, era uma pessoa simpática, me aproximei, disse que era jornalista e precisava entrevistá-lo, falamos três ou quatro coisas, voltei para a Redação e pedi o que tinha de fazer. Me disseram: ‘Escreve’. Aí eu fui catar letras na máquina”, recorda o Professor. Foi seu primeiro texto. “E para minha surpresa ele foi aprovado. Aí comecei a frequentar a Redação.”
A formação
A segunda tarefa dada a Ostermann foi a de correspondente do Aimoré (de São Leopoldo), ainda pela Folha da Tarde Esportiva. “Passava a manhã toda e parte da tarde em São Leopoldo, pegava um ônibus para Porto Alegre e ia para a Redação passar as notícias do Vale do Sinos, particularmente do Aimoré. Depois de três meses fui efetivado”, conta o comentarista do programa Bem, Amigos!, do canal Sportv. Depois, ele foi para a Folha da Tarde, com Cid Pinheiro Cabral, que foi seu mestre, “uma figura maravilhosa”. Em seguida, passou pelo Correio do Povo e, depois, em 1978, foi para o jornal Zero Hora. Ostermann frisa que tinha – e tem – uma qualidade: entendia de futebol, “e por isso eu podia ser um cara especializado”. Durante um tempo seu apelido foi ‘Menga’ pelo fato de ter descoberto o jogador Mengálvio quando este fez o primeiro treino no Aimoré. “Eu olhei e disse, ‘Bah, esse cara joga demais’. Ele era soldado em Canoas e começou a jogar futebol. Fiz uma matéria sobre ele, e o nome também era muito estranho”, comenta.
Tão logo começou a trabalhar, Ostermann ingressou na faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por uma vontade pessoal. “Meus amigos todos gostavam muito de cinema, literatura, de artes plásticas, e quando a gente sentava para tomar um chope eles falavam com muito entusiasmo sobre isso. E eu achava não estar habilitado. Então, achei que a Filosofia poderia me ajudar, e eu estava certo. Ela realmente me ajudou muito, e me dotou que uma qualidade que até então eu não tinha e que tenho de poder observar melhor as coisas”, avalia. Formado, o Professor lecionou em colégios de segundo grau e ‘foi’ atrás da mulher, Nilse Wink, que era professora no Colégio Israelita. Ele também ministrou aulas de Filosofia no Colégio João XXIII e na UFRGS, na disciplina de Psicologia da Educação. “Agora faço palestras e dou entrevistas pretensiosas como essa...”, sorri.
Um teórico no meio futebolístico
O lado esportivo sempre foi ativo em Ruy Carlos Ostermann. “Eu não pude me afastar. Na medida em que você fica conhecido numa atividade, as pessoas te respeitam, e te requisitam muito. Tu não consegue mais se afastar, é uma injustiça se afastar. Eu teria de dizer ‘Não, agora vou fazer política’; até poderia, mas não vou relegar todo meu passado”, sustenta ele, que foi deputado estadual em duas oportunidades, 1982 e 1986.
Sua teoria sobre o futebol brasileiro é uma das mais respeitadas – não é à toa que é chamado de Professor. “Estamos passando por um momento de transição. Depois de um período de afirmação categórica e de confirmação de uma qualidade superior que colocou o Brasil campeão do mundo e à frente de todos, agora estamos em um período de entressafra, ou seja, daquele período de grande qualidade para esse há um vazio, e ele está sendo preenchido da maneira possível. E se vê claramente que não conseguimos romper com certa repetição”, teoriza.
Para Ostermann, é preciso também perceber que o avanço do futebol, no mundo inteiro, graças à preparação física, à medicina esportiva e, sobretudo, ao avanço tático e técnico (ou seja, da assimilação de modelos de futebol bem sucedidos), fez com que todos os adversários crescessem. “Hoje, superá-los, exige uma grande qualidade que ainda não temos. Então, estamos oscilando. O Mano Menezes fez um trabalho e tentou encontrar um equilíbrio, mas ele não chegou ao equilíbrio”, considera. Talvez por ter muitas peças? “Exatamente. Está faltando um padrão de jogo, um modelo de futebol, estão faltando lideranças no time. Na medida em que isso não existe, é visível que há uma oscilação.
E essa oscilação é perigosa porque vez ou outra nos leva a um fracasso. E o fracasso leva as pessoas ao desatino. E a imprensa e o público brasileiro são muito exigentes nesse sentido”, contextualiza. Resta esperar um novo padrão a partir da contratação de Luiz Felipe Scolari para o comando da Seleção – Ostermann escreveu Felipão, A Alma do Penta, biografia do técnico campeão da Copa do Mundo de 2002, disputada no Japão e na Coreia do Sul.
Modelos novos e antigos
Ainda citando o fato da oscilação no futebol, o Professor – que lançou recentemente um livro pocket com uma seleção de 100 textos seus feita pelo escritor Luís Augusto Fisher – cita o caso do atacante Neymar, do Santos (SP). “O Neymar é um menino. Um menino extremamente talentoso. Agora já está se atribuindo a ele ser o mestre de cerimônias de tudo. Não. O Neymar será um jogador de primeiro time na medida em que fizer o que tem de fazer e acompanhar os demais na tarefa comum do futebol. Mas se ele só quiser ser a estrela, vai acabar se prejudicando”, diz.
Para Ostermann, isso também é um modelo antigo – Romário era assim, não voltava, não participava. “Mas hoje a mudança é muito grande. Talvez hoje o Romário não jogasse. Ou poderia jogar, mas sem aquela facilidade que teve na época, porque os zagueiros vão apertá-lo, um ficará na sobra, as defesas vão avançar a marcação, e aí é preciso ter muito toque de bola”, explica, exemplificando com o caso as seleção da Espanha. Para ele, o sucesso espanhol se deve a indivíduos notáveis, o que facilita muito. “É evidente que se tu trabalha com um grupo muito bem dotado as coisas ficam mais fáceis. Agora, também é verdade que, além disso, há um padrão de toque de bola que vai evitando as dificuldades individuais, e vai aumentando a possibilidade de ela se afirmar.” É aí que um jogador mediano cresce? “Cresce, cresce dentro de um conjunto estável e exigente. Isso nós não temos no Brasil. Então, esse é um período que precisamos superar”, acredita. Para ele, que aos risos diz não ser colorado nem gremista (“Isso é impossível”), o prazo termina na Copa do Mundo de 2014, no Brasil.
Os ‘Encontros’
Ostermann fez na rádio Gaúcha por mais de 20 anos o programa Gaúcha Entrevista, em que colocou em prática a ideia de ser fundamental, no jornalismo inquisitivo – “E não investigativo, que é diferente” –, que quer respostas, de atrair para o rádio pessoas que habitualmente não eram ouvidas. “Trouxe pessoas para conversarem comigo uma meia hora sobre o que elas estão fazendo, sobre o que pensam, sobre o que gostariam de deixar de fazer, e assim por diante. Foi uma revelação. E aquilo nos deu uma ideia de fazer o mesmo, fora do rádio, porque o rádio é um testemunhal do ouvinte à distância. O rádio é cego”, justifica.
rmann, coordenadora do projeto Encontros com o Professor (ele é pai também de Fernanda e Felipe e tem cinco netos), foi estruturada a proposta de reproduzir aquele modelo do rádio, mas com público, apresentando o entrevistado. O Encontros é dividido em três grandes partes: a primeira é a entrevista propriamente dita, com uma hora de duração, pergunta e resposta, em que ele tenta ultrapassar o limite habitual das entrevistas. “O Moacir Scliar, querido amigo que a gente perdeu, me deu umas três ou quatro entrevistas longas, mas numa delas ultrapassamos de fato o limite, fizemos uma conversa de amigo para amigo, ‘afuzéu’. Quando terminou o Scliar olhou para mim e disse ‘Ruy, eu nunca dei essa entrevista. Nunca.’ Claro, é um elogio. Mas também tem uma constatação: não se fazem entrevistas assim com as pessoas importantes”, analisa. Para ele, falta isso no jornalismo atual. “Uma entrevista de uma hora na televisão é um absurdo. No entanto, no Studio Clio, onde estávamos, e agora no Centro Cultural CEEE, uma hora era o tempo mínimo que as pessoas esperavam que ficássemos conversando.” A segunda parte consiste em passar a palavra para o público, que pode fazer tantas perguntas quanto entenderem. Na última etapa há uma canja musical, com artistas convidados, identificados ou não com o entrevistado. “Esse modelo já deu seis livros. E essas entrevistas são reveladoras outra vez, como texto”, esclarece Ostermann. Cada livro tem, em média, 20 entrevistas.
O futuro do jornalismo
Voltando ao texto, Ruy Carlos Ostermann (apreciador de tintos Carmenère) prega que as faculdades de Jornalismo devem mostrar o que se fazer de uma forma mais instintiva, estimulando o texto. Segundo avalia, os meios de comunicação exercitaram uma vaidade nas pessoas, de se mostrar, de se ver. “Te vi na televisão”, e não “Te ouvi no rádio” ou “Li um texto teu”. “Nós temos que criar espaços para as pessoas se expressarem, e que esses espaços sejam significativos. A má qualidade de hoje de muitos textos e de muitas publicações se deve ao fato de que estamos apressados, fazendo uma coisa mais simples do que seria o necessário, entendendo que o público quer cada vez coisas mais simples – e isso não é verdade. Tanto que se você fizer uma coisa bem elaborada e acessível, o público fica muito interessado”, pontua. Para Ostermann, o futuro é exatamente esse, o da exigência. “Pode observar: ao longo do tempo, o que é que frutifica, o que fica? Aquilo que tem qualidade. Isso é inegável.” E qualidade não é fazer uma coisa intelectual, é fazer uma coisa bem feita. “Bem feita. Isso é fundamental. Aí tu tens um leitor.”
Entrevista originalmente publicada na edição de dezembro de 2012 da revista Bon Vivant).
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