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Pequenas cantinas fecham as portas

Alta de impostos e baixo preço do vinho são os principais fatores alegados pelos pequenos cantineiro, que estão optando pela comercialização da fruta. União em forma de cooperativas seria a solução apontada por representantes da cadeia produtiva

Estruturas prontas com pipas, pavilhões e maquinários. O período é de safra na maioria das cidades produtoras de vinhos e sucos da região. Mas uma tendência está deixando as propriedades do interior diferentes: a produção de vinho dos pequenos produtores nas tradicionais cantinas rurais está diminuindo. É fato. Os agricultores estão fechando as portas das cantinas, abandonando suas estruturas e vendendo a uva para vinícolas maiores. O principal motivo é o baixo preço do vinho. Ou seja, vender a uva está se tornando um negócio mais vantajoso e lucrativo.

De acordo com o técnico do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) de Nova Pádua, Leonildo Sperotto, das 25 cantinas existentes no município, 13 vendem sua produção de vinho a granel (venda em grande quantidade para vinícolas maiores que possuem engarrafamento). Dessas, um bom percentual irá vender mais uva e produzir menos vinho neste ano. “Os produtores têm toda a estrutura, mas hoje, infelizmente, não vale a pena produzir o vinho. O agricultor está ganhando mais na venda da matéria prima do que fazendo o vinho. É uma realidade não só de Nova Pádua, mas da região”, garante Sperotto.

O técnico faz uma conta básica, mas que resume a situação: para se fazer um litro de vinho é necessário 1,5 quilo de uva. Levando em consideração o preço mínimo recentemente aprovado de R$ 0,57, apenas de matéria-prima são gastos R$ 0,85, mais a mão de obra, a vinificação, as taxas e os impostos. A venda do vinho ocorre muitas vezes na média de R$ 0,80 o litro. Dessa forma, o negócio se torna claramente inviável.

O principal entrave encontrado pelos agricultores é exatamente o valor do produto final, o vinho. “Hoje o produtor que comercializa a bebida não cobre o gasto que tem com a matéria-prima”, acrescenta o técnico. Essa movimentação das cantinas rurais diminuírem sua produção própria de vinhos é sentida há uns quatro anos. Os motivos estão ligados à diminuição da procura por vinho a granel e o baixo valor pago, o que faz com que essa situação seja tendência para o futuro. “O produtor não vai deixar de plantar uva, mas vai abandonar as cantinas, o que é uma pena, pois é todo um investimento deles e nós nos sentimos de mãos atadas, pois não há solução”, reconhece Sperotto.

A instalação de novas vinícolas na região facilitou a venda da uva e, assim, o escoamento da produção. O pagamento da uva ocorre de forma mais rápida, e este é outro fator que ajuda na escolha do produtor na hora de destinar sua safra – se para as pipas ou para terceiros. “O vinho pode ser estocado por alguns anos; já a uva é vendida rapidamente para as grandes vinícolas”, compara o representante da Emater.

Outras culturas
Para os agricultores que estão deixando de fazer vinho, cultivar outros produtos como alho, cebola e tomate, entre outros, pode ser uma alternativa para a atual desvalorização do vinho. “Os agricultores não estão se jogando para outras culturas, pois nem todas estão em alta e são vantajosas, mas seria uma boa alternativa para anos em que a uva não tiver sucesso. Essa é a grande vantagem de o produtor ter diversificação”, pondera o técnico Sperotto. Em Nova Pádua e Flores da Cunha, as principais culturas, além do vinho, são a cebola, o alho, hortifrutigranjeiros e morangos.

Cantina fechada
O agricultor Darci Perosa, morador do Travessão Bonito, em Nova Pádua, há cinco anos investiu em uma nova estrutura para sua vinícola. Um pavilhão com pipas de inox e todo maquinário necessário para a produção de vinhos. Ele, a esposa e o filho Felipe cultivam sete hectares de parreirais. Cada safra rende entre 130 a 150 mil quilos de uva. A nova estrutura foi pensada para abrigar mais de 100 mil litros de vinho que seriam vendidos a granel, porém, nesta safra as pipas ficarão vazias.

A família optou por vender 80% da uva e, com o restante, produzir vinho. O negócio mais produtivo é o que está fazendo a família pensar em abandonar de vez a cantina. “A carga tributária, as taxas e os impostos são muito altos. Já contabilizei 15 itens diferentes para pagamentos. O governo não está ajudando e a situação tende a piorar”, desabafa Perosa.

A colheita da safra 2012 deveria iniciar nesta semana. Será transportada para uma vinícola que garantiu a compra da fruta. Da safra de 2011 ainda restam 40 mil litros de vinhos estocados, esperando por uma valorização do produto. “O que nos ofereceram é uma vergonha. Vamos esperar para colocar esse vinho no mercado”, revela Perosa. O filho Felipe tem planos de permanecer com o negócio, mas demonstra que a venda da uva é uma tendência para as pequenas cantinas. “Vale mais a pena”, pondera o jovem.

Cooperativa = gestão + confiança
Experiente na área do cooperativismo, o empresário Alceu Dalle Mole preside a Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho), o Conselho Deliberativo do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) e é diretor-presidente da Cooperativa Nova Aliança. Questionado sobre o fechamento das pequenas cantinas, Dalle Molle concorda que nesses casos a única solução é o cooperativismo, acompanhado de confiança e união. “A alternativa para que o pequeno agricultor continue trabalhando e produza otimizando a estrutura que já tem é de forma associativa. O modelo cooperativista seria o mais fácil e inteligente para esse processo. O que o produtor precisa é se organizar, como fazer compras conjuntas, utilizar uma estrutura de contabilidade, técnica e enológica em comum”, explica o empresário.

Para o cooperativista, com o atual cenário do vinho a granel, é necessária a união para que o produto seja vendido em grande quantidade. O comércio fracionado do vinho acaba perdendo força e enfraquecendo exatamente as cantinas rurais. “Eu não vejo alternativa. Lógico que eles podem fazer outras parcerias ou associações, mas ainda existe a possibilidade de formar uma cooperativa e trabalhar de forma cooperativada. É uma alternativa para que eles possam voltar a utilizar suas estruturas de vinícola”, destaca o presidente da Fecovinho.

Dentre as vantagens de uma união de pequenas vinícolas está a padronização do vinho, o que permite que ele seja vendido em grande quantidade. “Será uma série de diretrizes que eles mesmos vão estabelecer, além de uma redução de custos e um poder maior de negociação. Estando em comum e juntos, eles podem, lenta e gradativamente, formar a marca dessa cooperativa, buscar o mercado e agregar valor ao produto; buscar por investimentos de forma mais inteligente e voltado para o futuro”, complementa Dalle Mole.

A confiança e a união são pontos fundamentais na formação de uma cooperativa – é o que o diretor da Nova Aliança chama de “gestão confiança”. “Se você não tem gestão e não tem confiança no seu parceiro é melhor fechar as portas. É preciso ter essa capacidade de trabalhar em sociedade, caso contrário, fica realmente muito difícil”, acredita. Atualmente, a venda do vinho a granel sofre com a baixa do preço, o que poderá mudar nos próximos anos, mas que depende dessa organização para ter benefícios. “Essa futura melhora na rentabilidade vai beneficiar quem estiver mais organizado. Essa é a lógica de unir esforços: gastar menos e procurar ganhar mais”, orienta Dalle Molle.

Um assunto evitado
A formação de uma cooperativa é um assunto que, de certa forma, é evitado pelos agricultores e proprietários de cantinas rurais. Motivo que, segundo Alceu Dalle Molle, é originário da dificuldade de cooperar. “A questão de você trabalhar sempre por conta, de ser dono do seu negócio e mandar nele faz com que essas pessoas tenham uma certa dificuldade em cooperar. Isso porque no momento em que você é sócio daquele negócio você tem um voto e não é o dono exclusivo. Esse é justamente o fator que contribui para que os produtores não sigam por esse caminho”, opina o empresário.

Em uma cooperativa, a gestão e a organização são feitas pelos próprios associados, questão que torna o negócio tranquilo, de acordo com Dalle Molle, que atuou na extinta Aliança (hoje Nova Aliança, resultado da fusão de cinco cooperativas das cidades de Caxias do Sul, Flores da Cunha e Farroupilha). “A única questão é abrir mão de algumas coisas, mas é preciso pensar: será que é melhor perder os anéis e ficar com os dedos ou é melhor perder a mão com os anéis e tudo? Talvez não se tenha chegado a esse ponto ainda, mas certamente para as pequenas vinícolas fica a orientação: ou elas se unem ou quebram. É implacável”, acredita o presidente do Conselho Deliberativo do Ibravin.

O futuro das cantinas rurais é incerto. Entidades e representantes do setor buscam na informação a tentativa de disseminar as vantagens das cooperativas. “Você só ajuda alguém que quer ser ajudado. O modelo cooperativista não é difícil, mas é necessária a pré-disposição de querer ser ajudado e querer fazer. O processo e o modelo é deles e eles devem fazer, eles são os donos do negócio. Existe a possibilidade e a oportunidade, é necessário esquecer essas questões egoístas e trabalhar o coletivo”, sustenta Dalle Molle.

Unir para crescer e sobreviver
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Flores da Cunha e Nova Pádua, Olir Schiavenin, a tendência na diminuição de cantinas rurais é um aspecto negativo não só para os produtores, mas principalmente para o setor vinícola. “Quanto mais se concentra a compra e industrialização da uva, mais centralizado fica o setor. Mais empresas resultam em mais concorrência e, teoricamente, em melhores preços”, sustenta.

A alternativa pregada pelo sindicalista para a sobrevivência das cantinas rurais está na junção dos pequenos empreendedores, além de agregar outros produtos ao negócio. “Diversificar e fazer um trabalho organizado e coletivo; fazer compras e vendas em conjunto; ter uma engarrafadora para um grupo de produtores, por exemplo. São alternativas para acompanhar as mudanças e ter resultados maiores. Se é difícil para uma empresa se manter no mercado, imagine o pequeno empreendimento”, opina Schiavenin.

O STR atua junto aos agricultores na busca por alternativas. Foi realizada uma série de reuniões que mostraram a importância do cooperativismo. “Há alguns anos foi criada uma rede para que o produtor tivesse mais força de sobreviver e de ser competitivo no mercado. Infelizmente não deu certo, mas estamos estudando um novo modelo de organização para conseguir esse apoio para o pequeno produtor”, adianta o líder do Sindicato.

Nos encontros foram realizadas palestras com corretores, com representantes do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), da Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho) e de representantes da Bolsa Brasileira de Mercadorias. “Fizemos levantamentos, reuniões com enólogos, definimos padrões, e na hora de fazermos um cadastro de agricultores a surpresa foi que somente cinco ou seis aderiram. A gente propõe uma mudança, mas também precisamos do retorno”, cobra Schiavenin, lembrando que os trabalhos devem ser retomados após a colheita da safra 2012. “Os compradores querem volume, preço, qualidade e padrão. Sozinhos os pequenos produtores não conseguem tudo isso”, complementa o sindicalista.



 - Camila Baggio
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