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Para recordar o ex-governador, general Flores da Cunha

Inauguração de monumento a José Antônio Flores da Cunha, na tarde de quarta-feira, contou com a presença da governadora Yeda Crusius

O general José Antônio Flores da Cunha, considerado um dos maiores governadores do Rio Grande do Sul, foi homenageado na tarde de quarta-feira, dia 4, com um busto de bronze na Praça da Bandeira. A passagem dos 50 anos da morte do político santanense foi lembrada em dois momentos na quarta: pela manhã, com uma celebração no Palácio Piratini e, à tarde, no município que leva o seu nome – Nova Trento passou a ser denominada Flores da Cunha em 1935, na administração do então prefeito Heitor Curra (Leia mais na página 7). Na solenidade, a governadora Yeda Crusius (PSDB) comparou-se ao político santanense, lembrando que, em 1930, ele “havia assumido um Estado falido”, ao ser nomeado pelo presidente Getúlio Vargas. “Tenho a mesma intensidade de vida do Flores da Cunha”, afirmou, referindo-se ao caixa do Estado quando foi empossada, em janeiro de 2007. Antes de comparar-se ao general, que não teve formação militar, Yeda acompanhou os discursos do folclorista João Carlos D’Ávila Paixão Côrtes, do bisneto do homenageado, Carlos Alfredo Flores da Cunha, e do prefeito florense, Ernani Heberle (PDT). “Poucas pessoas têm a honra de participar de uma solenidade como essa. Minha intimidade com o ‘Velho Flores’, como era chamado na casa dos meus pais, não está em nenhum livro, mas sim no meu coração”, emocionou-se Paixão Côrtes. No Piratini, ele entoou O Caudilho, canção de Antonio Fagundes e Airton Pimentel, gravada pelo folclorista em 1970. O bisneto do homenageado, que há anos reside no Rio de Janeiro, frisou que a vida do general foi o Rio Grande do Sul. “Trago os agradecimentos de toda a família. E faço um pedido: que não só o Flores da Cunha seja lembrado, mas sim todos os gaúchos que deixaram a sua marca na história”, frisou Carlos Alfredo. O prefeito, por sua vez, teceu elogios ao político e à governadora – esta pelo “trabalho desenvolvido junto às finanças do Estado”. Heberle observou que, como Yeda, os prefeitos devem cuidar das contas públicas. “Faço um elogio público sem qualquer constrangimento.” Além disso, ele destacou o pedido feito pelo vereador Moacir Ascari (PMDB) à governadora, em 2008, para que o acervo documental e um monumento ao general fosse repassado ao município – na segunda semana de outubro deste ano o parlamentar reforçou o pedido encaminhando nova solicitação ao Piratini. A vinda do busto, portanto, foi uma iniciativa conjunta do governo do Estado, Prefeitura e Câmara de Vereadores. Resgate histórico Yeda falou sobre a vida do político que morreu aos 79 anos em 4 de novembro de 1959 com entusiasmo. Fez um resumo e citou ações encaminhadas por ela à frente do governo, como a proposta de criar a Ferrosul, ferrovia para ligar o Norte ao Sul do país. “O Flores da Cunha inaugurou ferrovias. Nós, governadores do Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (Codesul) – Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul –, pleiteamos a obra junto ao Governo Federal”, disse. Yeda elogiou o prefeito de Caxias do Sul, José Ivo Sartori (PMDB), presente na solenidade que, em 1998, quando presidente da Assembleia, solicitou que a história da vida de José Antônio Flores da Cunha fosse resgatada e documentada – na época, o trabalho foi feito pelo pesquisador Quinter Paxt. A cerimônia contou também com a participação da banda da Escola São José, que recepcionou a governadora. Presidente da Câmara formalizou pedidos O presidente da Câmara de Vereadores de Flores da Cunha, Felipe Salvador (PP), entregou à governadora Yeda Crusius (PSDB), pouco antes de ela entrar no carro oficial que a levou até o Aeroporto Regional Hugo Cantergiani, em Caxias do Sul, uma carta com reivindicações. A pauta do documento foi elaborada em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Flores da Cunha e Nova Pádua (STR). Entre os pedidos estão a conclusão da reformulação do trevo no cruzamento da RS-122 com a RSC-453 (Rota do Sol), em Caxias; o asfaltamento da via conhecida como estrada velha, que liga a localidade de São Cristóvão, em Flores, à Zona Norte de Caxias; a reforma da VRS-314, entre Flores e Nova Pádua; apoio ao pedido de readequação do Código Florestal à realidade da Serra (segundo o presidente do STR, Olir Schiavenin, da forma que se encontra a norma praticamente inviabiliza economicamente a pequena propriedade); e pleitos do setor vitivinícola (diminuição da carga tributária sobre o vinho gaúcho, aplicação do selo de controle dos vinhos nacionais e importados e combate ao contrabando da bebida).

Afinal, quem foi Flores da Cunha

O último caudilho gaúcho? Um administrador exemplar? Uma vida dedicada a carteado e corridas de cavalo? Um aliado ou um oposicionista de Getúlio Vargas? Afinal, quem foi o general Flores da Cunha. José Antônio Flores da Cunha nasceu em 5 de março de 1880, em Santana do Livramento, onde ajudava o pai nas lides campeiras. Estudou em São Paulo e bacharelou-se em Direito em 1902. Depois de formado, atuou como delegado no Rio de Janeiro. Em 1905, voltou a Santana do Livramento para exercer a advocacia, destacando-se pela oratória e eloquência. Nessa época, casou-se com Irene Guerra e teve quatro filhos: Antônio, José Luis, Marco Aurélio e José Bonifácio. Na vida pessoal, escreveu o jornalista Lauro Schirmer em Flores da Cunha, de Corpo Inteiro, era apaixonado por carteado, corridas de cavalo e "mulheres ligeiras".

No ano de 1909, filiou-se ao Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e iniciou carreira política como deputado estadual. Três anos depois, mesmo sem conhecer o Ceará, elegeu-se deputado federal daquele estado. Voltou ao Rio Grande do Sul em 1917, onde foi nomeado intendente de Uruguaiana. Dois anos depois foi eleito prefeito de Uruguaiana com expressiva votação. De 1924 a 1926, foi novamente eleito deputado federal. Durante as revoluções de 1923 e 1930 destacou-se como chefe militar no comando das forças partidárias do governo de Borges de Medeiros (os Borgistas) contra as tropas de Joaquim Francisco de Assis Brasil (os Assisistas). Foi reeleito deputado federal em 1927, mas renunciou no ano seguinte para assumir o senado. A sua ativa participação na Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas a presidência do país, foi recompensada. Em 28 de novembro de 1930 foi nomeado interventor federal do Rio Grande do Sul. Ocupou o cargo até abril de 1935, quando elegeu-se governador do Rio Grande do Sul. Ajudou a fundar o Partido Republicano Liberal (PRL) e permaneceu leal a Getúlio Vargas durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Como governador do estado restabeleceu as finanças e a pacificação política e desenvolveu projetos, como a criação do Instituto de Carnes e Concessão de subsídios aos ruralistas; do Instituto do Vinho; do Instituto do Mate; do Diário Oficial. No setor de transportes, implantou o Daer e construiu estradas em mais de 30 municípios, entre elas a rodovia entre Caxias do Sul e Nova Trento. Seu governo também destacou-se na educação: nomeou mais de mil professores e construiu 37 grupos escolares estaduais. Um desses era o Grupo Escolar Otávio Rocha, a atual Escola Municipal Francisco Zilli. Além disso, em pesquisa realizada sobre a história da educação no Município, foi encontrada a denominação de Flores da Cunha a uma aula noturna que existia na Vila. "Era a Aula Noturna General Flores da Cunha, nº 21, que atendia adultos, com a finalidade de combater o analfabetismo e foi inaugurada em 1934", explica a historiadora Gissely Lovatto Vailatti.

Exílio O período como governador estenderia-se até 1939, porém pela resistência ao Golpe de Estado projetado por Getúlio Vargas, em 17 de outubro de 1937 Flores da Cunha renunciou ao governo do Rio Grande do Sul. “O confronto entre Flores da Cunha e Getúlio Vargas não foi choque entre o bem e o mal, entre a democracia e a ditadura. Para além das idiossincrasias pessoais, os dois políticos republicanos e positivistas sulinos eram um a cara do outro, farinhas do mesmo saco. No frigir dos ovos, desempenharam, de certo modo, o mesmo papel, um no Rio Grande, o outro no coração do Brasil. O choque de fins de 1937 deveu-se ao fato já sabido de que dois bicudos jamais se beijam”, escreveu Schirmer. Rompido com Vargas foi forçado a deixar o país. Exilou-se no Uruguai e só voltou ao Brasil em 1942, quando cumpriu pena de nove meses na Ilha Grande (RJ). Em 1945, participou da fundação da UDN e elegeu-se deputado constituinte. Durante as eleições para sucessão de Vargas fez campanha para o brigadeiro Eduardo Gomes. Assumiu a presidência da Câmara dos Deputados em 1955, mas acabou rompendo com a UDN e renunciando a presidência da Câmara. Elegeu-se, em 1958, aos 78 anos, deputado federal pelo PTB, mas morreu antes do fim do mandato. Faleceu em 4 de novembro de 1959, sendo sepultado em Santana do Livramento.

E o que o general tem a ver com Flores?

Em 21 de dezembro de 1935, o prefeito Heitor Curra decretou a lei municipal nº 12, que substituiu o nome do município de Nova Trento para Flores da Cunha. Era uma homenagem ao general-governador do Estado. Entretanto, o caudilho gaúcho nunca havia pisado em solo florense, nem mesmo em épocas de campanhas eleitorais – o general nunca chegou a visitar o Município, nem após a homenagem. Então, por que trocar de nome? A história conta que tudo começou por causa da promessa da vinda de um trem. Transcorria o ano de 1931 e o Brasil fervilhava com os movimentos revolucionários. O então 3º intendente de Nova Trento, Adalberto Pio Souto, conhecedor das ideias de empreendedorismo ferroviário e rodoviário do interventor federal Flores da Cunha, aproveitou os laços de companheirismo político e começou a sonhar com a construção do ramal férreo Caxias do Sul - Nova Trento. Correspondências expedidas e recebidas, que estão resguardadas no Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi, constam essas primeiras tramitações para a realização da obra. Porém, foi em 1933, durante as eleições a deputados da Assembleia Constituinte, que a história começou a se desenrolar. Em Nova Trento, o partido Republicano Liberal do general Flores da Cunha e do prefeito Heitor Curra era majoritário, mas havia um partido de oposição (Frente Única), liderado por Pedro Soldatelli, que ganhava força no município. Foi então que o prefeito Curra lançou mão de uma estratégia para fazer frente ao movimento oposicionista e continuar com seu prestígio junto às autoridades: retomou a iniciativa de Adalberto Pio Souto para a construção do ramal férreo e se comprometeu em pleitear junto ao governo do estado a vinda do trem. Após as eleições - com o vencimento do Partido Republicano em Nova Trento - Heitor Curra foi a Porto Alegre para dar continuidade aos trâmites para a construção da estrada de ferro, a fim de solicitar a vinda de uma equipe da Secretaria de Obras Públicas. O Estado atendeu a solicitação e designou engenheiros, topógrafos e desenhistas para visitar o município. "O traçado ferroviário foi exposto ao público, o que reforçou a esperança e quase a certeza da população que acreditava que esta obra realmente pudesse se tornar realidade", destacou Fátima Caldart Galiotto, no livro De Nova Trento a Flores da Cunha. Conforme escreveu Claudino Antonio Boscatto em Memórias de um Neto de Imigrantes Italianos, o general Flores da Cunha nunca prometeu nada aos nova-trentinos em relação a ferrovia, apesar de ser um grande incetivador das estradas de ferro. Ele apenas atendeu a solicitação de enviar profissionais qualificados para fazer o estudo da obra, já que isso não acarretaria gasto nenhum para o estado. "Infelizmente o sonho do trem não se tornou realidade e foi motivo de gozação dos caxienses", frisou Fátima. Depois da frustração com a promessa não realizada, os dirigentes do Partido Republicano não tinham argumentos para manter o povo unido em torno dos ideais políticos. "Desgastado, o prefeito Heitor Curra temia perder o cargo e precisava reconquistar a confiança e o prestígio junto ao general Flores da Cunha. E foi com esse intuito, sem consultar a população e desrespeitando a toponimia original da vila, que promoveu a mudança do nome", escreveu Boscatto. A troca do nome De uma forma geral, a população nunca aceitou a troca de nome, mas também não organizou nenhuma manifestação. Após a 2ª Guerra Mundial, as cidades tiveram a oportunidade de retornarem seus nomes antigos, sendo que tentativas de recolocar o nome de Nova Trento foram feitas. Porém, por diversos motivos, nenhuma delas foi levada adiante. Para a historiadora Gissely Lovatto Vailatti, o prefeito Heitor Curra nutria uma grande simpatia pelo general e pelo espírito visionário que possuía. "Talvez por ser dono dessa personalidade tenha conquistado o apreço do prefeito, que o homenageou tantas vezes quantas lhe foram possíveis, inclusive denominando uma escola e uma cooperativa, criadas em seu governo, com o nome do general. Algumas cooperativas possuíam um quadro com a foto do Governador, mesmo que alguns associados não o vissem com bons olhos. Creio que esta aversão não tenha se disseminado por causas particulares, mas de uma forma especial relacionada a mudança do nome do município", aponta. Ainda segundo ela, Curra fez tudo o que estava a seu alcance, usando de toda a influência que lhe garantia o cargo e as amizades que possuía para conseguir a vinda do trem, já que este facilitaria o transporte e desenvolveria economicamente o município. "Há uma infinidade de correspondências, onde fica bem claro o quanto Curra lutou pelo trem. Ocorre que nas últimas tratativas o Flores da Cunha já não estava tão estável no seu posto de governador, e a sua saída interrompeu o processo”, finaliza Gissely. Os artigos do Decreto nº 12, de 21 de dezembro de 1935 Art. 1º - Fica substituído por General Flores da Cunha o nome do atual Município de Nova Trento; Art. 2º - Comunique-se incontinente o presente decreto ao Exmo. Sr. Governador do Estado e as seus DD secretários; Art. 3º - Baixa-se uma circular comunicando o presente decreto a todas as repartições públicas do Estado, ao Governo Federal e Ministérios; Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.
Governadora, prefeito e bisneto do político apresentaram oficialmente o busto, feito em bronze. - Na Hora / Antonio Coloda
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