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O sorriso de uma centenária

Armelinda Bortolotto Pradella comemorou seu aniversário de 100 anos e aposta no desejo de Deus para viver mais alguns anos

Há 100 anos, o Brasil enfrentava problemas com a educação, que era privilégio da elite; com a saúde, epidemias grassavam e causavam pânico; e o país começava 1918 com a expectativa de eleições presidenciais – melhor: não o Brasil como um todo, mas aquela pequena parcela de homens maiores de 21 anos e alfabetizados. O ano também marcou o fim da 1ª Guerra Mundial e Flores da Cunha ainda era uma colônia de Caxias do Sul. É o mesmo ano de nascimento de Armelinda Bortolotto Pradella que, no dia 25 de março comemorou o centenário ao lado de familiares e amigos no bairro Lagoa Bela.

Sorriso fácil, olhar sereno e, apesar das pequenas confusões na memória, um gosto ímpar por conversar e contar histórias – sempre naquela incomparável mistura entre o talian e o português, típica dos idosos da região. Armelinda, natural de Guaporé, é a dona desses atributos. Chega aos 100 anos de idade tomando dois remedinhos, para pressão e labirintite, e orgulha-se em ainda realizar pequenos afazeres domésticos a auxiliar na cozinha com alguns mistiereti (coisinhas). “Já fiz minha parte. Ia trabalhar na colônia em serviços pesados e com filhos na barriga. Uma vez as coisas não eram como hoje, o trabalho era pesado, tudo no braço, sem máquinas, era tudo muito sofrido. Hoje é mais cômodo. Ia para a colônia com os filhos pequenos dentro de uma cesta e procurava a sombra das árvores para deixá-los ou então levava um guarda-chuva”, recorda.

Filha de marceneiros, Armelinda visitou Flores da Cunha em uma das viagens de trabalho do pai. Foi aqui que ela conheceu Ângelo Pradella, com quem se casou aos 22 anos de idade. O jovem casal fixou residência na Lagoa Bela onde trabalhou e criou os 10 filhos: Antonieta, Santo, Alice, Luiz, Helena, Aguida, Miguel, Olivo, Erli e Paulo. Com uma vida sempre de muito trabalho, dona Armelinda ficou viúva aos 56 anos e, com a ajuda dos filhos e a fé sempre presente, continuou sua caminhada no trabalho e na vida. Hoje sua família é ainda maior, são 20 netos, dois deles em memória, e 16 bisnetos.

Nos últimos anos ela perdeu a conta da idade, muito em decorrência do Alzheimer que ofusca algumas das suas memórias mais recentes, mas o dia do seu aniversário lembra bem, assim como ainda se sente jovem e sabe que i ani i passa e la morte la vien (os anos passam e a morte vem). “Quem decide nossa hora é aquele lá de cima. Se o Senhor me deixar, vivo por mais alguns anos, basta que seja feita a vontade dele”, confessa Armelinda, que dedicou a vida à agricultura e, apesar de não ter tido a chance de estudar, aprendeu a ler e escrever com as filhas.

Dona de um bom humor em evidência, dona Armelinda gosta de conversar e adora brincar com os bisnetos que a visitam em Lagoa Bela, onde mora com o filho Luiz, a nora Inês, as netas Stella e Daniela, e o bisneto Luan. Sobre os anos que passaram, ela faz uma aposta: “Os antigos cresciam com mais saúde do que os jovens de hoje. Quantas pessoas novas morrem em acidentes e coisas assim. Uma pena”, lamenta aquela que tem a oportunidade que poucos tem, de ver 100 anos de vida.

Neste domingo o aniversário de dona Armelinda incluirá missa às 11h e almoço para familiares e amigos. “Desde os 90 anos dela iniciamos com as comemorações do aniversário todos os anos. A cada data o padre brincava que queríamos comemorar os 100 anos. Neste ano estamos tendo essa alegria”, conta a neta Stella.

Centenários em decréscimo

Atingir os 100 anos ou mais, como a florense Armelinda Bortolotto Pradella, é para poucos. No Brasil isso é considerado uma tarefa heroica. Se por um lado o país se tornou mais longevo e com uma expectativa de vida maior, por outro houve um decréscimo de 1,4% na população de centenários na última década. Em Flores, conforme o Censo de 2000, havia quatro pessoas com 100 anos ou mais no município; no Censo seguinte, realizado em 2010, não há ninguém registrado. Nos números de 2015, existem sete pessoas no município com idade entre 95 a 99 anos.

Num estudo realizado pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUCRS, a ausência de centenários pode ser um reflexo da saúde dos idosos brasileiros. O estudo apontou que a maioria dos idosos apresentava doenças como hipertensão arterial, obesidade, câncer, artrite e doenças cardiovasculares. Num período de 10 anos, a incapacidade por doenças cresceu 78,5% entre os homens e 39,2% entre as mulheres. A pesquisa revela que se houve aumento de dois anos na expectativa de vida dos brasileiros, é preciso considerar também que houve uma perda de até três anos de vida saudável. “Se as doenças mais comuns entre os idosos, como diabetes e hipertensão, fossem controladas, os homens ganhariam até seis anos de expectativa de vida sem incapacidade. O que se vê é a crença de que a pessoa está velha e por isso não necessitaria fazer determinado tratamento ou cirurgia”, descreve o estudo. A pesquisa também aponta que o fator genético para se tornar um centenário também é determinante, mas não se “chegou a uma conclusão de quanto isto realmente interfere na longevidade. Os resultados são discrepantes. A maioria diz que o componente ambiental impacta mais que o genético. Em termos de doenças como câncer, diabetes e cardiovasculares, o ambiente prevalece e pode inclusive ativar genes ligados à doença”.

População está mais velha

O povo brasileiro está envelhecendo em ritmo acelerado. De acordo com uma publicação divulgada em 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa vai triplicar em 40 anos no país e passará de 19,6 milhões, em 2010, para 66,5 milhões de pessoas em 2050. As estimativas são de que a virada no perfil da população ocorra em 2030, quando o número absoluto e o percentual de brasileiros com 60 anos ou mais de idade vão ultrapassar o de crianças de até 14 anos.

Esse crescimento não é diferente em Flores da Cunha. De acordo com os últimos números do próprio IBGE e da Fundação de Economia e Estatística (FEE-RS), os florenses com mais de 60 anos somam os 4.474 habitantes, ou seja, 15% da população. Os dados são de 2016 e revelam que nos últimos cinco anos a população idosa aumentou em 23% no município – saltou de 3.635 em 2011 para 4.474 pessoas em 2016.

O Rio Grande do Sul está na frente do Brasil como um todo quanto ao índice de envelhecimento. Em 2000, para cada 100 pessoas menores de 15 anos de idade, havia 19 pessoas de 60 anos ou mais no Brasil; e 27 no Rio Grande do Sul. Em 2030, a estimativa é de 76 pessoas acima de 60 anos a cada 100 jovens no Brasil e 118 em solo gaúcho – mais idosos do que jovens.

 

Exemplo de longevidade, dona Armelinda Bortolotto Pradella comemora seus 100 anos orgulhando-se da trajetória de trabalho. - Camila Baggio/OF
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