A grande vindima que marcou época
Safra emblemática de 2005 comprovou a qualidade dos vinhos brasileiros e revelou uma colheita longeva
Há 10 anos os vitivinicultores da Serra Gaúcha tiveram muito a comemorar. Como as safras de 1991 e 1999 eles tinham uma vindima histórica. Choveu bem menos que o habitual no período de maturação e colheita, que ocorre entre dezembro e março, e que define a qualidade dos frutos e, consequentemente, da bebida. Isso garantiu uma colheita realmente boa, não apenas para as castas precoces, como Chardonnay e Pinot Noir, mas também para a tardia Cabernet Sauvignon. “As condições meteorológicas da vindima de 2005 foram excepcionais para as uvas precoces e intermediárias e muito boas para as tardias”, confirma o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Francisco Mandelli, em um artigo sobre o comportamento meteorológico e sua influência na Vindima 2005 na Serra Gaúcha.
Ainda de acordo com a publicação, a colheita daquele ano foi beneficiada em todos os seus estágios. Do repouso vegetativo da videira, com as horas necessárias de frio, passando pela brotação com as boas condições climáticas e culminando na colheita, com grandes períodos de estiagem. “Além da maior quantidade de horas de brilho solar, menor precipitação pluviométrica e menor número de dias de chuva, o subperíodo de maturação da safra se caracterizou pela sanidade das uvas e pela estiagem. As condições climáticas permitiram o prolongamento da maturação das uvas o que possibilitou às bagas sintetizar e acumular mais açúcares, pigmentos, taninos, substâncias aromáticas e seus precursores”, escreveu o pesquisador. Em outras palavras, uma composição ideal para vinhos de qualidade.
Uma safra com essas mesmas condições meteorológicas só havia sido registrada na década de 1940 e não voltou a se repetir. No Estado foram colhidos 70,6 milhões de quilos de uvas viníferas e 422,6 milhões de quilos de americanas/híbridas. Em vinhos, foram elaborados 45,5 milhões de litros de finos e 226,8 milhões de litros de vinhos comuns. “Em 2005, a produção de uvas foi 2,89% inferior ao ano anterior, mas essa redução da quantidade não representou a redução do agronegócio, pois a qualidade da safra gaúcha foi excepcional, resultando na produção de vinhos de alta qualidade”, escreveu a pesquisadora da Embrapa Uva e Vinho Loiva Maria Ribeiro de Mello, em Produção e Comercialização de Uvas e Vinhos.
Mas o clima não foi o único responsável pela colheita ter sido apontada como histórica. Afinal, as safras de 1991 e 1999 também foram consideradas emblemáticas. Na primeira, as condições meteorológicas foram ímpares para os vinhos, e na segunda começou a se firmar no mercado uma geração de produtores nacionais comprometidos com a busca da qualidade e dispostos a investir no manejo dos vinhedos e em instalações modernas. Só que diferente dessas duas safras, em 2005 o cenário havia mudado e reuniu alguns fatores importantes. Além do clima, a safra daquele ano era da multiplicidade. A produção de uvas e vinhos não estava mais restrita à Serra Gaúcha – havia surgido outras regiões vinícolas no Estado e fora dele. A Campanha, a Serra do Sudeste, os Campos de Cima da Serra já mostravam o seu potencial. Houve ainda uma expansão nas variedades cultivadas. Se em 1991 o plantio das Vitis viniferas se resumia basicamente à variedade Cabernet Sauvignon e um pouco da Merlot, em 2005 o plantio de outras castas havia se proliferado. Apareciam nos gráficos as variedades Tannat, Pinot Noir, Cabernet Franc, Chardonnay e Riesling Itálico.
De acordo com o Cadastro Vitícola, em 1995 a Cabernet Sauvignon tinha uma área plantada de 130 hectares e a Merlot de 111 hectares, enquanto que 10 anos depois a Cabernet ultrapassava os 1,75 mil hectares e a Merlot os mil hectares. “Nos últimos 25 anos pode-se dizer que tivemos três safras históricas: a de 1991 foi espetacular, mas existiam poucos vinhos varietais; a de 1999 teve uma expressiva qualidade na fruta que chegou nas vinícolas; mas em 2005 uniu-se a qualidade do manejo e a variedade das castas. Se 1991 e 1999 foram safras nota 9, a de 2005 foi nota 10 porque realmente foi excepcional. E depois dela não tivemos mais safras desse nível”, pontua o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Celito Crivellaro Guerra.
Qualidade e longevidade também nas gôndolas
Outro fator de destaque em 2005 foi a qualidade dos vinhos. Como o tempo era seco e quente, as uvas da safra permaneceram muito tempo nas videiras. Devido a isso, a fruta desidratou e concentrou uma série de fatores, como acidez, grau de açúcar, taninos e matérias corantes. Como resultado surgiram vinhos muito encorpados, alcoólicos e longevos. “Os vinhos da Serra Gaúcha daquele ano não pareciam com os vinhos normais da Serra Gaúcha, mas sim com vinhos de regiões secas. O que aconteceu foi que os viticultores puderam colher a uva muito madura e sã e isso ocasionou uma altíssima qualidade para todos os vinhos, principalmente nos tintos”, afirma o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Celito Crivellaro Guerra.
Essa série de condições gerou ainda outro fator produtivo para os vinicultores: a longevidade da bebida nacional. Se em outras safras um vinho podia durar, no máximo, três anos, a safra 2005 garantiu o dobro disso. E o que muitas vinícolas fizeram foi aproveitar ao máximo a colheita excepcional realizando cortes para melhorar as safras subsequentes. Por causa disso muitos dizem que essa safra nunca acabou de fato.
O enólogo Clóvis Boscato, da Boscato Vinhos Finos, em Nova Pádua, colhe agora os frutos daquela safra. Dez anos depois ele colocou no mercado as 6 mil garrafas do vinho Anima Vitis, um assemblage de Cabernet Sauvignon, Merlot, Ancellotta, Refosco e Alicante Bouschet colhidos em 2005 e que permaneceram 13 meses em barricas de carvalho. “Foi uma safra que despertou a curiosidade de muitas pessoas que gostam de vinhos. Para a Boscato foi muito importante porque tivemos uma intensa procura pelas linhas Cabernet e Merlot daquele ano e agora comercializamos a linha Anima Vitis, que está muito qualificada e no auge do seu envelhecimento”, comenta Boscato.
O Anima Vitis recebeu medalha Gran Ouro em Bruxelas (Bélgica) e até então só havia sido vinificado em 2005 – a linha se repete em 2015. Para Boscato, o grande fator foi a qualidade. “Essa última safra para nós foi muito semelhante com a de 2005 e estamos com grandes produtos, tanto que conseguimos repetir o Anima Vitis, que em safras anteriores não tínhamos feito porque não tínhamos atingido o padrão desejado”, diz.
A safra 2005 também definiu a história de algumas vinícolas bem-sucedidas de Flores da Cunha. A Luiz Argenta Vinhos Finos ilustra esse cenário. Apesar de ainda não ter a vinícola construída naquele ano, os bons vinhos elaborados deram incentivo à edificação do prédio e a continuação dos negócios. “Foi uma safra com uvas excepcionais e com um clima difícil de ocorrer novamente e que resultou em vinhos que até hoje temos na vinícola e que foram degustados e receberam boa repercussão”, afirma o diretor da empresa, Deunir Argenta. Daquela colheita a Luiz Argenta ainda resguarda algumas garrafas de Cabernet Sauvignon e de um cuvée de Merlot e Cabernet. O Merlot lançado naquele ano ficou na lembrança apenas. “Infelizmente são vinhos que estão terminando”, cita Argenta.
Ainda de acordo com a publicação, a colheita daquele ano foi beneficiada em todos os seus estágios. Do repouso vegetativo da videira, com as horas necessárias de frio, passando pela brotação com as boas condições climáticas e culminando na colheita, com grandes períodos de estiagem. “Além da maior quantidade de horas de brilho solar, menor precipitação pluviométrica e menor número de dias de chuva, o subperíodo de maturação da safra se caracterizou pela sanidade das uvas e pela estiagem. As condições climáticas permitiram o prolongamento da maturação das uvas o que possibilitou às bagas sintetizar e acumular mais açúcares, pigmentos, taninos, substâncias aromáticas e seus precursores”, escreveu o pesquisador. Em outras palavras, uma composição ideal para vinhos de qualidade.
Uma safra com essas mesmas condições meteorológicas só havia sido registrada na década de 1940 e não voltou a se repetir. No Estado foram colhidos 70,6 milhões de quilos de uvas viníferas e 422,6 milhões de quilos de americanas/híbridas. Em vinhos, foram elaborados 45,5 milhões de litros de finos e 226,8 milhões de litros de vinhos comuns. “Em 2005, a produção de uvas foi 2,89% inferior ao ano anterior, mas essa redução da quantidade não representou a redução do agronegócio, pois a qualidade da safra gaúcha foi excepcional, resultando na produção de vinhos de alta qualidade”, escreveu a pesquisadora da Embrapa Uva e Vinho Loiva Maria Ribeiro de Mello, em Produção e Comercialização de Uvas e Vinhos.
Mas o clima não foi o único responsável pela colheita ter sido apontada como histórica. Afinal, as safras de 1991 e 1999 também foram consideradas emblemáticas. Na primeira, as condições meteorológicas foram ímpares para os vinhos, e na segunda começou a se firmar no mercado uma geração de produtores nacionais comprometidos com a busca da qualidade e dispostos a investir no manejo dos vinhedos e em instalações modernas. Só que diferente dessas duas safras, em 2005 o cenário havia mudado e reuniu alguns fatores importantes. Além do clima, a safra daquele ano era da multiplicidade. A produção de uvas e vinhos não estava mais restrita à Serra Gaúcha – havia surgido outras regiões vinícolas no Estado e fora dele. A Campanha, a Serra do Sudeste, os Campos de Cima da Serra já mostravam o seu potencial. Houve ainda uma expansão nas variedades cultivadas. Se em 1991 o plantio das Vitis viniferas se resumia basicamente à variedade Cabernet Sauvignon e um pouco da Merlot, em 2005 o plantio de outras castas havia se proliferado. Apareciam nos gráficos as variedades Tannat, Pinot Noir, Cabernet Franc, Chardonnay e Riesling Itálico.
De acordo com o Cadastro Vitícola, em 1995 a Cabernet Sauvignon tinha uma área plantada de 130 hectares e a Merlot de 111 hectares, enquanto que 10 anos depois a Cabernet ultrapassava os 1,75 mil hectares e a Merlot os mil hectares. “Nos últimos 25 anos pode-se dizer que tivemos três safras históricas: a de 1991 foi espetacular, mas existiam poucos vinhos varietais; a de 1999 teve uma expressiva qualidade na fruta que chegou nas vinícolas; mas em 2005 uniu-se a qualidade do manejo e a variedade das castas. Se 1991 e 1999 foram safras nota 9, a de 2005 foi nota 10 porque realmente foi excepcional. E depois dela não tivemos mais safras desse nível”, pontua o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Celito Crivellaro Guerra.
Qualidade e longevidade também nas gôndolas
Outro fator de destaque em 2005 foi a qualidade dos vinhos. Como o tempo era seco e quente, as uvas da safra permaneceram muito tempo nas videiras. Devido a isso, a fruta desidratou e concentrou uma série de fatores, como acidez, grau de açúcar, taninos e matérias corantes. Como resultado surgiram vinhos muito encorpados, alcoólicos e longevos. “Os vinhos da Serra Gaúcha daquele ano não pareciam com os vinhos normais da Serra Gaúcha, mas sim com vinhos de regiões secas. O que aconteceu foi que os viticultores puderam colher a uva muito madura e sã e isso ocasionou uma altíssima qualidade para todos os vinhos, principalmente nos tintos”, afirma o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Celito Crivellaro Guerra.
Essa série de condições gerou ainda outro fator produtivo para os vinicultores: a longevidade da bebida nacional. Se em outras safras um vinho podia durar, no máximo, três anos, a safra 2005 garantiu o dobro disso. E o que muitas vinícolas fizeram foi aproveitar ao máximo a colheita excepcional realizando cortes para melhorar as safras subsequentes. Por causa disso muitos dizem que essa safra nunca acabou de fato.
O enólogo Clóvis Boscato, da Boscato Vinhos Finos, em Nova Pádua, colhe agora os frutos daquela safra. Dez anos depois ele colocou no mercado as 6 mil garrafas do vinho Anima Vitis, um assemblage de Cabernet Sauvignon, Merlot, Ancellotta, Refosco e Alicante Bouschet colhidos em 2005 e que permaneceram 13 meses em barricas de carvalho. “Foi uma safra que despertou a curiosidade de muitas pessoas que gostam de vinhos. Para a Boscato foi muito importante porque tivemos uma intensa procura pelas linhas Cabernet e Merlot daquele ano e agora comercializamos a linha Anima Vitis, que está muito qualificada e no auge do seu envelhecimento”, comenta Boscato.
O Anima Vitis recebeu medalha Gran Ouro em Bruxelas (Bélgica) e até então só havia sido vinificado em 2005 – a linha se repete em 2015. Para Boscato, o grande fator foi a qualidade. “Essa última safra para nós foi muito semelhante com a de 2005 e estamos com grandes produtos, tanto que conseguimos repetir o Anima Vitis, que em safras anteriores não tínhamos feito porque não tínhamos atingido o padrão desejado”, diz.
A safra 2005 também definiu a história de algumas vinícolas bem-sucedidas de Flores da Cunha. A Luiz Argenta Vinhos Finos ilustra esse cenário. Apesar de ainda não ter a vinícola construída naquele ano, os bons vinhos elaborados deram incentivo à edificação do prédio e a continuação dos negócios. “Foi uma safra com uvas excepcionais e com um clima difícil de ocorrer novamente e que resultou em vinhos que até hoje temos na vinícola e que foram degustados e receberam boa repercussão”, afirma o diretor da empresa, Deunir Argenta. Daquela colheita a Luiz Argenta ainda resguarda algumas garrafas de Cabernet Sauvignon e de um cuvée de Merlot e Cabernet. O Merlot lançado naquele ano ficou na lembrança apenas. “Infelizmente são vinhos que estão terminando”, cita Argenta.
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