Saúde

Depoimento Covid-19: Jásser Panizzon

“Você que nunca teve uma falta de ar, nunca vai saber o que é a sensação de não conseguir respirar”

“Depois de mais de 33 anos de vida, e por mais que talvez pareçam poucos anos diante da experiência de tantos de vocês que talvez tenham vivido até mais do que eu, eu sei que hoje eu posso afirmar que eu não só vivi mas continuo vivendo os dias mais desafiadores da minha existência até aqui. Desde a metade do mês de fevereiro (e Meu Deus, já faz quase um mês!), eu vi, ouvi, senti coisas que eu seguramente jamais vou esquecer. Não quero falar sobre o mecanismo do coronavírus, sobre o tratamento, sobre a doença em si, até porque por mais que já tenhamos vivido tudo isso, por mais de um ano, ainda existem muitas dúvidas, incertezas e tudo é muito diferente de pessoa para pessoa. Eu quero falar sobre o que eu passei. O que eu estou passando. O que eu senti e o que estou sentindo. 
Doença nunca foi novidade pra mim. Vivi a minha infância a base de antinflamatórios, remédio pra febre, médicos, consultas. Tive de dor de estômago a otite. De intoxicação alimentar a câncer. De resfriado a Covid. Mas essa Covid... nada, nem o câncer foi tão devastador quanto a Covid. Uma devastação não só física, mas mental, moral, espiritual.
Minha esposa, Eloisa, contraiu, e eu, inevitavelmente, em poucos dias estava com dor de cabeça, dor de garganta, um pouco de tosse. Nada que tivesse me preocupado tanto inicialmente. Fiz o tratamento precoce, mas, aos poucos, as coisas foram tomando um rumo diferente. Falta de ar, apetite sumindo, tontura, esforço, cansaço. Os remédios aumentando. Os sintomas também. Depois de alguns dias “Vai para o hospital”, me disse a médica que me acompanhava. Fui na esperança de fazer uma tomografia, exames de laboratório e quem sabe aliviar aquilo tudo.
Minha primeira consulta, infelizmente foi um desastre. Foi humilhante, eu diria. Recebi um show de moral do médico que me atendeu, criticando a medicação que eu estava tomando e me dizendo que estava tudo bem. Eu o entendo. Talvez ele estava cansado, sobrecarregado. Ou não estava preparado mesmo. Só sei que ouvi, fui pra casa e esperei.
Graças à bondade e a sensibilidade de algumas pessoas eu voltei para o hospital e fizeram alguns exames. Mais medicação e menos ar.
Não deu para esperar. Fui a outro hospital na esperança de talvez fazer um soro porque eu já não comia há dois dias, e tinha muita dificuldade para respirar. Me sentindo muito mal, assim como um amontoado de gente que também buscava atendimento junto comigo, eu vivi uma sensação moral deplorável. Das 13h30min daquela horrorosa tarde, até quase às 20 horas, eu deitei no chão, fizeram meus exames e perderam, erraram minha medicação e se não fosse a intervenção de alguns enfermeiros que foram iluminados no meio daquele caos, eu teria sido mandado para casa novamente.
No dia seguinte, completamente abalado pelo tratamento quase desumano que eu tive em Caxias do Sul (assim como várias outras pessoas que estavam lá), Deus mandou alguns anjos na hora certa e fui acolhido no Hospital Nossa Senhora de Fátima de Flores da Cunha. A minha internação foi um misto de aflição, gratidão, evolução e superação.
Os primeiros dias foram, no mínimo, assustadores. Você que nunca teve uma falta de ar, nunca vai saber o que é a sensação de não conseguir respirar. É horrível. Você entra em pânico. Não há controle. Você pensa que vai morrer. Aliás, você tem a certeza que vai morrer. E que ninguém vai conseguir fazer nada a respeito. Mas, Graças a Deus, como eu já mencionei, existem anjos. A equipe do Hospital Fátima, dos médicos às faxineiras, me ajudaram dia e noite a enfrentar tudo isso. O físico foi se restabelecendo, muito devagar, mas o abalo emocional de ver pessoas que não tiveram a mesma sorte que eu é cruel. Muito cruel. Vi gente sendo entubada. Ouvia as notícias de vizinhos de quarto que não resistiram. E eu pensava em tudo que eu tinha passado, vivido, sentido. E a aflição era grande. É inacreditável a impotência do ser humano frente a um vírus. Ele te destrói. Por dentro e por fora. 
Mas eu repito. Há anjos. Eu vivi o inferno. Mas eu também experimentei o céu.
Experimentei o céu em cada mensagem de carinho que eu recebi através da minha companheira, dos meus familiares, dos meus amigos. Experimentei o céu em cada cuidado que eu recebi durante os dias de aflição. Eu recebi uma plaquinha de uma enfermeira, bati uma foto e a Eloisa postou, onde está escrito ‘EU VENCI A COVID-19’. É mentira. Eu ainda não venci. Eu estou vencendo. Porque a vida, a vida não é um ponto de chegada, um podium. Ela é uma estrada, cheia de desafios e eu estou ainda percorrendo esse, com absoluta certeza de que tudo me tornará mais forte e que esse foi mais um desafio. Rezo por aqueles que estão passando pela mesma aflição que eu. Venceremos.”

Jásser ficou internado no Hospital Fátima com o uso de oxigênio. - Divulgação
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