Saúde

“Seremos a última lembrança da vida deles”

Profissionais da saúde relatam como está sendo atuar na linha de frente da Covid-19

Angústia, medo, tristeza. Palavras que predominam entre os profissionais da saúde que nunca pensaram em passar por este momento e hoje se sentem desafiados diariamente pela Covid-19. O Jornal O Florense ouviu depoimentos de trabalhadores que atuam na linha de frente da Covid-19 para sabermos como eles estão se sentindo nesse momento tão complicado. 

Edineia Picoli
Técnica de Enfermagem
Pronto Socorro Hospital Geral

“Nossas noites estão sendo, nesses últimos tempos, um turbilhão de emoções. Ao mesmo tempo em que estamos com medo, precisamos estar fortes para ajudar a todos que nos procuram. Estamos todos exaustos, pois a demanda de pacientes está muito grande e precisamos dar o máximo de nós para proporcionar o melhor a cada paciente. Por isso, peço encarecidamente que todos respeitem o isolamento e cumpram os requisitos mínimos – usar máscara, lavar as mãos, usar álcool gel – para que possamos conter esse contágio em massa. Assim, logo todos nós vamos poder nos abraçar e estarmos juntos novamente.”
 

Jessica Fiamete
Técnica de Enfermagem 
Hospital Nossa Senhora de Fátima

“Nesse tempo em que sigo a carreira de técnica de enfermagem, a Covid- 19, com certeza, foi uma experiência única. Tudo aconteceu muito rápido e a adaptação foi extremamente necessária. Pacientes completamente instáveis, com isso gerou uma carga emocional grande em questão do cuidar. Você quer dar o máximo de si e muitas vezes pareceu pouco, com isso veio o medo, a angústia, o cansaço, coisas que se tornam noites mal dormidas, a agilidade, a responsabilidade se tornam seu melhor aliado nessa hora, você vê despedidas, vê lágrimas, esperanças que agora já não tem mais. Mas apesar de toda a dificuldade, quando um paciente tem alta, nossas energias se renovam e estamos pronto para a próxima. Para isso, a luta tem sido em equipe e humanização para o bem de todos, porque quem se ama, se cuida e cuida do próximo. Que daqui para frente continuamos essa batalha contra a Covid-19 e, no final de tudo, possamos vencer essa guerra.”

Ivaneide Andreetta
Técnica de Enfermagem
UTI Unimed

“Nós estamos na linha de frente há mais de um ano, com muita dificuldade. Tínhamos dificuldades antes, porque a questão é salvar vidas e salvar vidas não é algo tão simples. Mas trabalho para dar continuidade a muitas histórias, porque cada ser humano tem uma história. Então isso machuca bastante, deixa a gente muito triste e sabemos que ainda existem pessoas que perguntam: “isso existe mesmo?”. O mundo inteiro está assim, não é um país, um estado, e isso nos deixa mais tristes. As pessoas querem sempre achar um culpado, mas não existe um culpado, existe maneiras de minimizar a situação e, mesmo assim, as pessoas não acreditam, não pensam, foi avisado, foi falado, foi implorado, foi dito e agora? Agora o pessoal da linha de frente sofre muito, porque nós também temos histórias fora do hospital e o que dói é ver que as pessoas de fora acham que a gente não tem. Eu quero que as pessoas acreditem que é verdade, não pensem que é política, não pensem que é mentira, acreditem, acreditem e acreditem, porque lá dentro (da UTI) tem muitas histórias para serem construídas e histórias para serem contadas. A Covid não é brincadeira. 
Estou há 25 anos lá dentro e ficou mais difícil com a Covid, porque o familiar não pode comparecer, então isso nos deixa ainda mais carregados, nós temos que fazer o papel da família, da psicóloga, fazer o papel de tudo que tem lá dentro para uma pessoa sobreviver. E eles são pacientes trabalhosos, são pacientes difíceis, é uma doença muito cruel, ela é muito dolorida, ela é muito sozinha, ela é uma doença que precisa muito do profissional de linha de frente. Então além do que nós já trabalhávamos, hoje nós precisamos trabalhar além da doença. Somos o apoio, o consolo, o carinho, porque eles não têm ninguém, eles só têm a nós e mais ninguém”. 

Dra. Georgia Onzi
Hospital Nossa Senhora de Fátima

“Com certeza esse é o momento de maior desafio da minha vida profissional. Além de todas as dificuldades relacionadas ao fato de ser uma doença nova e ter limitações de tratamento, lidamos com a angústia diária dos pacientes em situações críticas. Os momentos que antecedem a intubação são os mais dolorosos. Conseguimos ver o medo e o desespero no olhar de cada um, que na maioria das vezes é um olhar sob uma perspectiva concreta de fim de vida. É triste demais saber que possivelmente seremos a última lembrança da vida deles. Se há algum aprendizado dentro dessa grave crise que estamos vivendo, é que precisamos muito um do outro. O coletivo precisa se sobrepor ao individualismo. Só assim passaremos por essa dificuldade.”

Andréia Ferraz de Moraes Ribas da Silva
Técnica de Enfermagem 
Hospital Nossa Senhora de Fátima

“Diante de toda essa situação que estamos vivendo, eu e todos os meus colegas que trabalham junto, pegamos pacientes com Covid. Sempre enfrentamos com muita garra, valentia, mas agora, diante de tudo que está acontecendo, muito descaso da população, imprudência, nós estamos mais receosos, estamos sempre tomando os devidos cuidados para não se contaminar. Vemos que os casos aumentaram muito nos últimos dias, e nós cuidando de pacientes internados que não conseguem reverter no setor de internação e necessitam ir para um respirador. O quanto é triste ver um paciente lutando para conseguir respirar. Pegamos pacientes totalmente conscientes do que está acontecendo, do que vai acontecer dali para frente com eles, conversando, pedindo informações sobre seus familiares, querendo falar com seus familiares, aqueles olhares aflitos para nós da enfermagem, para os médicos, com medo. É triste de ver, nos esforçamos ao máximo, daí esse paciente vai para um tubo, vai para um respirador e, muitas vezes, ali de uma, duas horas, não resiste e falece. Tentamos reanimar, fazendo todo o possível, e o corpo não corresponde, isso é muito deprimente. Nos sentimos incapazes nessa hora. Os médicos, toda a equipe de enfermagem, está engajada no cuidado dos pacientes, 24 horas em cima, correndo para dar todo o suporte. Para aqueles que estão inconscientes, a gente consegue transmitir uma paz, conversando, explicando tudo o que estamos fazendo. É gratificante quando a gente consegue ver um familiar que vem agradecer ou um paciente que está melhorando. Mas vemos que, por mais que a gente se esforce, está difícil de reverter a situação, então pedimos para que a população tome mais consciência, por mais que um dia tenha menos casos do que outros, precisamos que o povo se cuide, que tome o devido cuidado pra que a gente não venha mais a perder vidas em tudo isso que está acontecendo.”

Fabiane Scopel
Enfermeira
Hospital Nossa Senhora de Fátima

“É um momento de grandes desafios profissionais. É um momento em que nos gera muitas apreensões, muita angústia, muito medo. Cuidamos dos pacientes com a esperança que eles se restabeleçam o mais rápido possível e voltem para as suas casas, com seus familiares. Mas, infelizmente, muitas vezes não é isso que acontece. O paciente já está internado, não evolui bem, já está com suporte de oxigênio por cateter, por máscara, começa a angústia respiratória, saturação começa a cair. O paciente precisa de suporte ventilatório, precisa outras medicações, precisa que a gente esteja centrado nessas diluições dessas medicações, tem que ser tudo muito preciso e, ao mesmo tempo, rápido. É muito triste ver a despedida deles com seus familiares, mesmo nós tendo esperança que seja um "até breve", muitas vezes a gente sabe que não é. Estamos convivendo muito com esse sentimento de angústia, medo, que a gente nunca sabe daqui a um minuto o que vai acontecer. O paciente pode estar estável, pode estar bem, daqui a pouco ele pode não estar mais. Precisamos ter um olhar muito crítico em cima desse paciente para identificar isso muito rápido para podermos agir o quanto antes. Precisamos sempre estar ali, do lado dele, cuidando, deixando ele o mais confortável possível, fazendo tudo o que está ao nosso alcance para que esse paciente se restabeleça.”

Camila Pelin 
Enfermeira
Hospital Nossa Senhora de Fátima

“É uma situação atípica para mim, como enfermeira, para a equipe, para o Hospital. Acredito que ninguém estava preparado para passar por essa situação, é uma sensação de medo, tristeza, ansiedade, insegurança, impotência, pois não sabemos como o paciente vai reagir ao regime de tratamento, a intubação, a sedação. Mas o que nos move diariamente, apesar do esgotamento físico e mental, é que estamos fazendo o nosso melhor, estamos fazendo tudo o que está ao nosso alcance e com a esperança de dias melhores e sempre pedindo a proteção de uma força maior.”
 

 - Gabriela Fiorio
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