O desafio de transportar vidas
Rafaela Menegat e Gabriel Vanelli Ferreira Braga trabalham com o transporte escolar e detalham o dia a dia como motoristas
O interesse pelo volante foi algo que sempre esteve presente na vida da paduense, Rafaela Menegat, de 35 anos. Nascida em uma família onde o pai e os tios ainda atuam no segmento, por meio da Menedal Transportes, com a mãe não foi diferente, há algum tempo ela trabalhava como motorista de micro e, inclusive, foi uma das responsáveis por Rafaela ter feito a carteira para dirigir micros e ônibus.
“O desejo de ser motorista surgiu de uma necessidade, da falta de mão de obra no município, junto com o meu interesse para, porventura, quando faltar algum motorista, estar disponível. Como eu já conhecia todas as linhas, todo o interior, os alunos que vinham, aí eu assumi essa função. Eu fazia a linha escolar, de manhã das 6h15min até umas 7h; de meio dia das 11h30mim até às 13h mais ou menos; e de tarde das 17h até umas 18h; às vezes eu também fazia o universitário de noite, aí eu tinha que ir para Caxias do Sul – período em que ela e o esposo, Gabriel, iam juntos, e se revezavam na direção”, explica Rafaela, revelando que é muito difícil encontrar profissionais por causa dos horários exigidos pelo transporte escolar.
Há cinco anos ela atua como motorista de micro e também administra a empresa que, por ser familiar, reúne apenas oito colaboradores, entre eles Rafaela, seu esposo, seu tio e seu pai. “Agora eu não estou mais dirigindo, apenas na segunda-feira de noite que o bebê (seu filho, de sete meses) já está dormindo e meu esposo cuida, então é mais tranquilo, que é para o pessoal da escola que tem o contraturno”, conta a paduense que, nos últimos meses, tem atuado mais como gerente administrativa.
Antes disso, contudo, ela lembra que não sofreu nenhum tipo de preconceito pelo fato de ser uma motorista mulher, muito pelo contrário, sempre recebeu apoio: “Muitas vezes meu pai confia mais que eu vá do que mandar outra pessoa e parece que muitos alunos também sentem mais confiança quando a motorista é mulher, tem umas meninas que eu lembro que quando elas viam que era eu quem dirigia, parecia que elas ficavam mais tranquilas. Quando é uma mulher que dirige, que dá ordem, me parece que eles respeitam um pouco mais porque a mulher tem mais visão para muitas coisas e, querendo ou não, temos um cuidado diferente, de mãe”, destaca, acrescentando que, além dela, mais uma motorista mulher atua na empresa. “Dirijo micros, mas se me der um ônibus maior para dirigir eu dirijo, não tem problema. A gente tem que se permitir e tentar”, orgulha-se Rafaela de sua profissão.
De acordo com a gerente administrativa, muitas pessoas pensam que dirigir é tranquilo, mas deve-se levar em consideração que dirigir um micro escolar é um trabalho um pouco mais cansativo porque trata-se de um veículo pesado e que precisa manobrar, além disso é necessário parar e abrir as portas. “Também precisamos cumprir horários, algum dia vai estourar um pneu, tem que ligar na escola, explicar que vai atrasar, mas são horários que a gente tem que cumprir, tal horário tem que passar na frente da casa do fulano porque senão ele vai me ligar e perguntar porque o micro está atrasado, e geralmente é o meu celular que toca (risos)”, reforça.
Sobre o desafio diário de transportar pessoas, Rafaela explica que é complicado contratar motoristas e que sempre que isso é necessário, procura conversar acerca da responsabilidade pela vida das 28 crianças dentro do micro, jovens de diferentes idades e tamanhos, desde o pequeninho de 3 anos, que vai na escolinha, até o maior, que está concluindo o Ensino Médio. “Ás vezes o motorista também não consegue dar conta de tudo, aí tem os maiores que dão o suporte para os menores, que ajudam a subir e a descer do ônibus, porque é uma responsabilidade muito grande transportar pessoas, tem que ter um cuidado. A gente carrega pequeninhos que tem síndrome, autismo, e eles precisam de um cuidado especial, mais do que os outros, e os menorzinhos também, eles têm que sentar mais na frente porque senão a gente não vê onde eles estão, e tem mais aquela tensão de cuidar para as crianças não colocarem a cabeça para fora da janela. O motorista está dirigindo então ele precisa ter muita atenção na estrada, eles não conseguem, pelo espelho, controlar todo mundo”, detalha, completando que a empresa possui quatro micros e um ônibus.
Conforme ela, de forma geral, a profissão do motorista não está sendo muito valorizada, especialmente pela questão dos aumentos do Diesel e, claro, existe dificuldade em encontrar profissionais capacitados. “A gente sabe da necessidade do motorista, mas muita gente não respeita, às vezes nem os alunos. Por isso, eu não sei se faltaria incentivos para seguir nessa profissão porque a partir do momento em que temos carteira tem o Sest Senat, que oferece diversos cursos de aperfeiçoamento”, frisa Rafaela, acrescentando que o trabalho vai além de sentar no micro e dirigir, que é importante que o profissional verifique como estão os pneus, combustível, enfim, se precisa realizar alguma manutenção antes de sair pelas ruas. “Tem que ter muito cuidado, principalmente com os pequenos, eles estão ali na frente e qualquer freada eles caem, os maiores até se seguram, mas se acontecer alguma coisa a culpa é sempre do motorista,” reforça Rafaela.
Ponto de vista que é compartilhado por seu esposo, Gabriel Vanelli Ferreira Braga, de 35 anos. O motorista acredita que a maior dificuldade de seu trabalho seja manter as crianças em ordem: “Que eles fiquem sentados e se respeitem, porque é uma responsabilidade, e como a gente usa bastante as estradas do interior, as estradas de chão, tem que ter máxima atenção e não se consegue ficar cuidando o que eles estão fazendo e dirigir, ao mesmo tempo, então eu sempre peço para o pessoal ficar sentado, quietinho, para se comportarem. E em dias de chuva, por exemplo, a atenção tem que ser redobrada”, relata.
Gabriel é motorista há dois anos e, da mesma forma que Rafaela, migrou para a profissão por necessidade, devido à falta de mão de obra: “Antes a gente morava em Flores da Cunha, viemos para cá, decidimos ajudar na empresa e ‘pegamos junto’. Recentemente ela (Rafaela) parou de dirigir por causa do bebê, mas eu continuei”.
Por outro lado, ele também cita os pontos positivos da profissão, como a interação com as crianças e a proximidade com alunos e professores, que faz com que acabem criando uma amizade: “Querendo ou não é o ano inteiro então a gente vai acompanhando o crescimento, o desenvolvimento, dos pequenos até os grandes que estão se formando no segundo grau. É o dia a dia, vamos conversando, trocando ideias e, em muitos casos, acontece que o aluno acaba se abrindo com o motorista, então a gente acaba sendo um psicólogo. Às vezes eu dou conselhos do que fazer, digo para estudar, prestar atenção, se comportar em sala de aula, respeitar o pai e a mãe. É uma troca”, esclarece.
Em relação à valorização desta profissão, Gabriel explica que, no caso dos caminhoneiros nota que a profissão poderia e deveria ser mais valorizada, especialmente por questões como Diesel caro e frete baixo, contudo, em seu trabalho como motorista de micro, já se considera valorizado por transportar vidas. “Sempre tem um agradecimento, um reconhecimento, tanto dos alunos quanto dos professores e dos pais, que confiam na gente a vida dos filhos. Então a maior valorização, para mim, é isso, ter esse reconhecimento de que estamos fazendo um bom serviço, cuidando das crianças”, conclui, emocionado.
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