O amor à terra e ao trabalho
Em Nova Pádua, Vitório Pegoraro, 92 anos, e Grandilia Bandiera Pegoraro, 89 anos, mantêm a propriedade sozinhos
Chegar próximo aos 90 anos ou ultrapassar essa marca não é sinônimo de ficar ‘de pernas para o ar’, muito pelo contrário. Para Vitório Pegoraro, de 92 anos, e sua esposa Grandilia Bandiera Pegoraro, de 89 anos, o segredo da longevidade não está na Certidão de Nascimento e sim na inquietação de estar em movimento e manter a alma sempre jovem.
O casal, que no dia 9 de maio de 2023 comemorou 70 anos de casado, sempre residiu em Nova Pádua. Antes de casar, ele morava próximo à igreja do Travessão Bonito enquanto ela, no Travessão Paredes. “Quando casei com o Vitório o pai e a mãe dele tinham falecido, aí nós construímos uma pequena casinha de madeira aqui no Travessão Bonito e depois continuamos construindo (a atual construção faz 60 anos). Fizemos oito filhos e depois todos foram embora de casa, e ficamos só nós dois”, recorda Grandilia, informando que ela e o marido passam a maior parte do dia sozinhos.
Assim, talvez quisessem estar às vésperas do casamento, quando Grandilia sequer tinha completado 18 anos de idade: “Eu comecei a namorar o Vitório quando tinha 13 anos, minha mãe não me deixava, me xingava porque eu era muito nova, mas a gente se gostava, ele gostava de mim e eu dele, a gente se queria bem. Só nos víamos no domingo de tarde, quando começava a escurecer ele ia para casa, ficávamos juntos uma hora ou duas, só para conversar, naquela época era assim o namoro”, lembra a agricultora.
Conforme Grandilia, daqueles anos até os dias de hoje o casal segue conversando sobre tudo, e nenhum dos dois pode ter segredos um para o outro: “A gente se conta de tudo, conversa, senão vamos fazer o que aqui nós dois, sem conversar? Uma vez tinha oito filhos aqui, a casa estava sempre cheia. Era um barulhão”, descreve.
Questionado sobre o número de netos que possui, o casal precisa parar para contar, afinal, são muitos: 15 no total. “Alguns filhos e netos moram em Flores da Cunha, outros em Nova Pádua, alguns em Santa Catarina, outros Caxias do Sul, um pouco em cada lugar, ‘para cá e para lá, tudo espalhado’”, explicam Grandilia e Vitório, acrescentando que o filho Horácio ajuda na colônia e a filha Dileta está bastante com eles – inclusive no dia em que o Jornal O Florense realizou esta entrevista.
E por falar em colônia, mesmo na casa dos 90 anos eles não se cansam e seguem, como eles mesmos dizem “na lida”. De acordo com o casal, eles ainda cuidam dos parreirais de uva e da horta, plantam milho e cebola: “Trabalhamos na agricultura, os parreirais são o nosso ganho. Nós continuamos trabalhando senão, com a pequena aposentadoria que a gente ganha, se paga o plano e não sobra nada”, revelam, acrescentando que na última safra perderam quase tudo para a chuva de pedra e que os efeitos da intempérie deixam a parreira com os galhos machucados para as próximas safras.
Os agricultores também lembram com carinho de que as tarefas de ir para a colônia e cuidar das pereiras sempre foram desenvolvidas pelos pais e, atualmente, eles seguem a mesma tradição. “Hoje temos 1,5 hectare de terra. Já dividimos tudo com os filhos porque já trabalhamos o suficiente”, brincam, completando que as uvas que colhem, nas variedades Isabel, Bordô, Niágara e Malbec, são vendidas para uma cantina próxima e que, em época de safra, eles precisam contratar funcionários para dar conta da colheita.
Mas, reclamar de trabalho é algo que eles não fazem, apenas da falta dele, afinal, ficar dentro da cozinha todo o dia, parados, não é bom, é melhor trabalhar, assim o dia passa mais rápido: “A gente não gosta de ficar sem trabalho. Se não tem nada para fazer vamos na horta. O dia passa melhor assim, sempre ‘para cá e para lá’. Aqui na colônia não tem gente para conversar, cada um fica na sua casa, trabalha na sua terra e ponto, só no domingo, daí dá para conversar, para ir para a missa, rezar o terço, jogar bochas, conhecer as pessoas”, contam, acrescentando que Vitório gosta de jogar bochas e baralho com os amigos, enquanto Grandilia recebe visitas, vê televisão ou coloca a leitura em dia.
“Durante a semana levantamos logo que clareia o dia, 6h30min, 7h. A gente costuma fazer a merenda de manhã então tomamos um café, comemos alguma coisa e depois vamos trabalhar, aqui a gente não para e não vai parar de trabalhar. Nós vamos dormir cedo, mas levantamos cedo também. Eu (Grandilia) faço a comida e ajeito a limpeza, depois vou ajudar ele (Vitório), tem o parreiral, a horta, tem que tratar as galinhas, os porcos, sempre se acha alguma coisinha para fazer, só para se divertir”, descrevem os agricultores acerca da rotina de atividades que desenvolvem em sua propriedade.
A pausa para o almoço também é a hora de tomar um copo de vinho, tradição de longevidade que Vitório não abre mão e que acabou influenciando a esposa: “Tomamos todos os dias, na comida, um copinho. Eu não posso ficar sem vinho! Fiquei doente um tempo atrás e a comida não me descia, mas o vinho sempre (risos)”, conta, completando que produz o seu próprio vinho, na sua propriedade, mas apenas para consumo próprio.
Há alguns anos a família também criava vacas e vendia o leite, chegando a vender 100 litros por dia, mas agora não tem mais o leiteiro então eles abandonaram essa produção. Outra coisa que mudou (e muito) em comparação à juventude de Vitório e Grandilia foi o dia a dia na colônia, nesse sentido, eles recordam: “Não tinha nada na nossa época, só capinar, enxada, carroça, mula, hoje tem máquina para tudo, a tecnologia chegou, tem uma diferença como se fosse dia e noite. A gente ia para a colônia ainda de manhã, escuro, tomava o café e depois a mãe preparava uma merenda para às 8h e levava na colônia, mas eram aquelas crianças mais pequenas que levavam merenda, as maiores iam trabalhar. De meio dia voltava para casa comer, depois voltava para a colônia plantar parreirais, fazer roça, plantar milho, trabalhar para viver. Quando tinha que plantar um parreiral, as pedras, tirar os ferros, dava um trabalho enorme e todos plantavam parreirais, mas hoje em dia é mais fácil, tem mais máquinas”.
Mesmo com esses avanços, segundo o casal, todos os anos o número de pessoas que trabalha na colônia diminui. Eles acreditam que isso aconteça porque os mais jovens veem o trabalho na colônia como algo difícil, mais pesado, e também porque tem a questão das intempéries, temporal, geada, chuva de pedra, fora que na colônia as pessoas sempre estão sujas porque trabalham no barro, com a terra. “A maioria das pessoas não gostaria de trabalhar, só ter dinheiro para viver a vida e fazer festa. Como está andando o negócio o Brasil vai ir se terminando. Por isso as pessoas se obrigam a valorizar o colono senão se termina essa profissão, não é fácil não, aí fica pesado o negócio, teria que valorizar mais”, conclui Vitório.
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