Nova Pádua

“Eu vejo que Nova Pádua é a banda e a Banda Santa Cecília é Nova Pádua”

A frase do maestro Lino Peccati expressa a relação histórica do município com as primeiras notas entoadas pelos músicos

A história dos 30 anos de emancipação política de Nova Pádua se confunde com a da Banda Santa Cecília, a mais antiga do RS que, no próximo mês de abril, completa 109 anos de fundação. Muito mais do que levar alegria, entretenimento e cultura, os músicos da entidade são responsáveis por manter vivo o legado dos imigrantes italianos e propagar a arte, não só na Serra Gaúcha, mas em todo o país.  
“A banda estreou em 1913, com a primeira música tocada em frente à Igreja. Mas a ideia surgiu antes, em 1910, com um grupo de imigrantes que queria amenizar a saudade das bandinhas que tinha na Itália, até que conseguiram formar a equipe”, lembra o maestro Lino José Peccati, que exerce a função há mais de 45 anos. De acordo com ele, após esse período inicial, o conjunto – que tinha como maestro Alvize Parize – passou a ser regido por nomes como: Francisco Boscatto, Luiz Gelain, João Gobbi, Felix Slaviero, Pedro Mandelli e Elírio Toldo. Nos anos 1960, a banda começou a perder músicos e foi então que ele e vários jovens foram convidados para integrá-la.
Peccati lembra que iniciou sua participação na entidade em 1969, juntamente com outros jovens, que tinham o objetivo de renovar o time, com músicas diferentes e aumentado a quantidade de participantes, que passou de 10 para 23. “Nessa andança dos meus 50 anos, a cada tempo a banda enfraquecia, porque a juventude, um sai para estudar, outro vira caminhoneiro aí já não pode mais ensaiar e se apresentar. Então tem que dar uma renovada. Eu, até agora, fiz isso várias vezes, com várias equipes, e com muito esforço consegui chegar até hoje. O meu desafio era, quando os mais velhos me entregaram essa incumbência, de chegar ao centenário e, graças a Deus, estamos com 109 anos”, emociona-se o maestro que atua como músico há 52 anos.
Nesse tempo, o paduense marcou presença em diversos eventos do município, e fora dele, ajudando a construir e levar adiante a história de Nova Pádua: “A banda sempre esteve presente, qualquer campanário, qualquer capela, qualquer pedra fundamental, qualquer evento, seja religioso ou cívico, festas maiores, receber autoridades e muitas outras. Até nas tristezas, às vezes desaparece uma pessoa importante e estamos lá”, enfatiza. O musicista também menciona que, justamente por isso, gostaria que o trabalho continuasse, para ser lembrado com o mesmo carinho que ele recorda de sua conversa com Luiz Gelain: “Ele me pegou pelo braço, um dia, e disse: ‘eu tenho a esperança que tu e teu irmão consigam levar adiante isso aqui’, ele se sentia seguro e feliz, na época com seus 80 anos de idade”.
Aos 67 anos, Peccati não pensa em largar a música, mas gostaria de entregar a regência. No entanto, a maior dificuldade é encontrar alguém que queira assumir a responsabilidade: “Eu teria entregado a maestria há muitos anos, só que quando está chegando alguém que vai me substituir, surge um problema, mas eu sempre digo que até que Deus me dê saúde, que eu posso ajudar, eu faço. Gostaria que alguém pegasse, porque tem que se comprometer a escrever, copiar, e o que falta tem que fazer”, revela.
Questionado sobre como conseguia desenvolver as funções de agricultor, maestro, compositor, tocar vários instrumentos, ser vereador e, ainda, se dedicar à família e aos amigos, Lino destaca: “Eu penso que um pouco tem que ter um dom, tem que nascer com uma certa facilidade das coisas, então também tocar sem partitura fica fácil, qualquer momento, qualquer coisa, se falta um membro e tu consegue suprir a parte dele, isso é importante. E se tu quer alguma coisa, tu faz”. 
Atualmente, o autodidata lidera o grupo que reúne de 18 a 20 músicos e se diz muito orgulhoso por sua trajetória: “Isso aqui é mais por amor à camisa e amor à cultura. Se pensar em dinheiro, tem que fazer outra coisa. É assim que funciona, no coração, no peito e na garra”, conclui, com entusiasmo para mais 109 anos.

O passado e o presente
Ao conversarmos com os integrantes da Banda Santa Cecília é impossível não notar uma característica comum: o amor pelo que se faz. Sentimento que, para o agricultor Alexandre Alessi, de 40 anos, teve início na década de 1990 quando assistiu a uma apresentação do conjunto durante as Bodas de Ouro de seus avós e, a partir daí, decidiu que gostaria de participar da banda e seguir os passos do avô, que também era músico.
“Na época, o Lino e o irmão dele, Nestor, montaram uma turma e convidaram quem gostaria de participar. Isso me chamou muito a atenção e participei dos ensaios, aprendi música com eles. Eu ingressei em 1995 e fiquei até 2000, quando saí por motivos pessoais e depois, por convite do Lino e do Nestor, decidi voltar”, explica Alessi que, entre idas e vindas, soma sete anos na entidade.
O musicista iniciou tocando trompete e revela que aprendeu tudo nas aulas ministradas por Lino e Nestor. Atualmente, toca trombone e acredita que o maior desafio da entidade seja o de atrair novos músicos: “Importante incentivar jovens e pessoas mais adultas também, porque hoje tem músicos de 20 até 80 anos participando, então idade não interfere. O mais gratificante é quando vai para fora da cidade, fazer uma bela apresentação, que o pessoal gosta, e depois comentar os fatos nos ensaios seguintes”, destaca Alessi que, se diz orgulhoso em fazer parte de uma equipe unida, de uma família.
“A banda, por ser a mais antiga do RS, não se pode deixar isso ir por água abaixo. Estamos aí com garra para o que der e vier, assim que tiver apresentações a gente está aí para fazer a nossa parte. Até que eu tiver saúde e conseguir, vamos dar apoio para manter a entidade viva”, emociona-se.

Os desafios do futuro

Mais do que dar continuidade ao trabalho histórico da Banda Santa Cecília, a nova geração que integra o grupo se depara com o desafio diário de se reinventar sem perder a essência. Este é o caso de jovens como Roberta Galiotto Salvador, de 22 anos, uma das mais novas musicistas da banda, que começou a participar das aulas ainda na infância, com 10 anos, motivada pelo pai, Jucimar Salvador.
“O pai toca há muitos anos e desde sempre eu vi ele indo nos compromissos, nas festas de capela, nas missas, sempre estava com um instrumento. Então quando o Lino abriu uma turma para recrutar novos jovens e o meu pai pediu se eu gostaria de fazer parte, eu fui”, lembra Roberta, que acrescenta que a classe de iniciação da qual participou era formada por seis alunos e desses, três meninas e um menino continuam.
A paduense, que começou tocando clarinete e hoje se dedica a aprender a tocar sax, participa da banda ao lado do pai, cada um com o seu instrumento, mas, unidos pela mesma paixão que se perpetua de geração em geração. “Quando começamos – eu e minha prima Morgana –, muito novas, iniciamos tocando clarinete. É muito marcante porque era frustrante que os nossos dedinhos não alcançavam o instrumento e o Lino ia, puxava e apertava os nossos dedos, dizendo que tínhamos que comer polenta e, claro, hoje olhando para trás, é fácil para nós, é muito simples tocar o instrumento, mas na época era difícil, era outra realidade”, conta a jovem.
“É bastante responsabilidade, quando vamos nos compromissos muitos vêm nos cumprimentar e parabenizar por estarmos ali. Sempre tivemos incentivo das pessoas que já estão na equipe há mais tempo, o Lino é uma delas, que sempre fez o papel dele como maestro e como professor. Além do meu pai, que eu lembro muito quando ele falava que sempre fez por amor à música e hoje a gente faz também, porque nunca recebemos nada, em momento algum, fazemos por amor e assim vai continuar”, emociona-se Roberta, ao mesmo tempo em que diz se sentir orgulhosa em participar de uma história que não chegou a vivenciar, mas, hoje, está dando sequência.
Ainda de acordo com ela, é difícil encontrar pessoas que tenham esse amor pela música, então, quanto mais novas elas ingressarem, mais fácil será de desenvolver esse sentimento. Pensando nisso, ela revela que, para o próximo ano, muitas novidades estão previstas: “Temos ideia de iniciar uma turma de jovens, recrutar mais crianças para começar a aprender a parte teórica e, depois, prosseguir com quem tiver interesse. Além de fazer um evento para exaltar os 110 anos de fundação”, adianta.
E por falar em atrair pessoas para o grupo, isso é o que Roberta tem feito desde a infância, quando convidou a prima Morgana Decosta para ir às aulas junto com ela. Hoje, a jovem de 24 anos continua no conjunto, tocando clarinete. “Os meus pais sempre foram muito fãs, então eu cresci ouvindo falar da Banda Santa Cecília, e na época o meu tio me convidou para fazer algumas aulas com a minha prima, eu gostei, achei bem interessante”, lembra Morgana.
Para a analista de RH o gosto pela música é algo que vem de família e que ela aprendeu, tanto na teoria quanto na prática, nas aulas de Lino. “É muito bom, eu acho que isso é o que mais agrega na nossa vida, tanto musical quanto pessoal, aprendemos muito com eles. É muito legal essa troca de experiências com o pessoal mais velho, as histórias de como era no início e agora, acompanhar essa mudança”, empolga-se.
De acordo com Morgana, no período mais intenso da pandemia os ensaios – que há quatro anos ocorrem em uma sala própria cedida pela Paróquia – acabaram não sendo realizados, mas, desde a metade do ano passado foram retomados, pouco a pouco, para agora poder voltar à ativa. “É bem gratificante, faz parte do meu crescimento e fez parte de momentos muito importantes da minha vida. Eu participei da 14ª edição da Feprocol representando a Banda Santa Cecília, então para mim foi um orgulho bem grande, porque eu era a primeira musicista a representar o grupo, então além de todo o aprendizado, de toda a família que a gente construiu aqui, toda a minha história também está voltada em torno da banda”, finaliza, emocionada.

O maestro, Lino Peccati, com os integrantes da banda Roberta Galiotto Salvador, Morgana Decosta e Alexandre Alessi.  - Gabriela Fiorio
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