Uma volta pelo Alto Douro
Confira o relato do professor de viticultura que teve a oportunidade de conhecer áreas vitícolas da Europa em meados do ano passado
Nos meses de junho e julho de 2011 tive o prazer e a honra de atuar como professor convidado no curso de mestrado Vintage Master International. Este é mantido pela União Europeia por meio do programa Erasmus Mundus e abrange diversas universidades vinculadas àquela instituição. O curso é coordenado pela Escola Superior de Agricultura (ESA) da cidade de Angers, no Vale do Rio Loire, na França. Na condição de professor convidado atuei em sala de aula com os estudantes de mestrado durante o período em que estive na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), na cidade de Vila Real, em Portugal.
Posteriormente, tive a oportunidade de ministrar palestra aos professores europeus do curso, durante a estada em Angers. O interesse dos mesmos é grande pelo assunto viticultura (módulo de aulas em que participei), mas o desconhecimento sobre o nosso país na área enológica, imenso. Ainda visitei as regiões vitícolas do norte da Itália, acompanhando o professor Maurizio Zamboni (da Universitá Cattolica del Sacro Cuore) e seus alunos, bem como visitei as regiões vitícolas de Valência (Espanha) acompanhando o professor José Luis Aleixandre (da Univesitat Politécnica de Valéncia).
Cada uma destas regiões apresenta peculiaridades que encanta a quem as visita. Para quem vive na Serra Gaúcha, provavelmente, o que mais chama a atenção é o Douro, em Portugal. A viticultura é histórica naquela região, existindo desde a conquista romana no Século 1 antes de Cristo. A geografia local é muito pitoresca. Trata-se de um vale, com pendentes íngremes. Os declives são, na maioria dos casos, muito maiores do que os da Serra Gaúcha. Do mesmo modo, a altitude das escarpas do vale chega a 1.400 metros. Soma-se a isto a latitude que é próxima dos 41 graus Norte. Assim, é uma região de clima extremo, indo de grandes calores no verão a frio forte, com nevadas regulares no inverno.
A região demarcada do Douro, onde se elabora o vinho que virá a ser o Porto, e também grandes vinhos de mesa, divide-se em três sub-regiões, a saber: Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior. À medida que se avança do litoral para o interior, aumenta a altitude e com isto há uma diminuição da temperatura média. Também, conforme se afasta do mar e por efeito de interceptação pela Serra, há uma diminuição das precipitações pluviais no interior. As uvas utilizadas na região são absolutamente cultivares autóctones, existindo literalmente dezenas delas. As de maior importância são a Touriga Nacional, a Tinta Roriz (nome local para a Tempranillo) e a Alfrocheiro. Com misturas de uvas (boa parte delas é cultivada junto, em um mesmo vinhedo) ou identificação confusa, aparece uma grande variação na composição dos vinhos.
Os vinhedos são conduzidos em espaldeiras plantadas em terraços. Estes, quando são feitos em pedra, chamam-se socalcos; quando em terra socada, são chamados patamares. Os vinhedos antigos tinham até quatro fileiras (que são chamadas de bardos) em cada terraço. Posteriormente têm se adotado plantar uma ou duas fileiras por terraço para facilitar os tratos culturais. Andando pela região é possível ver-se plantios de várias formas, inclusive nos locais onde não há terraços, as fileiras indo no sentido do declive. Este sistema é mais comum no Douro Superior onde a declividade é menor e a precipitação pluvial também menos intensa.
Videira é a principal cultura
As propriedades vitícolas são chamadas Quintas e a videira é, de longe, a principal cultura. Também há muitos olivais. Fora isto, não há cultivos comerciais de outras plantas, ficando as áreas não cultivadas exploradas com silvicultura (tanto nativa como de eucaliptos).
A escassez de mão de obra é uma realidade e tudo o que é possível ser mecanizado, assim é feito. A população, em sua maioria, habita pequenas vilas (ou aldeias como eles chamam), normalmente próximo ou à beira do Rio Douro e de seus afluentes. É uma região onde a dificuldade em produzir é muito maior do que na Serra Gaúcha e, entretanto, se mantém graças à fama de seus vinhos.
Recentemente o consumo de vinho do Porto (da denominação de origem) vem diminuindo, o que tem levado as empresas produtoras, das quais boa parte pertence a empresas não-portuguesas, a novas estratégias para incentivar o consumo. Entre estas está o uso do Vinho do Porto como componente para coquetéis e aperitivos. Também estão sendo feitos investimentos para aperfeiçoar a produção do vinho de mesa, que por sinal é excelente naquela região, bem como aumentar um pouco a produção de brancos. Novas ocasiões para consumir o vinho do Porto estão sendo buscadas. Normalmente este é bebido ou como aperitivo ou como digestivo, sendo muito comum ser tomado aos domingos, quando as pessoas retornam da missa e antes do almoço em família.
Uma estratégia que me pareceu equivocada é a introdução das cultivares ditas internacionais, praticamente todas elas, francesas. Isto poderá simplesmente reduzir o caráter autóctone e peculiar do vinho português, sem acrescentar de fato qualidade ao mesmo.
Por fim, é uma região de paisagem muito bela, de uma viticultura que propicia vistas espetaculares, além de seus grandes vinhos. Os habitantes são muito hospitaleiros e recebem bem aos brasileiros. De fato, é um lugar que vale a pena visitar, em qualquer época do ano. Para quem aprecia outras curiosidades botânicas, o final da primavera é ótimo devido ao florescimento e perfume das tílias que normalmente são a arborização urbana daqueles lugares.
* Reportagem originalmente publicada na edição 144 da revista Bon Vivant.
Posteriormente, tive a oportunidade de ministrar palestra aos professores europeus do curso, durante a estada em Angers. O interesse dos mesmos é grande pelo assunto viticultura (módulo de aulas em que participei), mas o desconhecimento sobre o nosso país na área enológica, imenso. Ainda visitei as regiões vitícolas do norte da Itália, acompanhando o professor Maurizio Zamboni (da Universitá Cattolica del Sacro Cuore) e seus alunos, bem como visitei as regiões vitícolas de Valência (Espanha) acompanhando o professor José Luis Aleixandre (da Univesitat Politécnica de Valéncia).
Cada uma destas regiões apresenta peculiaridades que encanta a quem as visita. Para quem vive na Serra Gaúcha, provavelmente, o que mais chama a atenção é o Douro, em Portugal. A viticultura é histórica naquela região, existindo desde a conquista romana no Século 1 antes de Cristo. A geografia local é muito pitoresca. Trata-se de um vale, com pendentes íngremes. Os declives são, na maioria dos casos, muito maiores do que os da Serra Gaúcha. Do mesmo modo, a altitude das escarpas do vale chega a 1.400 metros. Soma-se a isto a latitude que é próxima dos 41 graus Norte. Assim, é uma região de clima extremo, indo de grandes calores no verão a frio forte, com nevadas regulares no inverno.
A região demarcada do Douro, onde se elabora o vinho que virá a ser o Porto, e também grandes vinhos de mesa, divide-se em três sub-regiões, a saber: Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior. À medida que se avança do litoral para o interior, aumenta a altitude e com isto há uma diminuição da temperatura média. Também, conforme se afasta do mar e por efeito de interceptação pela Serra, há uma diminuição das precipitações pluviais no interior. As uvas utilizadas na região são absolutamente cultivares autóctones, existindo literalmente dezenas delas. As de maior importância são a Touriga Nacional, a Tinta Roriz (nome local para a Tempranillo) e a Alfrocheiro. Com misturas de uvas (boa parte delas é cultivada junto, em um mesmo vinhedo) ou identificação confusa, aparece uma grande variação na composição dos vinhos.
Os vinhedos são conduzidos em espaldeiras plantadas em terraços. Estes, quando são feitos em pedra, chamam-se socalcos; quando em terra socada, são chamados patamares. Os vinhedos antigos tinham até quatro fileiras (que são chamadas de bardos) em cada terraço. Posteriormente têm se adotado plantar uma ou duas fileiras por terraço para facilitar os tratos culturais. Andando pela região é possível ver-se plantios de várias formas, inclusive nos locais onde não há terraços, as fileiras indo no sentido do declive. Este sistema é mais comum no Douro Superior onde a declividade é menor e a precipitação pluvial também menos intensa.
Videira é a principal cultura
As propriedades vitícolas são chamadas Quintas e a videira é, de longe, a principal cultura. Também há muitos olivais. Fora isto, não há cultivos comerciais de outras plantas, ficando as áreas não cultivadas exploradas com silvicultura (tanto nativa como de eucaliptos).
A escassez de mão de obra é uma realidade e tudo o que é possível ser mecanizado, assim é feito. A população, em sua maioria, habita pequenas vilas (ou aldeias como eles chamam), normalmente próximo ou à beira do Rio Douro e de seus afluentes. É uma região onde a dificuldade em produzir é muito maior do que na Serra Gaúcha e, entretanto, se mantém graças à fama de seus vinhos.
Recentemente o consumo de vinho do Porto (da denominação de origem) vem diminuindo, o que tem levado as empresas produtoras, das quais boa parte pertence a empresas não-portuguesas, a novas estratégias para incentivar o consumo. Entre estas está o uso do Vinho do Porto como componente para coquetéis e aperitivos. Também estão sendo feitos investimentos para aperfeiçoar a produção do vinho de mesa, que por sinal é excelente naquela região, bem como aumentar um pouco a produção de brancos. Novas ocasiões para consumir o vinho do Porto estão sendo buscadas. Normalmente este é bebido ou como aperitivo ou como digestivo, sendo muito comum ser tomado aos domingos, quando as pessoas retornam da missa e antes do almoço em família.
Uma estratégia que me pareceu equivocada é a introdução das cultivares ditas internacionais, praticamente todas elas, francesas. Isto poderá simplesmente reduzir o caráter autóctone e peculiar do vinho português, sem acrescentar de fato qualidade ao mesmo.
Por fim, é uma região de paisagem muito bela, de uma viticultura que propicia vistas espetaculares, além de seus grandes vinhos. Os habitantes são muito hospitaleiros e recebem bem aos brasileiros. De fato, é um lugar que vale a pena visitar, em qualquer época do ano. Para quem aprecia outras curiosidades botânicas, o final da primavera é ótimo devido ao florescimento e perfume das tílias que normalmente são a arborização urbana daqueles lugares.
* Reportagem originalmente publicada na edição 144 da revista Bon Vivant.
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