Uma tampinha pode fazer a diferença na vida de alguém
Crianças com Atrofia Muscular Espinhal (AME) recebem ajuda de grupo de voluntárias liderado por Liliane Albrecht dos Santos Lacerda, moradora de São Gotardo
Sabe aquelas tampinhas de refrigerante, suco, leite, requeijão, margarina, e muitas outras mais, que, assim que o produto acaba, vão direto para o lixo? Você sabia que essas mesmas tampinhas podem ter um destino diferente, que vai muito além da preservação ao meio ambiente e da separação correta de resíduos? Elas podem ajudar a salvar vidas!
E é com inúmeras tampas coloridas, de todos os tamanhos, cores e formatos, armazenadas em sacos plásticos e em galões de água, dispostos em um vão localizado embaixo da escada, que Liliane Albrecht dos Santos Lacerda, de 43 anos, moradora de São Gotardo, consegue colaborar com crianças portadoras de AME (Atrofia Muscular Espinhal).
A dona do lar é natural de Santa Maria, mas, há quase duas décadas trocou o coração do estado pela Serra Gaúcha, e trouxe consigo a paixão por ajudar o próximo, traduzida em pequenos gestos: “Iniciou com a Laurinha, de Santa Catarina, eu conheci a história dela através da minha comadre e a gente começou a ajudar com uma quantia mensal em dinheiro. Aí, um dia, me deu um estalo de juntar tampinhas – porque eu nunca tinha me dado conta da proporção que tem essa ação. E, depois da Laurinha, eu pensei: por que não continuar?”, lembra Liliane, acrescentando que, a partir daquele momento, também estava divulgando a iniciativa em suas redes sociais.
Essa mobilização deu tão certo que a dona de casa passou a receber doações de parentes, vizinhas, amigas e a rede de apoio foi crescendo dia pós dia. Com esse engajamento todo, Liliane viu a necessidade de criar um nome para a campanha, bem como uma página no Facebook e no Instagram com a marca Sua tampinha ajuda uma criança. A partir desse movimento, pessoas de Antônio Prado entraram em contato para ajudar e, conhecidos de Santa Maria aceitaram o convite e aderiram ao projeto, que surgiu antes da pandemia.
Com mais voluntários colaborando, em diversas partes do estado, era a hora de ajudar outros bebês, como o Matteo Schmitz Piccin Jardim, o ‘Teteo’, de Porto Alegre: “Aí foi indo, a gente ajuda uma criança e depois que ela consegue a medicação a gente procura outra e, agora, focamos em ajudar aqui no RS, porque são muitas”, revela Liliane, complementando que, atualmente, o grupo está contribuindo com a caxiense, Emanuela Castanho Gasperin, de 1 ano e 1 mês, e já colaborou com o caso da florense Elisa Molon Mascarello, que precisava de auxílio para custear despesas como fraldas e leite, melhorando sua qualidade de vida.
Conforme a idealizadora, o que incentivou a continuar com a causa, que hoje conta com 22 voluntários ativos, além de pontos de coleta em Flores da Cunha, Caxias do Sul, Antônio Prado, Santa Maria, Soledade e Bagé, foi, sobretudo, o valor elevado do medicamento – em torno de R$ 7,5 milhões – custo que ela considera desumano.
“O valor que estamos arrecadando ainda é pequeno, e é por isso que eu peço para as pessoas não botarem as tampinhas no lixo, que juntem, porque, até agora, deu um pouco mais de R$ 3 mil, de todo esse ano. Se tu for ver é um valor baixo, mas, é R$ 3 mil que iria para o lixo e está ajudando uma criança. Que seja duas ou três, põe na bolsa, passou em um ponto de coleta, deixa lá. Uma tampinha de cada um já ajuda muito”, reitera Liliane.
“As pessoas doam e depois os responsáveis por esses pontos de coleta me avisam, quando tem um montante, vou lá e pego, e a empresa de Bento Gonçalves – uma fábrica de reciclagem – vem aqui em Flores da Cunha para coletar na minha casa. Eles recolhem, desmancham e reciclam. Na hora eles pesam, já depositam o valor direto na conta da criança que está na campanha e nos mandam o comprovante”, esclarece a dona do lar sobre como se dá o processo de recolhimento, pesagem, comercialização e doação aos pequenos com AME.
Mas a iniciativa Sua tampinha ajuda uma criança não é a única forma que Liliane encontrou para ajudar os bebês com AME. Ela também participa de brechós com esse intuito, seja colaborando ou, até mesmo, sediando. Como ocorrerá no próximo sábado, dia 19, data em que um brechó solidário será realizado na sua casa (Rua Siena, 393, São Gotardo) para ajudar a pequena Manu. “Convidei vizinhos, a Francieli (irmã), amigas mais próximas, e todo mundo topou ajudar”, comemora, acrescentando que a atividade será das 9h30min às 17h, e contará com peças de R$ 5 a R$ 10, infantis e adultas.
“É muito gratificante, eu estou muito feliz e sou muito grata a Deus”, conclui Liliane, na expectativa por mais ações, como a de realizar outro brechó, em breve, no Centro de Flores da Cunha.
Junte e doe
Em Flores da Cunha a campanha Sua tampinha ajuda uma criança conta com três pontos de coleta: Ponto Sem Nó aviamentos, Star Info treinamentos e Louise semijoias. Os locais de doação, sediados em outros municípios, podem ser conferidos pelo Facebook (Sua tampinha ajuda uma criança.) e pelo Instagram (@suatampinhaajudaumacrianca).
Para ser um voluntário da causa, sediar um ponto de coleta ou obter mais informações sobre o trabalho voluntário e as doações (de roupas para o brechó e tampinhas), os contatos também podem ser feitos pelas redes sociais do projeto.
Se você quer ajudar diretamente a Emanuela, pode entrar em contato pelo Instagram @ameemanuelacg.
A doença que mata aos poucos
“Com quatro meses a gente notou que ela não firmava a cabeça, não virava de lado e tinha pouco movimento nos membros inferiores. Nós pontuamos isso para a pediatra, ela pediu que levássemos a Manu em uma fisioterapeuta, para fazer uma análise, a gente levou, foi aplicada uma escala e constatado que, para a idade cronológica, ela estava bem atrasada nos movimentos”, lembra Daniela Cristovam Castanho, de 43 anos, mãe da Emanuela Castanho Gasperin, sobre quando e como percebeu que havia algo de errado com a filha.
Após, a família procurou o auxílio de um neurologista e realizou o teste genético. Dois meses depois, o resultado: Manu, aos sete meses, foi diagnosticada com AME tipo 1, a forma mais agressiva da Atrofia Muscular Espinhal. Conforme Daniela, a doença degenerativa impede que a criança se desenvolva, vai atrofiando e fazendo com que ela não consiga se alimentar e, até mesmo, respirar, na medida em que avança.
“Existe uma medicação que traz a cura da doença, a Zolgensma, fabricada na Suíça pela Novartis, que é pela qual nós estamos lutando. Essa medicação é a mais cara do mundo, ela está em torno de R$ 7,5 milhões e já chegou a custar R$ 12 milhões. A gente não tem esse dinheiro, por isso, iniciamos uma campanha para ajudar a arrecadar valores, são feitos brechós e pedágios solidários, jantares e ações com famosos na página dela no Instagram @ameemanuelacg”, esclarece a advogada, complementando que estão com processo judicial na tentativa de restabelecer a liminar para receber o remédio.
Foi nessa mobilização toda que a mãe conheceu Liliane e passou a contar, também, com o apoio do projeto Sua tampinha ajuda uma criança: “É uma parte muito importante, porque essas tampinhas são vendidas e o dinheiro é guardado na conta da Emanuela para ajudar na compra da medicação e nas terapias que ela já faz e vai ter que continuar fazendo. Eu tenho muita gratidão por todos os voluntários que nos ajudam e se empenham na campanha, eles fazem uma série de ações para ajudar”, agradece Daniela.
Porém, mesmo que a medicação venha por via judicial, a pequena Emanuela terá que continuar com uma série de terapias que já vem fazendo, como motora, respiratória, ocupacional, acompanhamento com fonoaudióloga – uma equipe multidisciplinar – até alcançar os marcos motores do desenvolvimento que precisa. “Ela tem que tomar essa medicação até os dois anos, porque a efetividade dela, segundo o fabricante, é até essa idade. Deus queria que ela esteja bem até lá, porque muitas crianças morrem antes disso, é uma doença muito severa, hoje a criança está bem e amanhã ela decai, é uma doença muito triste que, literalmente, vai matando aos poucos, vai degenerando”, emociona-se a mãe, ao mesmo tempo em que provoca uma reflexão sobre a importância de cada gesto e cada doação em prol do outro.
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