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Uma receita que ultrapassa gerações

No Dia das Mães, Dona Dina conta a história de seu restaurante, hoje comandado pelos filhos e com o apoio dos netos, que há mais de 33 anos conquista o paladar dos florenses

Em uma panela adicione meio litro de coragem, uma xícara de simplicidade, uma dose de persistência, uma porção de perseverança, um copo de dedicação, uma caixa de pensamento positivo e uma pitada de otimismo. Tempere com bastante amor. Misture todos os ingredientes e ferva até adquirir a consistência desejada, desligue o fogo. Adicione carinho a gosto e sirva. O resultado será uma tradicional receita de sucesso, que há mais de 33 anos conquista o paladar e faz parte do dia a dia dos florenses. 
Estamos falando da história de Dinacia Maria Facchin Pradella, de 79 anos, ou melhor, Dona Dina, aquela mesma que dá nome ao restaurante que já foi chamado de O Porão. Filha de Caetano Facchin e Élia Muraro Facchin, Dina é natural de Flores da Cunha e pertencente a uma família de 14 irmãos, sete homens e sete mulheres. 
Há mais de uma década, em março de 2013, sua coragem em empreender e fundar seu próprio restaurante foi reconhecida e homenageada com a entrega do certificado Mulher Cidadã, junto à Câmara de Vereadores de Flores da Cunha.
Na juventude, Dina casou-se com Valdir Pradella, com o qual teve seus quatro filhos: Rosicler, Valdenir (Val), Rejane e Régis. Às vésperas do Dia das Mães e de completar seus 80 anos de vida (em junho), a avó de Greyci, Fernanda, Eduarda, Maria Eduarda e Pedro, e bisavó de Luan e Luiza, compartilha sua trajetória no universo da gastronomia, desde o primeiro endereço do restaurante O Porão até a sede atual do Dona Dina, destacando o orgulho e a gratidão em ver que os filhos e os netos estão dando continuidade à receita de amor que ela começou a preparar, há mais de 33 anos. 

O Florense: Como surgiu seu amor pelo universo da gastronomia e quando teve a ideia de fundar um restaurante?
Dona Dina: Eu era doméstica e ajudava minha sogra, Ana Honesta Pradella, a fazer comida, fui garçonete também. Ela era cozinheira dos casamentos, no Salão Paroquial, acho que isso também me levou a seguir a carreira de cozinheira e, claro, eu gostava de cozinhar. Trabalhei muito tempo na Pousada do Galo Vermelho, que era do Eloy Kunz, e fiz vários cursos enquanto estava lá, mas eu já gostava da culinária porque tinha me dedicado a isso antes, com o Lions Clube, também junto com minha sogra. Trabalhei, ainda, no Clovis, em frente à Praça, lá aprendi muitos pratos rápidos, e no Casa Nostra, que era do Orides Sgarioni, em frente à antiga rodoviária. 
Foi um período bom, foram experiências ótimas e eu uni tudo isso e acabei fundando o meu próprio empreendimento. Como o meu gosto era a culinária e na época estava fechando o restaurante Boi na Brasa, ali perto do castelo, eu adquiri o negócio. O espaço estava localizado em um porão, então eu alterei o nome de Boi na Brasa para O Porão, e ficou assim, mesmo depois que mudamos de endereço. 

OF: No início, além de cozinhar, o que fazia no empreendimento?
Dina: Apesar de já ser um restaurante e o dono querer alugar, tinha pouquíssimas pessoas que comiam lá, eram trabalhadores que sentavam em três ou quatro mesas e o resto do mobiliário ficava todo empilhado em um canto. Então, na verdade, eu iniciei ‘do nada’, comecei a limpar, a fazer, eu cuidei daquelas 10, 12 pessoas que estavam ali, fazia almoço para elas; trabalhava sozinha, lavava a louça, guardava, aproveitava e limpava outras coisas, lembro que esfreguei os talheres um por um. Quando eu abri o restaurante para o público, que coloquei toalhas na mesa, tudo arrumadinho, esses trabalhadores se sentiram inferiores e não vieram mais, eu fiquei triste porque eles vinham comer do jeito que estavam no trabalho, mas eles se sentiram mal por estarem sujos. Por outro lado, lembro que o Lourenço Castellan veio lá, ele foi uma pessoa muito forte para mim, meu marido trabalhava para ele, ele foi me parabenizar porque estava bonito, com toalhas brancas na mesa, enfim, ele valorizou o meu trabalho. 
Aos poucos o restaurante estava com um andamento bom, tinha recuperado bastante clientela e sempre tinha um ou outro cliente que ia até a cozinha, que era um cubículo, dar parabéns e dizer que estava gostando, isso era e é uma glória, um orgulho e uma alegria para mim.

OF: Quais foram as principais dificuldades dessa época e como conciliava a rotina de trabalho com a de dona de casa e mãe? 
Dina: Quando eu comecei a trabalhar com isso as minhas filhas eram pequenas, tinham em torno de 10 anos. Houve períodos em que eu trabalhava à noite, mas de dia eu estava em casa, aí o sogro e a sogra ajudavam a cuidar. O Régis veio temporão, 12 anos depois da última menina, então as gurias também cuidaram dele, davam mamadeira e tudo. Todo mundo ajudava um pouquinho e nessa época eu ainda não tinha o restaurante, trabalhava junto com minha sogra, na Aquarius, lembro que estava grávida do Régis e servia as mesas, por isso acho que ele tem essa tendência (risos). 

OF: Por que foi realizada a primeira mudança de local do empreendimento?
Dina: O restaurante ficou pequeno, foi então que nós abrimos ali em cima da alfaiataria Rigotto. Na época eu era sócia da dona Ida Toscan, trabalhamos bastante tempo juntas, em torno de 15 anos, quando ela quis se retirar; foi então que o meu filho, Régis, assumiu e deu continuidade. O nome ainda era O Porão, mas nós trabalhávamos em cima, lembro que todo mundo achava estranho e questionava: Por que O Porão se é em cima? Mas era para não ficar mudando, porque trocar o nome tem um custo e as pessoas já conheciam dessa forma. Ali a gente fazia refeições, almoços e também trabalhávamos com rodízio de pizza, à noite, mas não deu muito certo, então preferimos focar só no meio dia. Na época nem se atendia aos domingos e no início eu servia as travessas nas mesas, só depois a gente fez o buffet e cada um passou a se servir. 

OF: E a mudança para o endereço atual?  
Dina: Eu tinha dado a ideia para comprar ou alugar um lote e fazer um barracão para o restaurante, aí o Régis falou com o dono do terreno e ele disse que iria fazer um prédio ali e que poderia fazer o restaurante para nós. Amamos a ideia de alugar o restaurante já pronto e aguardamos mais um tempinho. Eles fizeram rápido o prédio e embaixo ficou o restaurante, já faz mais de 10 anos que a gente mudou e o nome passou a ser Dona Dina. A partir daí começamos a trabalhar direto, de segunda a segunda. Lançamos, nos primeiros três meses, um rodízio de pizza na pedra, à noite, mas também não deu certo e desistimos, focamos nos atendimentos ao meio dia. 
Hoje, nós temos os dois andares do espaço, mas logo que nos mudamos era só embaixo, em cima era uma academia. Depois, quando passou a ser nosso, foi adquirida uma escada que permite acessar por dentro e, agora, o pessoal pode usar os dois andares para almoçar, é bem tranquilo. Teve uma época que a gente alugava o segundo andar para aniversários de crianças, mas hoje não mais. 

OF: Por que a mudança de nome O Porão para Dona Dina?
Dina: Na verdade foi o Régis que quis me homenagear, eu confesso que não sabia se era uma boa ideia o meu nome ali, exposto na rua, mas aí conversei com algumas amigas, elas disseram que seria ‘tudo de bom’ e aí eu comecei a gostar. Também achei interessante porque as crianças pensavam que eu era um mito, que eu não existia, então mostrei que a Dona Dina existe, sim, aí eles conheciam a Dona Dina. Eu trabalhava na balança na época, eles vinham lá e me davam um abraço, me sentia tão feliz. Era um sentimento de valor, de carinho, aquilo me deixava muito alegre. 

OF: Quais as principais mudanças na forma de fazer e servir comida ao longo dos anos? 
Dina: Nós éramos em quatro pessoas na cozinha de O Porão, porque o movimento também era pequeno. Quando era servido na mesa a gente colocava quatro pratos mais a salada, agora tem de oito a 10 cubas grandes, às vezes tem algumas coisas em cima do buffet, tem ainda a outra chapinha com mais dois pratos, a parte da churrasqueira com as carnes, os baurus, e outra chapa que fazem as pizzas e servem ali. Naquela época tudo era manuseado, desde o purê, descascar as batatas, agora eles têm mais coisas para auxiliar como a máquina de lavar louça, um tanque que quando as latas estão pegajosas eles colocam lá. Além disso, eles têm o forno combinado, que é bem grande, lá eles cozinham toda a salada, o arroz, fazem as carnes de forno, é uma maravilha. O fogão continua sendo aquele que eu usava e, agora, tem todas essas máquinas que facilitam. Tem as duas fritadeiras e o aquecedor também, que eles usam para manter a comida quente. Hoje tem mais de 10 funcionários só na cozinha, além dos garçons, que variam bastante. Cresceu muito a minha cozinha, eu não saberia mais nem como fazer trabalhar, é muita modernidade, muita coisa nova.

OF: Hoje não trabalha diretamente no restaurante, mas ainda vai ‘dar uma volta’ por lá?
Dina: Trabalhei muito tempo nas panelas, aí quando nos mudamos para esse endereço de agora eu deixei essa parte. Eu tenho problema de coluna e, há algum tempo, tive que ficar em casa por uns dois meses; foi um sentimento muito triste parar de cozinhar, parecia que já tinha alguém que me substituía, eu sentia que ‘não servia’ para mais nada. Mas depois o Régis insistiu que os clientes queriam que eu ficasse no restaurante, que atendesse eles, conversasse, aí eu voltei e fiquei na balança, no salão; era gostoso. Agora eu não trabalho mais porque teve a pandemia também, só vou para almoçar, ver se eles fazem direitinho a comida (risos). Eu digo que tem que cuidar muito a qualidade, porque eu sou muito chata, o bife, por exemplo, se tiver alguma coisa passada do ponto não é para colocar no buffet, os clientes não são obrigados a comer nada passado. E a gente tem que fazer crítica, porque se não faz eles acham que está tudo certo, tem que ter esses cuidados. Às vezes eu ainda vou lá na cozinha e ‘boto a boca’, porque tem que seguir o padrão, não dá para deixar cair.

OF: Para você, o que é uma boa comida? 
Dina: Uma boa comida pode ser a mais simples que for, mas bem temperada toda a comida é boa. Eu digo que quanto mais simples fizer a comida, melhor ela fica.

OF: Como se sente quando as pessoas te reconhecem como ‘a Dona Dina do restaurante’? 
Dina: Estava no hospital esses dias e o pessoal falava ‘a famosa Dona Dina’, até a minha filha disse que graças ao meu nome somos bem recebidas nos lugares, aí todos começam a falar: ‘Como é que ficaram as panelas com a senhora aqui descansando?’, ‘Vai ter almoço já que a senhora está aqui?’, ‘Quem é que está cozinhando?’. Mas é bem gratificante, eu sou feliz, sou feliz porque meu filho seguiu os meus dotes, assumiu, minha filha também, minhas netas são uns amores e elas trabalham muito lá dentro, estão sempre preocupadas e sabem atender bem as pessoas. 

OF: Estamos no Dia das Mães, nesta data como é ver que seus filhos e netos se interessaram pelo restaurante e estão seguindo seu caminho na gastronomia? 
Dina: Tem as minhas netas, a Fernanda e a Eduarda, que trabalham lá, elas começaram bem pequeninhas, com sete ou oito anos. Até lembro que ensinava elas a pesar e, agora, elas dominam o caixa, o banco, elas fazem tudo, para mim é um orgulho. Eu digo que são crianças que cresceram dentro do trabalho, olha o exemplo do Régis, ele era pequeno, começou com oito anos a trabalhar dentro do restaurante. 
Hoje, ele, a Val e as duas netas se dedicam ao empreendimento. Desde O Porão, o Régis auxiliava no caixa e a Val também começou a ajudar lá, eles se dão muito bem e as minhas duas outras filhas estão com problema de saúde então é mais complicado, mas todos trabalharam lá e ajudaram em algum momento, de alguma forma, não nas panelas, mas em outras atividades. Atualmente o Régis também trabalha na Florense, que montaram um restaurante lá, e no Divino Trevo, que ele gerencia, mas, mesmo assim, está mais no Dona Dina, porque ele diz que é a ‘menina dos olhos’ dele. A Val gerencia o Dona Dina e eu agradeço muito porque o restaurante funciona mesmo. Então eu digo que tudo está seguindo o meu ritmo.

OF: Se pudesse dar um conselho, qual seria? 
Dina: Teve uma senhora que trabalhou comigo e ela queria montar um negócio, eu disse a ela o seguinte: tem que ser perseverante, não pode dizer porque hoje deu pouca gente que amanhã não quer mais trabalhar porque vai vir pouca gente também. Tem que ter, em primeiro lugar, pensamento positivo e persistência. São duas coisas que não dá para tirar da cabeça, então se vier três pessoas hoje, trate bem essas três pessoas e amanhã terá seis. Eu disse para ela que tem que ser perseverante, porque se você não perseverar você não vai ter nada. 

OF: Qual/quem é sua maior inspiração para chegar onde chegou?
Dina: Eu não sei, eu tinha um pensamento muito forte, muito positivo. Porque quando eu assumi o restaurante e tinha ‘meia dúzia de gatos pingados’, mas eu sempre disse que eu ia crescer. Algumas pessoas até me diziam: ‘imagina, vai investir nisso que nunca deu em nada’, mas eu sempre tive o pensamento positivo em primeiro lugar, afinal, não adianta montar uma coisa e não acreditar no que vai fazer.  

Hoje o empreendimento é comandado pelos filhos Régis, 43 e Val, 57.  - Karine Bergozza Além dos filhos, as netas de Dona Dina, Fernanda, de 28, e Eduarda, de 24, não medem esforços para preservar a tradicional receita herdada da avó.  - Karine Bergozza
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