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Uma profissão que (também) virou hobby

Nelso Cusin, 63 anos, trabalha com montagem e manutenção de moinhos e é tão apaixonado por esse universo que possui um exemplar em sua casa, para as horas vagas

Estamos acostumados a ouvir histórias de hobbies que se transformaram em profissões, mas o inverso é um tanto quanto incomum, não é mesmo? Pois é, mas este é o caso curioso do técnico montador de máquinas industriais de moinhos de cereais, ou simplesmente montador de moinhos, Nelso Cusin, de 63 anos. Além de trabalhar com a função, ele passou a adotá-la como passatempo quando adquiriu o moinho que utiliza em sua casa, no município de Flores da Cunha, para a produção de farinha de milho, que faz nas horas vagas. 
Natural do interior de Bento Gonçalves, Cusin fixou raízes na Terra do Galo ao casar com Maria de Lurdes Garibaldi Cusin, hoje com 62 anos, cujo pai, Olindo Garibaldi (in memoriam) foi o grande responsável por despertar no genro o interesse pelo universo dos moinhos. “Vim para cá porque conheci minha esposa, namoramos, casamos, e meu sogro trabalhava no moinho fazendo o que eu faço hoje, aí ele me convidou para trabalhar junto. Eu fui e estou até hoje nessa lida”, lembra o montador, que atua no segmento há 35 anos. 
“Comecei aqui no Rio Grande do Sul, mas depois fui para São Paulo, Fortaleza, Aracaju, Natal, Minas Gerais, Belém do Pará, São Luís do Maranhão, Acre, onde existe moinho e porto no Brasil eu já cheguei lá. Inclusive fui para América Central, Colômbia, Peru. Bastante gente me procurava para ir arrumar, já que tem poucas pessoas que fazem esse serviço – hoje até tem um pouco mais, porque é automático, mas para consertar esses mais antigos é bem complicado; como diz meu colega ‘que nem eu que sou uma enciclopédia ambulante não tem’”, orgulha-se Cusin, aos risos.
E por falar em lugares, há oito anos o bento-gonçalvense reside no Paraguai, perto da fronteira com a Argentina. Ele foi para o país vizinho com a função de auxiliar o dono de diversas empresas (entre elas suco, fábrica de ração para gatos, cachorros, cavalos, coelhos e porcos, biodiesel, adubo) na montagem de moinhos, mas acabou ficando para ajudar na assistência técnica das máquinas que, claro, são automáticas: “Hoje não tem mais nada de como você montava um moinho antigamente, é tudo diferente, eu lembro que fazíamos moinho de pedra, hoje é tudo automático. A principal diferença dos mais antigos é que eles moíam de 100 a 200 kg por hora, hoje esses moinhos grandes, que são os que eu instalo, eles moem de 25 a 30 toneladas por hora. Então é uma quantidade muito grande, essa é a principal diferença”, esclarece o montador, acrescentando que atualmente uma empresa que trabalha com moinho de trigo, por exemplo, deve produzir acima de 100 toneladas por dia para ter lucro.
Mas as mudanças não param por aí, também passam pela manutenção das peças. Décadas atrás, de acordo com Cusin, o que mais costumava exigir reparos era uma peça de madeira com escova dentro, na qual as peneiras ficavam uma em cima da outra e a escova trancava muito: “Hoje não existe mais essa peça de madeira, existe de ferro e com mais daquelas escovas que vão dentro. Hoje os moinhos dão problema quando começam a ter acima de dez anos e se desgastar, a maioria é isso, aí se faz reforma ou troca a máquina. Eu faço reformas e a parte de funilaria também – que é diferente do que a funilaria de calha, que estamos acostumados, é funilaria industrial – fabrico tudo o que é tipo de peças, instalo e dou assistência técnica. É serviço completo”, reforça.  
O montador também explica que nos moinhos de antigamente era realizada uma moagem por vez. E o processo se repetia por três ou quatro vezes: “É como eu faço hoje no meu moinho de casa. Mas nos novos que eu trabalho não é assim, é tudo separado, ninguém coloca a mão; são moinhos que produzem de 500 a 600 toneladas de trigo por dia”, revela o florense de coração. 
Mas como é que, mesmo sem ter estudado, o profissional se adaptou a todas essas mudanças que ocorreram ao longo dos tempos? De acordo com ele, as modificações foram surgindo aos poucos e ele foi aprendendo com elas: “Isso aí é a escola da vida, não é a gramática que te ensina, é a prática”, exalta. 
Cenário de modernidades que contrasta com o vivenciado na moradia de Cusin, que reserva espaço especial para um moinho que, além de ser uma lembrança do sogro, Olindo Garibaldi, também é um hobby para quem tanto aprendeu com ele. “O moinho que eu tenho aqui em casa é só para me entreter, não é para ter lucro nenhum. É claro que seria vantagem comprar a farinha de milho no mercado, pronta, só que a farinha de milho do mercado, hoje, não é boa como essa daqui, que vem toda completa – glúten, miolo do milho, azeite – só que depois de feita tem que colocar na geladeira para ela durar mais de 30 dias, do contrário ela estraga, já a industrial não. Além do que, ela tem todas a vitaminas do milho, é mais natural e saudável”, explica, complementando que sempre que volta de viagem encontra pedidos de farinha para serem feitos e entregues.
Conforme o montador, moinhos pequenos como o que ele possui em sua residência não existem mais, já que eles são apenas para uso caseiro, e não industrial, uma vez que o rendimento é pouco e não vale a pena. Mesmo assim, nem nas folgas Cusin fica longe dos moinhos, afinal, ele adora seu trabalho e o vê, também, como hobby. 
No entanto, a maior dificuldade dessa atividade, para ele, é o deslocamento: “Eu já estou me aposentando e quero ficar aqui em casa, me dedicar ao meu ‘moinhozinho’ e a minha família", revela. 
E justamente por isso ele está ensinando outras pessoas para assumir sua função e destaca que a dificuldade maior não é aprender a fazer as tarefas, mas sim seguir atuando na área, especialmente pela questão de ficar longe de casa. “Eu estou ensinando, tanto que eles me chamam de professor lá no Paraguai. Tem bastante gente que trabalha nesse ramo, mas não se dedica, não está nem aí, eu não, eu só trabalhei nisso, eu só sei fazer isso. Se precisa fazer algum conserto de alguma coisa que eles não conseguem eles me chamam”, evidencia Cusin, orgulhoso por seus conhecimentos de uma vida inteira. 
“Se você não se dedicar ao trabalho que você está fazendo, se não tiver interesse, não adianta. Eu me sinto um pouco privilegiado, porque eu viajei o país inteiro e nunca gastei um centavo, estou sempre com agenda cheia, muitas vezes não dava para ir em todos os locais que chamavam porque estava trabalhando em outro lugar. Até hoje dificilmente fiquei parado. Agora quero terminar minha casa na praia e não consigo porque quero fazer do meu jeito, mas preciso de tempo; depois quero aproveitar a vida ao lado da família”, conclui, indo em direção ao seu moinho, onde aproveita a folga para produzir farinha de milho e preservar a história de seu passado, para que não se deixe apagar entre as futuras gerações que estão surgindo, entre elas a de seu neto.

Nelso Cusin já percorreu diversos estados e países para montar e consertar moinhos. - Karine Bergozza  - Karine Bergozza  - Karine Bergozza
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