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Uma eterna soberana

Aos 72 anos, Marisa Bigarella, revive principais momentos como rainha da I Fenavindima e o sucesso de uma festa que levou o nome de Flores da Cunha para o Brasil

No ano em que Flores da Cunha escolherá um novo trio de soberanas para representar o município em sua festa máxima, o Jornal O Florense embarcou em uma viagem que começou ainda na segunda metade da década de 1960, período em que foi realizada a primeira edição da Festa Nacional da Vindima. Idealizada pelo prefeito da época, Raymundo Paviani, a I Fenavindima ocorreu de 26 de fevereiro a 12 de março de 1967 e tinha o objetivo de ‘colocar na vitrine’, tornar conhecida a cidade que mais produzia uvas per capita no Brasil – 36.468.617 kg, além de possuir 26 cantinas centrais, 25 cantinas isoladas, 18 postos de vinificação e 169 cantinas rurais. Em prol desse intuito, jornalistas da capital gaúcha e de outros estados da Federação foram convidados a acompanhar de perto os preparativos da festa, deslumbrados, os profissionais da imprensa rasgaram-se em elogios aos florenses.  
A divulgação foi intensa em todo o país e havia sido criada, inclusive, uma subcomissão de Propaganda, presidida por Hildebrando Cardoso e integrada por Carlos Mambrini, Alexandre A. Pedron, Nilto Soldatelli e Rony A. Montanari, responsável por intensificar a publicidade do evento. Também existiam as subcomissões de Festejos e de Promoções Sociais, ambas com foco no relacionamento com o público e em atrair pessoas de diferentes lugares a Flores da Cunha. Missão mais que bem-sucedida ao lembrarmos que a festa recebeu visitantes de estados como RJ, SP, MT, PR e SC, que puderam conferir as exposições de uvas e outros produtos no andar térreo do salão paroquial, no centro da cidade, finalizado especialmente para receber o evento. O governador do estado, Walter Peracchi de Barcellos e o secretário da agricultura, Luciano Machado, também participaram das solenidades. 
É válido lembrar que, naquele período, o vice-prefeito de Flores da Cunha era Aldo Santini, enquanto o presidente da Câmara de Vereadores, Lourenço Darcy Castellan. A Diretoria da I Fenavindima, por sua vez, que assumiu os riscos de fazer um evento inédito ‘do zero’ era formado por: Claudino Muraro (presidente), Odacyr Luiz Busetti (vice), Artidor Zimermann (secretário) e Cláudio Bedin (tesoureiro). 
O peso da coroa de rainha, na primeira edição da festa, caiu sobre a jovem Marisa Bigarella, representante do então segundo distrito, Nova Pádua. Filha de Arlindo Joaquim Bigarella e Zaíra Santina Bigarella, Marisa é a primeira dos quatro filhos do casal e a única mulher. Hoje, aos 72 anos, a eterna soberana da Fenavindima é mãe de Zaira Francesca, Milton Enrique e Rodrigo Fernando Stumpfs Bigarella; também é avó de três netos: Liam, Noah e Sofía. 
Na época em que representou a festa, Marisa morava em Flores da Cunha com os pais, no prédio dos Correios, local onde o pai trabalhava, mas, há 39 anos, mudou-se para Assunção, no Paraguai, – onde reside atualmente – após casar-se com Arnaldo Stumpfs, o qual conheceu durante seus estudos em Psicologia, no município de Pelotas; ele cursava Engenharia. 
Confira a entrevista completa com a precursora Marisa Bigarella e sua relação maternal com a Fenavindima e sua cidade natal, Flores da Cunha:

O Florense: Como surgiu o convite e o interesse, na época, para concorrer à corte da I Fenavindima? 
Marisa Bigarella: Inicialmente eu não estava muito interessada, confesso, mas depois me convidaram para ser candidata e a gente foi. Nós éramos em um grupo de gurias, e o primeiro passo foi vender adesão, lembro que tínhamos um carnezinho e vendíamos para os amigos. Entre esse grupinho das meninas eu consegui vender mais ‘votos’, então fui a representante do segundo distrito, Nova Pádua, porque tinha um baile em cada comunidade antes e só depois era em Flores da Cunha, no Clube Independente, que a gente se reunia com as representantes de todos os lugares. Aí já não era a venda de ‘votos’, era um corpo de jurados relacionado com a parte social, vindo de Caxias do Sul, um grupo de pessoas entendidas. Nós desfilamos com o traje típico e depois eles deram o resultado, não falamos nada, só desfilamos, depois os jurados se reuniram e deram o veredito final. 

OF: Como era o preparo das candidatas para o concurso?
Marisa: Nós tivemos apenas a festa da escolha, com os jurados, nada mais. Eu acho até que ia ser bom se a gente tivesse tido mais preparação, mas como não pensávamos que ia ter tanta transcendência, a gente não se importava muito e fomos levando. Não tinha esse protocolo. Mas hoje eu vejo que é importante porque o grupo de soberanas representa esse lugar, por isso tem que ser um grupo de pessoas que tenham um certo preparo, ao menos.
Lembro que até quando viajávamos, depois da escolha, na parte de falar sobre Flores da Cunha, a gente tinha algumas informações básicas, como número de habitantes, a produção mais importante, tínhamos um folhetinho impresso com essas informações. Mas faltava uma pessoa, alguém que tivesse atuado como uma orientadora, uma protetora quando a gente viajava; para dar uma arrumadinha no cabelo, na maquiagem, essas coisas. 

OF: Como eram os trajes da escolha? E os oficiais? 
Marisa: O motivo do bordado sempre era o cacho de uva, o modelo era bem simples. O que não fizemos foi usar um traje com saia comprida, longo, era um vestido normal, curtinho, com alguma coisinha na cabeça. Na época não se tinha apoio financeiro, era mais a mãe que ia atrás dessa parte do vestido e mandava fazer na costureira, que dava as sugestões de modelo, e assim a gente foi fazendo. Depois da escolha eu acho que tive três ou quatro vestidos que mandei fazer e usava nos diferentes eventos, porque esse período foi longo (a segunda Fenavindima aconteceria somente seis anos depois, em 1973, no Parque da Vindima).
Os vestidos dependiam muito de nós, se queríamos utilizar os mesmos da escolha para os eventos posteriores ou não. Recordo da Silvia, uma das princesas, que tinha um vestido muito bonito, este sempre foi o vestido que ela exibiu e, geralmente, se utilizava o mesmo. Era tudo muito simples, e era para ser simples.

OF: Por que acredita que venceu como rainha da I Fenavindima, na noite de escolha, em 28 de janeiro de 1967, no Clube Independente?
Marisa: A verdade é que eu não sei, porque bonita é que eu não sou (risos). Alguns diziam que eu era simpática, não sei qual foi o motivo, sinceramente. O sorriso que todo mundo dizia que era bonito, eu tinha uma abertura e uma aproximação com as pessoas. Como eu era de um lugar humilde, claro que eu ia ser assim também, era como ficar em família. 

OF: Como foi feita a divulgação da festa? 
Marisa: A onda da publicidade foi muito intensa porque também se queria promover a nossa canção da Vindima, que a gente cantava quando saia para as apresentações, eles queriam gravar, então a publicidade foi bem grande, muito mais do que se esperava. Pelo que me consta, nas outras, na segunda e na terceira edição, acho que foi menos. E nós fomos o grupo de soberanas mais grande, nós éramos em cinco, quatro princesas e uma rainha; depois passou para uma rainha e duas princesas. 
A propaganda para essa festa foi muito grande, foi impressionante, os jornais de Porto Alegre tinham lançado uma espécie de moda para festival da uva e do vinho, em SP, no RJ e no PR, e em todos eles nós éramos convidadas a participar, com o governador, com o presidente – que era o Costa e Silva – foi impressionante. Foi muito delicioso, em qualquer festinha, escolha de soberanas, por exemplo, qualquer lugar nós sempre éramos convidadas para participar. E eu acho que por ser um grupo grande ajudou porque tinha muita vivacidade e alegria, era para a festa ficar marcada. 

OF: E por falar em ficar marcada, o que ficou gravado em sua memória em relação aos desfiles e dias de festa da I Fenavindima? 
Marisa: Os desfiles eram um espetáculo, um entusiasmo. A Fenavindima era, verdadeiramente, uma festa, uma alegria, as pessoas que vinham lá dos distritos e participavam, uma maravilha (cada capela fez seu carro, foram 25 alegorias e cerca de 10 mil pessoas assistindo aos desfiles.).
Ás vezes eu vejo algumas fotos dos vestidos de agora, maravilhosos, elegantes, gurias bonitas. Eu vejo esses vestidos tão lindos, essas gurias tão lindas, bem maquiadas, e eu acho que a gente descuidava um pouco dessa parte, de repente a gente era simples demais.  

OF: Como era o relacionamento com as princesas Odali Fontana, Silvia Mattioni, Bernardete Soldatelli e Maria do Carmo Toigo?  
Marisa: Era bem gostoso, porque nós éramos todas jovens, tínhamos 16, 17 anos, e essas viagens eram um máximo, nós chamávamos o evento de festinha, imagina. Até cansamos porque demorou bastante tempo; acho que eles não estavam muito definidos para o que fazer no momento (se a festa teria continuidade) mas foi muito bom, éramos um grupo grande. Até para o norte da Argentina fomos convidadas para ir, para Mendoza, uma cidade que também têm a Festa da Uva – eu acabei não indo porque ainda não tinha 18 anos e era bastante burocracia para ir.  
Essa viagem para o RJ então, foi a coisa mais linda, com a rainha de Bento Gonçalves, de Carlos Barbosa, de Caxias do Sul, foi lindo, a gente se divertia muito.

OF: Quais os principais aprendizados que o período deixou? 
Marisa: O que sempre é bom, que deixa boas impressões, é esse contato que a gente teve com muita gente, esses festivais para SP, PR, é uma boa impressão que fica na gente, algumas pessoas que valeram a pena conhecer; artistas, porque a gente também foi nas TVs, como na TV Record, conhecemos pessoas famosas como a cantora Rita Lee, e isso é gostoso, realmente foi bom. São coisas boas que a gente valoriza.  
   
OF: Qual conselho gostaria de deixar às embaixatrizes da 15ª Fenavindima, que será realizada em 2024, ano em que o município celebra seu 100º aniversário? 
Marisa: Que aproveitem, que aproveitem com alegria, com simplicidade, com soltura, sem muita frescura. Que aproveitem porque é uma lembrança boa e, principalmente, que procurem se apresentar sempre bonitas, isso é importantíssimo, claro que a forma de ser de cada uma é indiscutível, mas esse cuidado com a presença, com a beleza exterior é muito importante, tem que ser assim.

OF: Qual acredita ter sido o principal legado deixado pela primeira edição do evento? 
Marisa: Quando foram vendo que a coisa era grande, bonita, que tinha essa transcendência para fora de Flores da Cunha, que se valorizava, então as pessoas foram dando importância e foi crescendo, porque a gente realmente esperava que terminasse aí, não tinha expectativas maiores, futuras. Mas eles acharam que por toda essa repercussão que teve, Flores da Cunha, lugar da uva, se motivaram a continuar, acho que foi isso, porque realmente pensávamos que ia terminar aí. E os diretores também eram pessoas que, graças a Deus, tinham recursos e também era conveniente para eles, então nós fomos levando, e quem diria que ia chegar tão longe, tanto tempo. E mais a questão do turismo, tudo ajudou para não deixar a festa morrer. 

OF: Hoje, ao olhar para trás, e perceber que fez e faz história no município de Flores da Cunha, como rainha da primeira edição de sua festa máxima, qual o principal sentimento? 
Marisa: Não imaginava, não dimensionava, de maneira nenhuma, que iria tomar a proporção que tomou, ninguém esperava isso, foi acontecendo. Los recuerdos se van diluyendo con el tiempo (as memórias vão desaparecendo com o tempo) mas por outro lado, com essa idade, a gente tem mais tempo para pensar nas coisas que aconteceram, olhar para as fotos e relembrar. Digo que temos que tecer, dia a dia, o melhor que a gente pode ser e fazer, porque isso é o que fica dentro da gente.

Marisa Bigarella se tornou a rainha da primeira Festa Nacional da Vindima, representando  o segundo distrito de Flores da Cunha, Nova Pádua. - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
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