Uma alternativa lucrativa para o microprodutor rural
Governo estadual incentiva a legalização de pequenos negócios como as agroindústrias. Quem ganha é o agricultor, que passa a ter mais alternativas para comercializar sua produção
Atualmente, no Brasil, os pequenos agricultores enfrentam diversas barreiras para produzir e vender seus produtos, pois a concorrência com grandes produtores acaba sendo desleal. Muitas vezes, a produção chega ao mercado com preços tão baixos que não cobrem nem o valor investido. Isso desmotiva e atrapalha o desenvolvimento do microprodutor rural. De acordo com o último Censo Agropecuário (2006), a agricultura familiar envolve mais de 4 milhões de estabelecimentos e 12,3 milhões de pessoas no Brasil. Entre os alimentos que chegam às mesas dos brasileiros, 87% da mandioca, 70% do feijão, 59% dos suínos, 58% do leite, 50% das aves e 46% do milho provêm da agricultura familiar. No Rio Grande do Sul, o número de estabelecimentos agropecuários com base familiar chega a 317.963, o que representa 85,7% do total.
Mas qual seria a solução para esta classe que hoje representa 85% dos estabelecimentos agropecuários no país e é responsável por 50% dos produtos que dispõem a cesta básica? A resposta pode estar mais próxima do que o produtor imagina. Se vender a produção in natura nem sempre é um bom negócio, que tal investir na fabricação de produtos caseiros, para venda direta ao consumidor ou por meio de associações de pequenos produtores. Conforme o assistente técnico do Escritório Regional da Emater-RS de Caxias do Sul, Ricardo Capelli, atualmente a criação de agroindústrias familiares é a melhor alternativa para os pequenos produtores.
O técnico explica que hoje o agricultor que investir no aperfeiçoamento e na apresentação de qualidade de seus produtos, seja na forma in natura ou em forma de derivados, certamente terá lugar garantido no mercado. “Temos uma grande demanda por produtos diferenciados, produzidos de maneira artesanal, sem adição de componentes químicos. Uma grande parcela da população está disposta a pagar mais por isso. Logo, temos muito espaço para as agroindústrias familiares”, expõe o profissional.
De acordo com Capelli, atualmente a região da Serra conta com cerca de 180 agroindústrias familiares legalizadas e mais de 100 em processo de inclusão ao Programa de Agroindústria Familiar, produzindo picles, compotas, geleias, queijos, salame, embutidos, massas, pães e biscoitos de excelente qualidade e preços bastante convidativos. No Rio Grande do Sul, já são mais de mil agroindústrias familiares e a meta do governo estadual é chegar, em 2014, com 4 mil em pleno funcionamento. Em Caxias do Sul, hoje existem 48 em processo de credenciamento. Em Flores da Cunha existe apenas uma agroindústria.
Um negócio lucrativo
Os agricultores têm o principal para iniciar uma agroindústria, que é a produção própria da matéria-prima e o conhecimento empírico, que pode ser aprimorado em centros de treinamentos. O que ele necessita, além disso, são instalações adequadas. “Nós nunca poderemos abrir mão de trabalhar com o máximo cuidado na seleção da matéria-prima e ter um processo de fabricação adequado, dentro das condições higiênico-sanitárias, buscando sempre a inocuidade do alimento. Para isso é preciso ter instalações, equipamentos, embalagens e armazenamento adequados, além de manipuladores conscientes e conhecedores do que estão fazendo. Tudo isso tem uma ligação direta com o produto final”, acrescenta Capelli.
Apesar de ter que se adequar às normas, o pequeno agricultor não está sozinho nessa empreitada. O governo federal, por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), instituído em 1995, e do programa Mais Alimento, disponibiliza ajuda financeira em forma de crédito rural para a montagem da infraestrutura necessária para que o projeto tenha andamento.
“Os financiamentos têm carência de três anos, mais sete anos para pagar, com juros de 2% ao ano. Logicamente que a liberação dos recursos depende de uma análise econômica. A agroindústria tem que produzir produtos de tal ordem que o produtor obtenha lucratividade para poder pagar o financiamento”, aponta Capelli.
Os Estados e os municípios também possuem suas próprias políticas de incentivo à agricultura familiar. No Rio Grande do Sul, em 1999, o governo criou o Programa de Agroindústria Familiar Sabor Gaúcho, com o objetivo de facilitar a legalização das agroindústrias e permitir que os produtores pudessem vender seus produtos industrializados com a nota fiscal de microprodutor rural. “Com esse programa, passamos a ter dois tipos de agroindústrias; a empresarial (com CNPJ) e as familiares (sem CNPJ). Essas agroindústrias, além dos benefícios fiscais, são convidadas anualmente a participar de feiras e exposições dentro e fora do Estado, como a Expointer, a Expoagro, a Expodireto, a Fenavinho e a Fenavindima, entre outras”, cita o representante da Emater-RS.
Conforme Capelli, nos últimos dois anos as prefeituras passaram ser obrigadas a comprar no mínimo 30% dos recursos destinados à merenda de produtos da agricultura familiar, fator que contribuiu substancialmente para a legalização das agroindústrias. “A tendência é que o mercado institucional (escolas, presídios, hospitais públicos e universidades) cresça com o passar dos anos. O governo está abrindo o leque para que produtos da agroindústria familiar entrem nesse segmento”, explica.
Os passos para iniciar uma agroindústria
Ricardo Capelli explica que existem regras para a criação de uma agroindústria familiar. Para ingressar no Programa, os agricultores devem estar inscritos na Secretaria da Fazenda do Estado como microprodutores rurais e possuírem a Declaração de Aptidão ao Pronaf. Para isso, devem obrigatoriamente produzir no mínimo 80% da matéria-prima, com exceção dos produtores de farináceos. Além disso, não podem ser proprietários ou sócios de empresa jurídica e devem vender, no máximo, R$ 194 mil por ano, entre produtos in natura e industrializados. A propriedade não pode exceder a quantidade de quatro módulos fiscais, o que na região da Serra representa 48 hectares.
Quanto aos aspectos higiênico-sanitários, as agroindústrias familiares devem obedecer às normas dos Serviços de Inspeção, seja estadual ou municipal, quando se tratar de produtos de origem animal (queijos, embutidos, mel e ovos). No caso de produtos de origem vegetal, as normas a serem obedecidas são as da Secretaria Estadual de Saúde.
O profissional sugere que os interessados em financiamentos do Pronaf procurem assistência técnica em órgãos como a Emater-RS ou os sindicatos rurais, que poderão indicar o projeto mais adequado a sua situação. Segundo Capelli, os órgãos possuem pessoas capacitadas para dar toda orientação necessária, gratuitamente.
Um sonho que virou realidade no Travessão Carvalho
Ao contrário do que acontece no Rio Grande do Sul, em Flores da Cunha a quantidade de produtores inseridos no Programa de Agroindústria Familiar ainda é pequena. De acordo com o escritório local da Emater, hoje existe apenas uma agroindústria familiar devidamente inscrita: a Silber Doces, localizada no Travessão Carvalho, em Otávio Rocha, que produz geleias, chimias, compotas e cristalizados de mirtilo e outras frutas. Há sete anos, a proprietária do empreendimento, Maria Aparecida da Silva Bernardi, 43 anos, decidiu investir na plantação de mirtilos, uma ideia inovadora para a época. Em uma área de um hectare e meio a família plantou 3,2 mil plantas, ao custo de R$ 5 cada, um investimento alto, já que o terreno também precisou de um sistema de irrigação.
O sonho era ganhar dinheiro vendendo a fruta in natura. Três anos após houve a primeira colheita, que rendeu 2 mil quilos. Ao tentar colocar o produto no mercado, percebeu que a realidade era bem diferente do que havia imaginado. Para decepção da família, a fruta não era conhecida no mercado e a aceitação não foi satisfatória. “Nas primeiras colheitas congelamos a fruta para tentar vender durante o ano. Depois, vinha a próxima safra e o que tinha guardado era jogado fora. Assim foi por dois anos”, relata Maria. Na busca de uma solução para o problema, a agricultora teve a ideia de montar uma agroindústria. Inicialmente, começou a produzir geleias de mirtilo, que eram doadas às amigas ou vendidas a preços simbólicos.
Aos poucos os doces ficaram conhecidos e a procura aumentou. Veio também a primeira participação na Feira de Inverno, onde apresentou e comercializou seus produtos para um público maior. “Ali vimos que a ideia da agroindústria poderia dar certo. Então, fomos à busca de orientação da Emater-RS e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR). Descobrimos que existiam programas de incentivo ao pequeno produtor, que disponibilizavam financiamentos, com juros baixos, mas que era preciso adequar o espaço às normas higiênico-sanitárias.”
Maria Aparecida buscou a adequação e a legalização de sua agroindústria, o que ocorreu há cerca de um ano. Inserida no Programa de Agroindústria Familiar, a Doces Silber, uma mescla do sobrenome dela e de seu esposo, Luiz Bernardi, conseguiu o financiamento por meio do Mais Alimento. O dinheiro foi aplicado na construção da estrutura física. Contudo, a compra de equipamentos para a modernização do negócio foi feita com recursos próprios. Após, veio a capacitação para o processo de fabricação, realizada no Centro de Treinamento de Fazenda Souza (Cefas), onde recebeu apoio da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetag) para a participação em diversas feiras.
Hoje, a agricultora vende metade de sua produção de mirtilos, que é de 6 mil quilos, para uma grande rede supermercadista e, o restante, é industrializada em forma de geleias, compotas e caldas. Já a produção de doces é comercializada na própria agroindústria, em algumas lojas de Flores da Cunha e Santa Catarina e nas feiras que a Doces Silber participa. Na opinião da produtora, embora a concorrência para colocar a fruta no mercado seja grande, o resultado está sendo satisfatório, pois a agroindústria tem um diferencial: investiu na produção orgânica de mirtilos. “Estamos trabalhando há apenas um ano, mas digo que está valendo a pena. A competição é grande, mas temos espaço no mercado, pois nossos produtos são diferenciados. Além da satisfação pessoal, financeiramente também está valendo a pena: já temos um retorno positivo”, constata.
Futuramente, a intenção é ampliar a plantação de mirtilos, caso consigam o registro para a elaboração de sucos, dentro do Programa de Agroindústria Familiar. “Quando iniciamos foi muito difícil. Não existiam outras agroindústrias no município, somente as de vinhos, mas para esse segmento são aplicadas outras leis. Então, não tínhamos muita informação. Tivemos que nos virar sozinhos. Cada coisa que íamos fazer era uma pedra no caminho. Hoje os órgãos estão capacitados para orientar os novos produtores. Além disso, o processo é mais fácil do que imaginamos. Vale legalizar a agroindústria. As vantagens são muitas”, argumenta a empreendedora rural.
Investindo também em capacitação
A ideia de promover a legalização e a organização das agroindústrias familiares nasceu dentro do Conselho Regional de Desenvolvimento da Serra (Corede-Serra) no ano de 1992. O Programa de Agroindústrias do Corede-Serra ganhou adeptos e, em 1996, por meio do Polo de Modernização Tecnológica, originou o Centro de Treinamento de Fazenda Souza (Cefas), localizado no distrito de Fazenda Souza, em Caxias do Sul. Criado com o objetivo de capacitar os agricultores, técnicos e trabalhadores em agroindústrias em tecnologias voltadas ao processamento da matéria-prima produzida na sua propriedade, o Cefas é coordenado por quatro instituições: a prefeitura caxiense, a Universidade de Caxias do Sul (UCS), a Emater-RS e a Federação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro).
Atualmente, o Centro realiza cursos de processamento de frutas e hortaliças e estudo de mercado (módulos doces e salgados), processamento artesanal de laticínios (módulos 1 e 2) e boas práticas de fabricação. O Cefas também está credenciado a realizar cursos de Boas Práticas de Fabricação, o que é uma exigência dos coordenadores do Programa de Agroindústria Familiar, para que o interessado possa se inscrever no mesmo. A partir de julho de 2012 o Centro passará a oferecer também capacitação na gestão de agroindústria.
Segundo o coordenador do Cefas, Ricardo Capelli, em 16 anos de funcionamento, o espaço realizou mais de 400 eventos, entre palestras e oficinas, e capacitou cerca de 4 mil pessoas. “O Centro possui toda a infraestrutura de alimentação e hospedagem. O aluno chega na segunda-feira e fica até sexta-feira recebendo o treinamento que é 100% prático. Os cursos ministrados aqui têm duração de uma semana, 40 horas-aula”, explica o coordenador.
O Cefas está com inscrições abertas para o primeiro curso (Boas Práticas de Fabricação), que ocorrerá de 9 a 13 de abril. Até o final do ano serão 23 cursos ministrados no local. As inscrições podem ser feitas pelo telefone (54) 3223.5633, do Escritório Regional da Emater-RS, ou pelo e-mail capelli@emater.tche.br.
Calendário de cursos do Cefas
Abril
9 a 13 – Boas Práticas de Fabricação (40 horas-aula)
23 a 27 – Proces. de Frutas e Hortaliças – módulo doces (40h/aula)
23 a 27 – Proces.Artesanal de Laticínios 1 (40 horas-aula)
Maio
7 a 11 – Boas Práticas de Fabricação
28/05 a 1º/06 – Processamento de Frutas e Hortaliças – módulo salgados (40 horas-aula)
28/05 a 1º/06 – Proces. Artesanal de Laticínios 2 (30h/aula)
Junho
18 a 22 – Proces. de Frutas e Hortaliças – módulo doces
18 a 22 – Processamento Artesanal de Laticínios 1
Julho
9 a 13 – Gestão de Agroindústria (16 horas-aula)
30/07 a 3/08 – Proces. de Frutas e Hortaliças – módulo salgados
30/07 a 3/08 – Processamento Artesanal de Laticínios 1
Agosto
13 a 17 – Boas Práticas de Fabricação
27 a 31 – Proces. de Frutas e Hortaliças – módulo doces
27 a 31 – Processamento Artesanal de Laticínios 2
Setembro
10 a 14 – Boas Práticas de Fabricação
24 a 28 – Proces. de Frutas e Hortaliças – módulo salgados
24 a 28 – Processamento Artesanal de Laticínios 2
Outubro
1 a 5 – Gestão de Agroindústria
22 a 26 – Proces. de Frutas e Hortaliças – módulo doces
22 a 26 – Processamento Artesanal de Laticínios 1
Novembro
5 a 9 – Proce. de Frutas e Hortaliças – módulo salgados
5 a 9 – Processamento Artesanal de Laticínios 2
5 a 9 – Boas Práticas de Fabricação
Mas qual seria a solução para esta classe que hoje representa 85% dos estabelecimentos agropecuários no país e é responsável por 50% dos produtos que dispõem a cesta básica? A resposta pode estar mais próxima do que o produtor imagina. Se vender a produção in natura nem sempre é um bom negócio, que tal investir na fabricação de produtos caseiros, para venda direta ao consumidor ou por meio de associações de pequenos produtores. Conforme o assistente técnico do Escritório Regional da Emater-RS de Caxias do Sul, Ricardo Capelli, atualmente a criação de agroindústrias familiares é a melhor alternativa para os pequenos produtores.
O técnico explica que hoje o agricultor que investir no aperfeiçoamento e na apresentação de qualidade de seus produtos, seja na forma in natura ou em forma de derivados, certamente terá lugar garantido no mercado. “Temos uma grande demanda por produtos diferenciados, produzidos de maneira artesanal, sem adição de componentes químicos. Uma grande parcela da população está disposta a pagar mais por isso. Logo, temos muito espaço para as agroindústrias familiares”, expõe o profissional.
De acordo com Capelli, atualmente a região da Serra conta com cerca de 180 agroindústrias familiares legalizadas e mais de 100 em processo de inclusão ao Programa de Agroindústria Familiar, produzindo picles, compotas, geleias, queijos, salame, embutidos, massas, pães e biscoitos de excelente qualidade e preços bastante convidativos. No Rio Grande do Sul, já são mais de mil agroindústrias familiares e a meta do governo estadual é chegar, em 2014, com 4 mil em pleno funcionamento. Em Caxias do Sul, hoje existem 48 em processo de credenciamento. Em Flores da Cunha existe apenas uma agroindústria.
Um negócio lucrativo
Os agricultores têm o principal para iniciar uma agroindústria, que é a produção própria da matéria-prima e o conhecimento empírico, que pode ser aprimorado em centros de treinamentos. O que ele necessita, além disso, são instalações adequadas. “Nós nunca poderemos abrir mão de trabalhar com o máximo cuidado na seleção da matéria-prima e ter um processo de fabricação adequado, dentro das condições higiênico-sanitárias, buscando sempre a inocuidade do alimento. Para isso é preciso ter instalações, equipamentos, embalagens e armazenamento adequados, além de manipuladores conscientes e conhecedores do que estão fazendo. Tudo isso tem uma ligação direta com o produto final”, acrescenta Capelli.
Apesar de ter que se adequar às normas, o pequeno agricultor não está sozinho nessa empreitada. O governo federal, por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), instituído em 1995, e do programa Mais Alimento, disponibiliza ajuda financeira em forma de crédito rural para a montagem da infraestrutura necessária para que o projeto tenha andamento.
“Os financiamentos têm carência de três anos, mais sete anos para pagar, com juros de 2% ao ano. Logicamente que a liberação dos recursos depende de uma análise econômica. A agroindústria tem que produzir produtos de tal ordem que o produtor obtenha lucratividade para poder pagar o financiamento”, aponta Capelli.
Os Estados e os municípios também possuem suas próprias políticas de incentivo à agricultura familiar. No Rio Grande do Sul, em 1999, o governo criou o Programa de Agroindústria Familiar Sabor Gaúcho, com o objetivo de facilitar a legalização das agroindústrias e permitir que os produtores pudessem vender seus produtos industrializados com a nota fiscal de microprodutor rural. “Com esse programa, passamos a ter dois tipos de agroindústrias; a empresarial (com CNPJ) e as familiares (sem CNPJ). Essas agroindústrias, além dos benefícios fiscais, são convidadas anualmente a participar de feiras e exposições dentro e fora do Estado, como a Expointer, a Expoagro, a Expodireto, a Fenavinho e a Fenavindima, entre outras”, cita o representante da Emater-RS.
Conforme Capelli, nos últimos dois anos as prefeituras passaram ser obrigadas a comprar no mínimo 30% dos recursos destinados à merenda de produtos da agricultura familiar, fator que contribuiu substancialmente para a legalização das agroindústrias. “A tendência é que o mercado institucional (escolas, presídios, hospitais públicos e universidades) cresça com o passar dos anos. O governo está abrindo o leque para que produtos da agroindústria familiar entrem nesse segmento”, explica.
Os passos para iniciar uma agroindústria
Ricardo Capelli explica que existem regras para a criação de uma agroindústria familiar. Para ingressar no Programa, os agricultores devem estar inscritos na Secretaria da Fazenda do Estado como microprodutores rurais e possuírem a Declaração de Aptidão ao Pronaf. Para isso, devem obrigatoriamente produzir no mínimo 80% da matéria-prima, com exceção dos produtores de farináceos. Além disso, não podem ser proprietários ou sócios de empresa jurídica e devem vender, no máximo, R$ 194 mil por ano, entre produtos in natura e industrializados. A propriedade não pode exceder a quantidade de quatro módulos fiscais, o que na região da Serra representa 48 hectares.
Quanto aos aspectos higiênico-sanitários, as agroindústrias familiares devem obedecer às normas dos Serviços de Inspeção, seja estadual ou municipal, quando se tratar de produtos de origem animal (queijos, embutidos, mel e ovos). No caso de produtos de origem vegetal, as normas a serem obedecidas são as da Secretaria Estadual de Saúde.
O profissional sugere que os interessados em financiamentos do Pronaf procurem assistência técnica em órgãos como a Emater-RS ou os sindicatos rurais, que poderão indicar o projeto mais adequado a sua situação. Segundo Capelli, os órgãos possuem pessoas capacitadas para dar toda orientação necessária, gratuitamente.
Um sonho que virou realidade no Travessão Carvalho
Ao contrário do que acontece no Rio Grande do Sul, em Flores da Cunha a quantidade de produtores inseridos no Programa de Agroindústria Familiar ainda é pequena. De acordo com o escritório local da Emater, hoje existe apenas uma agroindústria familiar devidamente inscrita: a Silber Doces, localizada no Travessão Carvalho, em Otávio Rocha, que produz geleias, chimias, compotas e cristalizados de mirtilo e outras frutas. Há sete anos, a proprietária do empreendimento, Maria Aparecida da Silva Bernardi, 43 anos, decidiu investir na plantação de mirtilos, uma ideia inovadora para a época. Em uma área de um hectare e meio a família plantou 3,2 mil plantas, ao custo de R$ 5 cada, um investimento alto, já que o terreno também precisou de um sistema de irrigação.
O sonho era ganhar dinheiro vendendo a fruta in natura. Três anos após houve a primeira colheita, que rendeu 2 mil quilos. Ao tentar colocar o produto no mercado, percebeu que a realidade era bem diferente do que havia imaginado. Para decepção da família, a fruta não era conhecida no mercado e a aceitação não foi satisfatória. “Nas primeiras colheitas congelamos a fruta para tentar vender durante o ano. Depois, vinha a próxima safra e o que tinha guardado era jogado fora. Assim foi por dois anos”, relata Maria. Na busca de uma solução para o problema, a agricultora teve a ideia de montar uma agroindústria. Inicialmente, começou a produzir geleias de mirtilo, que eram doadas às amigas ou vendidas a preços simbólicos.
Aos poucos os doces ficaram conhecidos e a procura aumentou. Veio também a primeira participação na Feira de Inverno, onde apresentou e comercializou seus produtos para um público maior. “Ali vimos que a ideia da agroindústria poderia dar certo. Então, fomos à busca de orientação da Emater-RS e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR). Descobrimos que existiam programas de incentivo ao pequeno produtor, que disponibilizavam financiamentos, com juros baixos, mas que era preciso adequar o espaço às normas higiênico-sanitárias.”
Maria Aparecida buscou a adequação e a legalização de sua agroindústria, o que ocorreu há cerca de um ano. Inserida no Programa de Agroindústria Familiar, a Doces Silber, uma mescla do sobrenome dela e de seu esposo, Luiz Bernardi, conseguiu o financiamento por meio do Mais Alimento. O dinheiro foi aplicado na construção da estrutura física. Contudo, a compra de equipamentos para a modernização do negócio foi feita com recursos próprios. Após, veio a capacitação para o processo de fabricação, realizada no Centro de Treinamento de Fazenda Souza (Cefas), onde recebeu apoio da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetag) para a participação em diversas feiras.
Hoje, a agricultora vende metade de sua produção de mirtilos, que é de 6 mil quilos, para uma grande rede supermercadista e, o restante, é industrializada em forma de geleias, compotas e caldas. Já a produção de doces é comercializada na própria agroindústria, em algumas lojas de Flores da Cunha e Santa Catarina e nas feiras que a Doces Silber participa. Na opinião da produtora, embora a concorrência para colocar a fruta no mercado seja grande, o resultado está sendo satisfatório, pois a agroindústria tem um diferencial: investiu na produção orgânica de mirtilos. “Estamos trabalhando há apenas um ano, mas digo que está valendo a pena. A competição é grande, mas temos espaço no mercado, pois nossos produtos são diferenciados. Além da satisfação pessoal, financeiramente também está valendo a pena: já temos um retorno positivo”, constata.
Futuramente, a intenção é ampliar a plantação de mirtilos, caso consigam o registro para a elaboração de sucos, dentro do Programa de Agroindústria Familiar. “Quando iniciamos foi muito difícil. Não existiam outras agroindústrias no município, somente as de vinhos, mas para esse segmento são aplicadas outras leis. Então, não tínhamos muita informação. Tivemos que nos virar sozinhos. Cada coisa que íamos fazer era uma pedra no caminho. Hoje os órgãos estão capacitados para orientar os novos produtores. Além disso, o processo é mais fácil do que imaginamos. Vale legalizar a agroindústria. As vantagens são muitas”, argumenta a empreendedora rural.
Investindo também em capacitação
A ideia de promover a legalização e a organização das agroindústrias familiares nasceu dentro do Conselho Regional de Desenvolvimento da Serra (Corede-Serra) no ano de 1992. O Programa de Agroindústrias do Corede-Serra ganhou adeptos e, em 1996, por meio do Polo de Modernização Tecnológica, originou o Centro de Treinamento de Fazenda Souza (Cefas), localizado no distrito de Fazenda Souza, em Caxias do Sul. Criado com o objetivo de capacitar os agricultores, técnicos e trabalhadores em agroindústrias em tecnologias voltadas ao processamento da matéria-prima produzida na sua propriedade, o Cefas é coordenado por quatro instituições: a prefeitura caxiense, a Universidade de Caxias do Sul (UCS), a Emater-RS e a Federação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro).
Atualmente, o Centro realiza cursos de processamento de frutas e hortaliças e estudo de mercado (módulos doces e salgados), processamento artesanal de laticínios (módulos 1 e 2) e boas práticas de fabricação. O Cefas também está credenciado a realizar cursos de Boas Práticas de Fabricação, o que é uma exigência dos coordenadores do Programa de Agroindústria Familiar, para que o interessado possa se inscrever no mesmo. A partir de julho de 2012 o Centro passará a oferecer também capacitação na gestão de agroindústria.
Segundo o coordenador do Cefas, Ricardo Capelli, em 16 anos de funcionamento, o espaço realizou mais de 400 eventos, entre palestras e oficinas, e capacitou cerca de 4 mil pessoas. “O Centro possui toda a infraestrutura de alimentação e hospedagem. O aluno chega na segunda-feira e fica até sexta-feira recebendo o treinamento que é 100% prático. Os cursos ministrados aqui têm duração de uma semana, 40 horas-aula”, explica o coordenador.
O Cefas está com inscrições abertas para o primeiro curso (Boas Práticas de Fabricação), que ocorrerá de 9 a 13 de abril. Até o final do ano serão 23 cursos ministrados no local. As inscrições podem ser feitas pelo telefone (54) 3223.5633, do Escritório Regional da Emater-RS, ou pelo e-mail capelli@emater.tche.br.
Calendário de cursos do Cefas
Abril
9 a 13 – Boas Práticas de Fabricação (40 horas-aula)
23 a 27 – Proces. de Frutas e Hortaliças – módulo doces (40h/aula)
23 a 27 – Proces.Artesanal de Laticínios 1 (40 horas-aula)
Maio
7 a 11 – Boas Práticas de Fabricação
28/05 a 1º/06 – Processamento de Frutas e Hortaliças – módulo salgados (40 horas-aula)
28/05 a 1º/06 – Proces. Artesanal de Laticínios 2 (30h/aula)
Junho
18 a 22 – Proces. de Frutas e Hortaliças – módulo doces
18 a 22 – Processamento Artesanal de Laticínios 1
Julho
9 a 13 – Gestão de Agroindústria (16 horas-aula)
30/07 a 3/08 – Proces. de Frutas e Hortaliças – módulo salgados
30/07 a 3/08 – Processamento Artesanal de Laticínios 1
Agosto
13 a 17 – Boas Práticas de Fabricação
27 a 31 – Proces. de Frutas e Hortaliças – módulo doces
27 a 31 – Processamento Artesanal de Laticínios 2
Setembro
10 a 14 – Boas Práticas de Fabricação
24 a 28 – Proces. de Frutas e Hortaliças – módulo salgados
24 a 28 – Processamento Artesanal de Laticínios 2
Outubro
1 a 5 – Gestão de Agroindústria
22 a 26 – Proces. de Frutas e Hortaliças – módulo doces
22 a 26 – Processamento Artesanal de Laticínios 1
Novembro
5 a 9 – Proce. de Frutas e Hortaliças – módulo salgados
5 a 9 – Processamento Artesanal de Laticínios 2
5 a 9 – Boas Práticas de Fabricação
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