Um tabu que precisa ser quebrado
No ‘Setembro Amarelo’ saiba o que fazer para prevenir uma das maiores causas de mortes do mundo
“Pensei várias vezes em me matar. Não aguentava mais a minha vida. Mas minha família olhou por mim e me ajudou, juntamente com a minha psicóloga. Foi difícil, mas hoje estou bem”, conta uma florense, que por diversas vezes pensou em se suicidar. No ‘Setembro Amarelo’, mês dedicado a debater o suicídio, a florense quebrou um dos tabus que mais rondam o tema e falou sobre suas tentativas de suicídio. Foi justamente para incentivar as pessoas a falarem abertamente sobre isso que desde 2015, o mês de setembro é dedicado a falar sobre o tema com mais ênfase – o dia 10 é considerado o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. Durante o Setembro Amarelo, o município realiza algumas atividades visando conscientizar sobre o suicídio e como isso pode ajudar na prevenção (veja no quadro).
O suicídio é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma questão de saúde pública que cresce ano a ano. Segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2007 e 2016 foram registrados 106 mil casos de suicídio no Brasil – uma taxa de 5,3 pessoas a cada 100 mil habitantes. No Rio Grande do Sul, os dados são ainda mais preocupantes. A cada 100 mil habitantes, 11,6 morrem por suicídio no Estado – no total, são cerca de 1,3 mil óbitos ao ano. Em Flores da Cunha, no ano de 2019, um caso foi registrado. Nos últimos nove anos, 21 pessoas tiraram a própria vida em solo florense segundo os dados da Secretaria Estadual da Saúde – o número, pode ser maior, já que muitos casos acabam sendo diagnosticados em outros índices de morte, como acidentes ou violência.
De acordo com a psicóloga Rejane Graciela Pelizzer Dallarosa, que tem formação em Lutos e Perdas e Avaliação Psicológica, questões morais, religiosas e culturais ainda interferem no “freio” de falar sobre o tema, além da falta de conhecimento. “O desejo de tirar a própria vida traduz a presença de sofrimento psíquico, cujos sinais podem ser mais ou menos evidentes. O suicídio é um fenômeno multicausal, ou seja, não tem uma única causa definida, mas é influenciado por uma combinação de fatores. Dentre eles, destaca-se a presença de transtornos mentais, bem como questões culturais, genéticas, psicodinâmicas existenciais e ambientais”, afirma.
A psicóloga Virginia Toni Felippetti salienta que o suicídio ainda é visto como um fracasso, tanto da família, que não conseguiu auxiliar a pessoa, quanto do próprio suicida, de se sentir inútil frente as suas angústias e problemas. “Isso vai desencadeando crises muito fortes das quais a pessoa não consegue mais enxergar um final feliz, uma esperança. Por isso é importante analisar os fatores e com o auxilio de profissionais resignificar as questões que podem estar acompanhando a pessoa desde a infância”, salienta Virgínia.
De acordo com pesquisas da OMS, cerca de 56% das pessoas que se suicidam ou tem um problema mental importante, como a depressão, ou problemas com drogas. A psicóloga Rejane destaca que o ato suicida não implica no desejo de findar a vida, mas na intenção de acabar com a dor emocional que não consegue suportar. “É sempre um tardio pedido de ajuda”, declara.
Internet como incentivadora
O uso da internet tem sido apontado como um dos motores para práticas suicidas e de autoagressão, principalmente entre jovens. Conforme Rejane, a comunicação online pode assumir função pró-suicida, facilitando o acesso ao conteúdo sobre o suicídio, sobre método e encorajamento. Contudo, ela também pode operar de modo preventivo, oferecendo acolhimento, informação e ajuda. “Tendo em vista que o público jovem apresenta mais vulnerabilidade de acesso aos meios digitais, destaco a importância de aumentar a visibilidade de sites de prevenção deste tema”, afirma.
Conforme a psicóloga Virgínia, a família precisa estar atenta aos conteúdos acessados na internet, com quem se conversa e o que compartilha. “Percebemos que é difícil os pais terem acesso a isso, pois muitos jovens não permitem que os responsáveis observem. Então, muitas famílias ficam reféns, sem conseguir ter acesso a esses conteúdos e quando percebe o jovem já está muitas vezes inserido num contexto delicado e perigoso”, informa.
Como ajudar
O suicídio é um fenômeno que pode afetar indivíduos de diferentes origens, faixas etárias, condições socioeconômicas, orientações sexuais e identidades de gênero. Mas, ele pode ser prevenido, e saber reconhecer os sinais de alerta é o primeiro passo. “Embora não existam causas determinantes para o ato de tirar a vida, algumas características podem constituir importantes sinalizadores. Além disso, mudanças importantes de comportamento ou de rotina sem motivo aparente é sinal de alerta”, ressalta Rejane.
Confira alguns sinais de alerta do comportamento suicida: preocupação com sua própria morte ou falta de esperança; expressão de ideias ou intenções suicidas; diminuição ou ausência de autocuidado; mudanças na alimentação e/ou hábitos de sono; uso abusivo de drogas/álcool; alterações nos níveis de atividade ou de humor; crescente isolamento de amigos e família. Para jovens devem ser sinais de alerta a diminuição do rendimento escolar; autoagressão; mudanças no vestuário para cobrir partes do corpo (por exemplo, vestindo blusas de manga comprida); e relutância em participar de atividades físicas que antes eram apreciadas, particularmente aquelas que envolvem o uso de shorts ou roupas de banho, por exemplo.
Os familiares e os amigos precisam tentar alertar as pessoas para buscar ajuda com profissionais, mostrar que existem recursos que podem reestabelecer a sua autoestima e a sua força interior. “É preciso dar atenção. Quando a pessoa consegue uma rede de apoio e percebe que dificuldades na vida existem, mas que ela tem condições de suportar e de evoluir são importantes. Ela precisa sentir que não está sozinha”, diz a psicóloga Virgínia.
Atividades em Flores
Durante o mês de setembro, a Secretaria da Saúde promove algumas ações, como um flash mob, que falará sobre o Setembro Amarelo, além de distribuição de girassol para os pacientes que aguardam atendimento no Centro de Saúde Irmã Benedita Zorzi. Nas Unidades Básicas de Saúde, estão sendo distribuídos informativos sobre o tema, com dados, sinais e orientações. No CAPS, a temática está sendo abordada com os pacientes em atendimentos individuais, em grupos e oficinas terapêuticas.
Quem já passou por isso
“Num primeiro momento a gente não nota que está com depressão, mas minha filha e minha irmã perceberam e me aconselharam a buscar ajuda. Eu tinha uma tristeza muito grande e cada vez ficava pior. Passei por duas internações, mas quando voltava para casa, tudo começava novamente. Tinha muitos problemas familiares e eu percebi que não dava para continuar como estava. Ficava muito triste e desanimada, muita gente não me dava ‘bola’, e neste período faleceu meu pai. Foi aí que tudo desabou. Eu era muito apegada a ele, ele era tudo pra mim, e só pensei em me matar, eu não tinha mais vontade de viver. Tinha tudo planejado, sabia como fazer, mas quando chegou na hora não tive coragem. Então, fui falar com minha psicóloga que me mostrou o lado bom da vida. Eu tinha uma neta que precisava de mim e foi ela que me ajudou a sair do ‘fundo do poço’. Aí as coisas começaram a mudar. Hoje estou 80% bem. Tenho meus dias ruins e meus dias bons, mas só penso que minha neta precisa de mim. Então, continuo aqui bem por ela”.
- Depoimento de uma florense que pensou em se suicidar diversas vezes.
“Falar de perdas é sempre muito difícil, principalmente perda por suicídio, porque nos sentimos impotentes e cobrados por não ter feito o possível e também o impossível, evitando chegar neste ponto. Realmente, a depressão é uma doença que se alastra em todas as famílias, e o suicídio não se dá de repente. Ronda a cabeça do doente por muito tempo. Se um relacionamento com pessoas é difícil e exige cuidado, imagina um relacionamento negativo com sua mente diariamente. Os pensamentos condenam, cobram, e, principalmente, culpam por tudo o que acontece de negativo ao seu redor. Então, esse pensamento programa, planeja, até se concretizar – o suicídio. Foi isso que vivi com minha irmã, sendo que quando ocorreu, em 2013, ela se encontrava em um momento bom para nossos olhos, porque ela já tinha tido dias muito piores. Por isso, é muito importante o acompanhamento médico, com especialistas na área, mas também o auxílio espiritual. O depressivo vive diariamente suas dores, física e emocional, mas é difícil de ser percebida e auxiliada pelas pessoas que o rodeiam. Mas, acredito que nossa ligação é muito maior do que os anos que aqui convivemos, e isso me motiva”.
- Depoimento de uma florense sobre a dor do suicídio de sua irmã.
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