Um retorno necessário
Os traumas e as mudanças na rotina dos alunos neste momento de volta às aulas
Falar de normalidade é estar longe da realidade. Nas escolas o clima inspira cuidados. Há quem não confie no retorno e prefira adiar a volta aos estudos, e tem quem crê no processo de desenvolvimento e quer a evolução dos filhos com a orientação presencial dos professores. São os prós e os contras de um momento salutar jamais vivido antes.
Em Nova Pádua, na Escola de Educação Infantil Professores Bortolo Bigarella e Idalino Vailatti, as atividades retornaram nesta semana e o pequeno Caetano Boscato Piccoli, de apenas 5 anos, munido de todos os equipamentos de segurança, voltou para a sua rotina escolar. A mãe, Graziela Boscato, que o acompanha até a porta da escola, enfatiza: “para mim, lugar de criança é na escola”. Graziela revela que esse longo tempo em casa mudou toda a rotina de Caetano. “Esse período em casa impactou muito. Ele come em horários diferentes, faz as atividades em horários distintos, porque nem sempre podemos estar presentes no mesmo momento todos os dias. E agora, nesse retorno, ele sofre demais e não quer estudar”, conta.
Conforme a psicóloga Rochele Sachet Antoniazzi, os hábitos e a disciplina na hora de realizar as atividades em casa são primordiais para que as crianças não sintam o impacto da volta. “É imprescindível e necessário a organização e o zelo pela rotina das crianças. Nós, adultos e pais, temos a obrigação de orientar as crianças e adolescentes com relação aos horários das atividades que são essenciais para a sua organização mental e que servirão de base para estruturação cerebral em todo os seu desenvolvimento: cito a hora de dormir, a hora das refeições e a hora de estudar. Essas regras partem da família e serão reforçadas pela escola”, enaltece.
E essa falta de rotina pode ser um elemento determinante no agravo de doenças nas crianças e adolescentes e no crescimento exponencial de transtornos psicológicos em todas as faixas etárias. “Na prática, com relação à situação de lidar com a Covid-19, percebe que as crianças estão com um medo, às vezes exagerado, da contaminação. O mesmo medo que protege é o que faz os pequenos travarem. Estamos vendo muitos jovens com síndrome do pânico, grandes tendências a transtornos de ansiedade significativos desenvolvidos neste período de tantas incertezas e indefinições”, salienta Rochele.
E as mudanças são em todos os segmentos. Nas escolas, professoras e diretoras estão diariamente em processo constante de reinvenção, seja nas atividades pedagógicas ou de socialização. “Sempre trabalhamos na cabecinha deles a questão do compartilhamento e do emprestar e o movimento agora é ao contrário, o que causa uma estranheza. Mas os pequenos são uma esponja, absorvem e aprendem com facilidade tudo”, relata a diretora da escola paduense Marisangela Beazuti Triaca. A diretora da escola Rio Branco, de Flores da Cunha, Priscila Gelati Tronco Betanin, acrescenta “como os alunos tiveram por muito tempo o acompanhamento dos pais em casa ou de alguém auxiliando, parece que eles perderam a autonomia do ser aluno, da busca. Assim, o professor acaba tendo que estar mais perto ajudando”, declara.
Uma nova realidade
Em Flores da Cunha, as aulas também retornaram, mas ainda com alguma resiliência dos pais. Priscila Daniele Cavagnolli, mãe de Juan Vítor, 12 anos, e de Sophia, 11, que estudam na Escola Municipal Rio Branco, da Linha Cem, preferiu não levar os filhos para a escola. “Em fevereiro eu optei pelas aulas presenciais no formato híbrido, porém, com o agravo da situação da pandemia, eu decidi deixá-los em casa”, afirma Priscila.
Os relatos das famílias diante desse momento são os mais diversos, mas com os filhos em casa, os pais acabam deixando de lado as suas prioridades para acompanhar os afazeres da escola. “Precisamos estar abertos e nos render a algumas situações que normalmente eles gostariam de compartilhar com amigos e colegas. Eu precisei passar a aceitar as sugestões deles e deixar as minhas preferências um pouco de lado para eles terem autonomia. Nunca esperava que um dia eu fosse assistir animes japoneses com eles”, relata Priscila com risos.
Contrapondo a opinião de deixar o aluno em casa, a comerciante Mara Cavagnolli, mãe de Lucas, 7, e Pedro, 4, diz que os filhos ficavam ansiosos em casa e desprendiam com facilidade a atenção das atividades online propostas pela escola. “O Pedro, durante as aulas em casa, ficava sempre mais disperso, não rendia, não fazia as atividades, sentia sono e começava a reclamar. Na escola, com a autoridade do professor, ele aprende mais”, diz a mãe bastante confiante nos protocolos. “Eu sou a favor da volta, mas é tão triste quando eu os vejo sem poder abraçar, tocar, ficam separados nas mesas, nos bancos, um longe do outro. Mas nesse momento é preciso”.
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