Geral

Um espetáculo comunitário e religioso

Corpus Christi e Frei Salvador tornaram Flores da Cunha o centro do turismo religioso

1964. Essa é a data em que teve início em solo florense a tradição dos tapetes de serragem colorida em Corpus Christi. Quem diria que, além de ser o maior produtor de uvas do Brasil, de ser a terra do Galo, Flores da Cunha também seria referência em Corpus Christi?
A ação teve como organizadora irmã Alberta, da Congregação das Irmãs São José. Na época ela era diretora da escola São Rafael e iniciou a confecção dos tapetes, com serragem, com a ajuda dos alunos da escola e com a colaboração das Filhas de Maria e Juventude Florense.
“Estava cursando o último ano ginasial, como era chamado na época, Ginásio São Rafael. Foi a partir dali que nosso grupo de quarta série, coordenado pela Diretora Irmã Alberta deu início as ornamentações das ruas pela passagem de Corpus Christi, ideia dada pelo então prefeito da época, Raimundo Paviani”, conta Zanete Oldra.
Desse ano em diante, a procissão de Corpus Christi em Flores da Cunha passou a ser atração regional. 
A ideia de Paviani sobre a realização do evento iniciou em 1962 quando estava em Santa Catarina e viu as ruas enfeitadas na cidade de Indaial. Ao voltar para Flores da Cunha procurou a Irmã Joana Margarida para contar o que tinha visto. Somente dois anos depois, quando Raymundo retornou à prefeitura para seu segundo mandato, o sonho virou realidade: Joana e Paviani procuraram a Irmã Alberta que assumiu a organização.
Sonia Montanari, em artigo publicado no Jornal O Florense de 1989, conta como foi a preparação da Festa de Corpus Christi: “Na noite de 28 de maio de 1964, às 24h pontualmente, um grupo de ginasianos, liderados pela Irmã Alberta, iniciaram a confecção dos tapetes. Entre trabalhos e risos ouviam-se os gritos de Orfeu Oliboni chamando pela Silvana, Maria Helena, pela Mirta, pelo Romeu Baldissera e por tantos outros alunos que, de mangas arregaçadas, trabalharam a  noite toda. Ainda a Janete e a Eliane, que chegaram ao amanhecer e foram recebidas pela Irmã Alberta com um minúsculo sorriso. Mesmo assim, também trabalharam, pois os ornamentos terminaram de ser feitos pouco antes da procissão”. 
Nos anos seguintes, a procissão de Corpus Christi continuou a ser realizada, porém nem sempre foi possível desenvolver os tapetes por causa da chuva. 
A retomada da confecção dos tapetes coloridos para a festa de Corpus Christi deu-se em 1989. Naquele ano, o Frei Aloisio Persici e o então secretário de Cultura e Turismo, Carlos Raimundo Paviani, selaram uma parceria entre paróquia, prefeitura e entidades que dura até os dias atuais. Paviani conta que ao procurar Frei Aloísio para propor a volta da confecção dos tapetes coloridos, ele foi taxativo: “eu apoio, contanto que, na mesma data, façamos a Romaria ao Frei Salvador”, respondeu o Frei. E assim retomaram-se os tapetes coloridos e iniciou-se a Romaria ao Frei Salvador. 
Foi também naquele ano que se desenvolveu uma metodologia para a pintura da serragem. O ex-secretário conta que o pavilhão, onde hoje fica a Escola de Gastronomia da UCS, no Parque da Vindima, estava vazio e lá um funcionário da prefeitura sugeriu usar uma betoneira para tingir a serragem. As primeiras tintas foram doadas pelo então diretor da Indústria de Peles Roma, Ari Koppe, que eram usadas para pintura de tapetes com pele de ovelha.
Para Zanete, que iniciou os trabalhos em Corpus Christi com 19 anos e seguiu até os 60, a religião católica para o povo florense é primordial. “Nada é tão valioso como dedicar-se a um trabalho digno, voltado à beleza, para dar passagem ao que nos é mais sagrado: Cristo na Eucaristia. Uma das maiores demonstrações explícitas de fé”, ressalta ela, que enfatiza que a celebração foi pioneira na região e, com o passar do tempo, foi se tornando conhecido e evidenciado como um passeio turístico religioso.
Sobre o futuro da tradição, Zanete revela: “Tende a se tornar cada vez maior, uma vez que o ser humano sente necessidade de ir em busca de algo maior, pois a vida é efêmera e somente a fé em Deus nos tranquiliza”, finaliza.
Outra florense bastante atuante na cerimônia religiosa é a ex-secretária de Turismo, Indústria, Comércio e Serviços de Flores da Cunha, Fátima Ortiz, que destaca o trabalho voluntário e a fé do povo. “É um momento tão bonito e esperado por todos. E além dessa parte religiosa, se tornou um evento turístico religioso, somos sempre referência, e é muito importante saber que temos um trabalho muito bonito e que é reconhecido”, relata Fátima, que desde 2005 coordenou o projeto. Foi ideia de Fátima, na época, começar a fazer tapetes de divulgação do evento em outras cidades, como no Parque da Redenção, no Palácio Piratini e na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre; em hotéis da região das Hortênsias e também Vale dos Sinos; na Igreja São Pelegrino, em Caxias do Sul; entre outros. 
Hoje Flores da Cunha já é consolidada na sua tradição e há anos tem sido foco de matérias jornalísticas em diversas redes nacionais de televisão, projetando nacionalmente o município pela organização, participação comunitária e expressão da religiosidade.

Turismo religioso
A principal característica do turismo religioso é a ética que influencia o comportamento dos turistas, que busca ser ponte no diálogo entre as civilizações e as culturas, já que permite trabalhar as relações de paz entre os povos e promove um turismo solidário. Outra tendência é a aposta econômica e social devido à sua dimensão e variadas formas e possibilidades.
O escritor Robert Lanquarto sustenta que o turismo religioso pode contribuir com o desenvolvimento local, com o incremento positivo da economia, da cultura e da qualidade de vida da população local, por se tratar de um segmento que apresenta um crescimento significativo em decorrência da necessidade do homem de ampliar sua visão de mundo e refletir sobre a sua própria condição. Sem dúvida, o turismo religioso é uma ferramenta de diálogo entre culturas e religiões, como diz o autor.
Mas, para o escritor Carlos Alberto Maio, deve-se destacar que a sustentabilidade do turismo religioso deve ser enfocada sob dois aspectos: em primeiro lugar para que a cultura religiosa não venha a perder o seu sentido enquanto manifestação de fé e em segundo lugar para que essas atividades não se transformem em um movimento de massa, descaracterizando a sua essência.

Origem antiga
A primeira Procissão de Corpus Christi aconteceu em 1246, realizada pelo bispo Roberto de Thourotte. Em 1264, o Papa Urbano IV introduziu a festa de Corpus Christi. A procissão eucarística teve início na cidade de Colônia, na Alemanha e difundiu-se em toda a Europa e no mundo inteiro. 
Com o passar dos tempos, as famílias por onde passava a procissão, começaram a ornamentar as casas com tapetes, panos coloridos e até com capitéis improvisados. O sacerdote passava carregando o Santíssimo Sacramento e abençoava o povo. Posteriormente, iniciou-se o costume de ornamentar as ruas com tapetes e quadros alusivos ao grande mistério da Eucaristia. 
 

 - Arquivo O Florense
Compartilhe esta notícia:

Outras Notícias:

0 Comentários

Deixe o Seu Comentário