Suicídio: a importância do diálogo
No ‘Setembro Amarelo’ saiba o que fazer para prevenir uma das maiores causas de mortes do mundo
Nos últimos dez anos 22 pessoas tiraram a própria vida em Flores da Cunha, segundo os dados da Secretaria Estadual da Saúde. O número, porém, pode ser maior, já que muitos casos acabam sendo diagnosticados em outros índices de morte, como acidentes ou violência, por exemplo. Isso ocorre porque falar sobre suicídio ainda é um tabu entre muitas pessoas e famílias.
Foi justamente para reverter esse preconceito que desde 2015, o mês de setembro é dedicado a falar sobre o tema com mais ênfase – o dia 10 é considerado o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. Durante o Setembro Amarelo, o município realiza uma série de atividades nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) visando conscientizar sobre o suicídio e como isso pode ajudar na prevenção.
De acordo com números da Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil ocorre um suicídio a cada 45 minutos. Atualmente, o país é o 8º em números absolutos de suicídios no mundo. No Rio Grande do Sul, os dados são ainda mais preocupantes. A cada 100 mil habitantes, 10,1 morreram por suicídio no Estado em 2017. No total, são cerca de mil óbitos por suicídio a cada ano no Rio Grande.
Para a OMS, 90% desses casos podem ser prevenidos por meio do diálogo. “Embora muitas pessoas não queiram falar sobre o suicídio, conversar francamente sobre o tema, identificar sinais de riscos e procurar ajuda especializada são as melhores formas de enfrentar o problema. É importante ressaltar que o ato suicida não implica no desejo de cessar a vida, mas na intenção de acabar com a dor, que não se pode suportar e é sempre um tardio pedido de ajuda. Por isso, falar sobre o suicídio é intervir a forma a salvar vidas”, explica a psicóloga Rejane Graciela Pelizzer Dallarosa, que tem formação em Lutos e Perdas e Avaliação Psicológica.
É comum que os pais ou familiares evitem falar sobre suicídio com os filhos, na tentativa de minimizar a importância percebida pelo adolescente de um determinado problema que observam. Para se ter uma ideia, provocar o fim da própria vida está entre as principais causas das mortes entre jovens de 15 a 29 anos. Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) apontou que ao longo da vida 17,1% dos brasileiros “pensaram seriamente em por fim a própria vida”, 4,8% chegaram a “elaborar um plano para isso”, e 2,8% efetivamente tentaram o suicídio. “A vulnerabilidade desta fase, a desesperança, a falta de apoio social, as expectativas frustradas, a ausência afetiva nas relações interpessoais, as redes sociais associadas a um contexto de transtorno mental podem ser considerados fatores de riscos. Os adolescente ainda não possuem plena maturidade emocional e estão mais propensos ao imediatismo e à impulsividade”, pontua a psicóloga.
E não são somente os jovens que não conversam sobre o assunto, pessoas de qualquer idade podem ter dificuldades de falar sobre o suicídio. Porém, o diálogo pode abrir caminhos e novas perspectivas e até alertar a outra pessoa para tomar medidas mais drásticas para solucionar a situação.
Por isso, é tão importante que a sociedade como um todo, a família, os amigos, a escola, estejam atentos aos sinais e preparados para discutir o tema, acolher, orientar e encaminhar a pessoa para um tratamento o qual trará um novo olhar sobre a vida e a vontade de prosseguir. “O suicídio ainda é permeado de preconceito e tabu. O modo como é entendido e pensado irá definir os limites e as possibilidades de intervenção. O que devemos compreender é que o papel social tem grande importância. Acolher e instrumentalizar-se para validar os sentimentos das pessoas, prestando atenção nos fatores de risco é um meio adequado de minimizar esses índices”, diz Rejane.
Sinais
O suicídio vem, muitas vezes, de um estado depressivo, que, por sua vez, pode ser causado por inúmeros gatilhos, como falta de dinheiro, problemas amorosos ou familiares, solidão, entre outros fatores que podem levar ao ato.
De acordo com a psicóloga Rejane, embora não existam causas determinantes para o suicídio, algumas características são grandes sinalizadoras. Por isso, familiares amigos precisam estar atentos às mudanças de hábitos cotidianos, alterações acentuadas de sono, grande perda ou ganho de peso, isolamento afetivo, descuido com a aparência e higiene pessoal, ansiedade, abandono de situações que antes proporcionavam prazer, oscilações de humor e a expressão clara do desejo de morrer.
De acordo com pesquisas da OMS, cerca de 56% das pessoas que se suicidam ou tem um problema mental importante, como a depressão, ou problemas com drogas.
A dor de quem fica
Tão permanente quanto à morte é a lacuna que ela deixa. Quem enfrenta o suicídio de um parente ou um amigo sobrevive em luto. O impacto da perda é grande e por isso é importante que a família procure ajude de um profissional para prestar um apoio psicológico, já que muitos sentimentos podem vir à tona, como culpa, raiva, perplexidade. Conforme a psicóloga Rejane, muitos sentimentos fazem parte do processo de luto e a forma de lidar com a dor da perda. “Embora cada família e sujeito passe pelo processo de luto de forma singular, o estigma e o preconceito em relação ao suicídio podem interferir negativamente na forma como este é vivido pelos familiares”, aponta a psicóloga que afirma que compartilhar a dor, buscar auxílio profissional, aceitar apoio e acolhimento são algumas atitudes que amenizam a dor da perda. “O psicólogo, atento à contextualização das famílias enlutadas, oferece acolhimento e continência por meio de uma atuação empática. Possibilita ainda vazão dos mais diversos sentimento, a dissipação de fantasia de culpa e a validação da dor da perda, viabilizando sua elaboração”, explica a psicóloga, que foi coordenadora participante do Grupo de Apoio a Pais Enlutados Anjos de Luz de Flores da Cunha.
Depoimento
“No dia 8 de setembro de 2013 perdi minha esposa. Faz cinco anos que ela se suicidou. Ela tinha depressão, se tratava com psiquiatra e psicólogas. Tinha 27 anos e era uma pessoa muito animada, bem extrovertida. Logo que percebemos os sintomas começamos os tratamentos, mas um dia antes do ocorrido ela estava bastante triste. Tinha um olhar diferente, mais profundo. Tentei conversar, ligar para os médicos, mas ela não quis. Eu precisava apoiá-la, mas não queria forçar ela a nada. No dia que ela faleceu, ela ficou trancada, não saia do quarto, não comia, e foi quando ela escreveu a carta. Ela deixou uma carta contando tudo o que ela sentia dentro dela, que era uma dor sem explicação, como se ela estivesse em um deserto e ninguém estava lá pra ajudar ela. Porém, ela queria me ver feliz. Nós estávamos planejando ter um filho e ela nunca tinha falado em se suicidar. Sempre disse que jamais iria fazer isso. Eu fiquei sem chão. Tenho certeza e, pelo que ela deixou escrito, que jamais queria fazer isso. Ela só queria se livrar da dor. Eu fico ainda mexido porque ela era muito jovem e foi um quadro recente de depressão. Foram três anos e cada vez decaindo mais. Quando socorremos, ela nos disse que queria morrer. Que não se arrependeu e que não queria mais sentir dor. Com tudo isso, aprendi uma coisa: nunca fique contra uma pessoa com depressão, sempre é preciso apoiar. Tenho ainda momentos de fraqueza, mas o que me tranquiliza é a carta deixada por ela. Que era pra mim ser feliz e seguir em frente. Não precisamos ter medo de falar sobre esse assunto, porque depressão mata e precisa se dar atenção. Assim vamos salvar muita gente”.
- Relato de um florense sobre a dor do suicídio de um familiar.
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