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Reaquecendo os motores

Empresas de transporte escolar podem, enfim, tirar os carros da garagem com a volta às aulas

O retorno do ensino presencial devolveu os alunos às classes e cadeiras das salas de aula, mas também aos bancos dos ônibus escolares do município. Para as empresas de transporte de Flores da Cunha, a volta dos estudantes da Educação Infantil ao 9º ano ocorrida ontem, quinta-feira, dia 29, após o decreto estadual, representou o reaquecer dos motores depois de mais de um ano parados, lutando pela sobrevivência. 
“Ano passado, foram praticamente 10 meses sem trabalhar. Dentro do transporte escolar, nós trabalhamos somente 10 meses por ano, porque não há aulas em janeiro e tem as férias no meio do ano”, relata o sócio-proprietário da Trans Carraro, Daniel Novello Tonello. Também sócio-proprietário da empresa, Mauricio Carraro conta que a empresa cogitou devolver as linhas para a prefeitura: “Imagina ficar um ano sem receita. Nenhuma empresa se mantém tanto tempo assim sem receber. É impagável”.
Em outras empresas, como é o caso da Flor da Serra, o reflexo foram as demissões. Em março do ano passado, o quadro de funcionários contava com 34 pessoas – hoje, ele foi reduzido a 16 empregados, segundo o diretor Milton Antunes de Lima. “Se dependesse do transporte escolar e do coletivo urbano, nós já tínhamos fechado as portas”, revela Lima, que garantiu a sobrevivência alugando sete de seus carros e vendendo outros três – dois ainda estão à venda, que se torna mais difícil em tempos de pandemia.
O proprietário da Trans Giotti, Vicente Giotti, também foi obrigado a vender um de seus ônibus para ajudar a sustentar a empresa, bastante dependente do transporte escolar: dos oito carros, sete são reservados para linhas escolares. “Não é fácil se manter. Tem contas para pagar, tem investimentos nos pneus, na vistoria. Tudo que precisa para voltar a trabalhar. Tudo no aguardo da volta às aulas”, resume Giotti.
Durante o período sem aulas, uma das maiores dificuldades foi a manutenção da estrutura, que se torna mais difícil com os carros parados – e, claro, sem a entrada de dinheiro. “Nós precisamos manter o seguro dos ônibus, o seguro dos passageiros, os veículos. Ainda tem a depreciação dos veículos, a cada ano que passa nós perdemos um monte do valor econômico, eles vão se desvalorizando”,  diz Tonello.
O proprietário da Trans Giotti também enumera as dificuldades: “A manutenção dos carros parados é horrível, porque as baterias vão para o saco. É preciso ligá-los, fazê-los rodar”. O mesmo é dito pelo diretor da Flor da Serra, que hoje conta com 12 dos seus 26 ônibus parados no pátio. “Eu fiquei com 14 carros assim de março a setembro. Quando a gente começou a mexer neles, gastamos R$ 5 mil, R$ 6 mil com alguns. O carro a diesel, quanto mais ele andar, melhor ele é. Carro parado é só depreciação”, explica Lima. 
A indefinição sobre a volta às aulas observada nos últimos meses, que virou uma guerra de liminares entre o Estado e a Justiça, não foi um pesadelo somente para os professores e alunos, mas também para as empresas de ônibus. “Ano passado, a expectativa da volta era de 15 em 15 dias. Começamos da mesma forma esse ano. Sexta, era para nós voltarmos. Sábado, não. Domingo, nós já estávamos voltando de novo. Na segunda, não. Hoje parece que vai voltar”, disse Lima, na terça-feira, dia 27, quando ainda não havia uma definição sobre o retorno.
Assim como as escolas, as empresas de transporte não podem simplesmente voltar: antes, é preciso cumprir uma série de requisitos, como vistoria, protocolos sanitários, abastecimento de combustível e manutenção de veículos. “No começo do ano, a gente foi lá, lavou o ônibus, higienizou, abasteceu, colocou faixa de isolamento entre os bancos, preparou o veículo e não andou. Combustível também envelhece dentro do tanque. Fora os custos que tivemos com vistoria para não trabalhar”, revelam os sócios da Trans Carraro. 
São ao menos três vistorias necessárias para poder atender à legislação: no Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER), em âmbito estadual; no Centro de Registro de Veículos Automotores (CRVA), em âmbito municipal; e na Prefeitura – com validade de seis meses. Todos os gastos foram feitos no ano passado e repetidos neste ano, quando as empresas rodaram por apenas 15 dias. “Comprei um monte de pneus novos para começar. Agora vieram todos os boletos para pagar e está tudo parado, sem receber nenhum centavo”, lamenta Giotti.
A luz no fim do túnel, antes da definição da volta às aulas, foi uma reunião com a prefeitura municipal, realizada na segunda-feira, dia 19, que alinhou a antecipação do pagamento de 30% das linhas às empresas. No entanto, todas elas são unânimes ao dizer que essa é apenas uma solução temporária: “O município vai passar uma porcentagem dessas linhas, mas nós vamos ter que devolver depois esse valor, como se fosse um empréstimo. A longo prazo, não sei como vai ficar”, afirma Milton Antunes de Lima.
O retorno parcial, com o rodízio de alunos, também não é o cenário ideal para as empresas de transporte, que ganham por quilômetro rodado. “Com menos passageiros, um trajeto de 95 km por dia vira um de 60km. Nós trabalhamos com licitação, brigamos por um preço mais baixo, levando em conta a quantidade de quilômetros totais. Muitas vezes não pagava nem o motorista. Não dava prejuízo, mas era ruim”, explica Tonello.
Segundo o sócio-proprietário da Trans Carraro, a solução é a mesma sonhada por todos os brasileiros: a vacinação em massa, que resultaria na volta integral das aulas: “Para um retorno eficiente, ter uma lucratividade legal, voltar ao patamar de antes, é preciso que o ônibus rode os quilômetros que ele foi designado em contrato. Somos totalmente dependentes disso”. 
Mesmo com a vacina, as empresas de transporte escolar terão de enfrentar desafios, como o aumento de 40% no preço do combustível. Mas sem ela, é certo que o cenário de incertezas da pandemia ainda persistirá por muito tempo: “Quanto tempo nós vamos aguentar de portas abertas desse jeito? Hoje, se eu te der três meses, eu não sei. Se te der seis, também não sei”, encerra o diretor da Flor da Serra.
 

 - Pedro Henrique dos Santos
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