Prisões por violência doméstica aumentam em Flores
Número de agressores presos nos primeiros sete meses do ano se iguala a todo o período de 2017, quando três pessoas foram recolhidas aos institutos penais
Passados 12 anos desde a instituição da Lei Maria da Penha, e apesar de algumas modificações feitas recentemente no texto, entre elas a que torna o feminicídio crime hediondo, engrossando o caldo contra os agressores, revela que o endurecimento da lei e da punição aos criminosos não representou redução dos casos. Pelo contrário, aumentou significativamente nos primeiros meses de 2018 em relação aos 12 meses do ano passado em Flores da Cunha. Um diagnóstico de violência doméstica e familiar contra a mulher realizado pela Delegacia de Polícia florense, que atende também ao município de Nova Pádua, revela um crescimento no número de prisões em flagrante do agressor por violência doméstica, no âmbito da Lei Maria da Penha. Em 2017 foram três ocorrências de flagrante, enquanto que de janeiro a julho deste ano os números se igualaram a todo ano passado.
De acordo com a titular da DP de Flores, delegada Aline Martinelli, que está se especializando na área de atendimento a violência no convívio doméstico, a violência contra a mulher é um fenômeno universal e complexo, que atinge inúmeras mulheres independente de classe social, idade, raça ou cor. Conforme a delegada, os crimes ocorrem no espaço doméstico e familiar, o que torna muito mais difícil o rompimento de tais situações. As consequências às vítimas são variadas: físicas, psicológicas e financeiras. “Normalmente os atos progridem de simples ameaças e xingamentos para agressões físicas, podendo evoluir para assassinatos, como ocorreu em novembro do ano passado, quando uma mulher de 36 anos, foi morta pelo suposto amante, no bairro Villaggio, no município. O acusado de 43 anos encontra-se preso preventivamente. Além do assassinato da mulher, houve ainda pelo menos uma tentativa de feminicídio (crime por questões de gênero) em 2017. “Nesse ano não tivemos nenhuma morte ao contrário dos anos anteriores, mas os fatos narrados normalmente são sempre graves e refletem na prioridade de atendimento pelas delegacias”, pontua Aline.
Conforme a delegada, praticamente todas as 110 ocorrências registradas por ameaças e lesão corporal contra mulher em 2017 foram instaurados inquéritos e encaminhados ao Judiciário. De janeiro até 7 de agosto deste ano, quando a Lei Maria da Penha completou 12 anos, foram 68 registros. De acordo com dados da Secretaria da Segurança Pública do Estado, o número de crimes relacionados a violência contra a mulher no município tiveram um aumento de 24% ano em relação ao ano anterior, saltando de 90 ocorrências em 2016 para 112 no ano seguinte.
Segundo a policial, apesar de a lei ter endurecido a pena ao agressor e ampliado o leque de proteção à vítima, com as medidas protetivas, os crimes de ameaças e lesão corporal são a maioria dos casos. “As vítimas evoluem na busca de ajuda optando por meios informais (família, amigos e igrejas) para somente após passar aos meios formais (polícia, Ministério Público, Judiciário). É muito difícil para a mulher tomar a decisão de buscar ajuda. O que percebemos é que a maioria é tomada por sentimentos de vergonha e culpa, bem como possuem medo de retaliações por parte do agressor, uma vez que têm a sensação de que nada será feito e ela terá que voltar para casa. A decisão também leva em conta questões financeiras ou a presença de filhos, sendo que há muitas críticas quanto a ausência de casas de acolhimentos temporárias”, explica a delegada.
Em caso de violência doméstica as mulheres devem procurar os seus direitos, denunciando o caso na DP local ou por meio do telefone 180.
Violência em dados
- 66% dos brasileiros já presenciaram uma mulher sendo agredida.
- 51% viram mulheres sendo abordadas na rua de forma desrespeitosa.
- 40% das mulheres já sofreram assédio.
- 503 mulheres são vítimas de agressão física a cada hora no Brasil.
- 43% das mulheres sofrem agressão em casa e 39% na rua.
- 52% delas não fez nada, 11% procuraram uma delegacia e 13% ajuda de familiares.
-61% dos agressores eram conhecidos, sendo 19% companheiros e 16% ex-companheiros.
- Em média, 12 mulheres são assassinadas por dia no país.
- São 4,4 milhões de casos de agressão ao ano.
- Até julho de 2018, o Rio Grande do Sul registrou 30.965 casos de violência contra a mulher.
Fontes: SSP-RS e Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Da dor a coragem do basta
“Um dia ele chegou em casa bêbado e queria que eu esquentasse o jantar. Me recusei. Foi por causa disso que veio o primeiro soco, seguido pelos diversos chutes nas pernas, na boca, na cabeça e nas costas que me deixaram muitas marcas”. Essa cena ocorreu na noite de 10 de junho de 2018 e simbolizou o ‘dia do basta’ para a desempregada Joana*. Aos 29 anos e mãe de três crianças - dois sendo filhos de seu agressor – sua história é mais uma entre as de muitas mulheres vítimas de violência. Aos poucos, ela tenta esquecer os oito anos de terror vividos ao lado do ex-companheiro e retoma a alegria de estar junto com os filhos e ver eles crescerem em um ambiente sem violência. “Às vezes, meu filho menor (de 3 anos) fecha a mãozinha e começa a me dar socos. São atitudes que ele viu o pai fazendo. Uma vez eu desmaiei durante uma briga e meu filho começou a me puxar pedindo para que o pai parasse”, conta Joana. Os três filhos, de 11, 6 e 3 anos, já frequentam psicólogos para atenuar as cenas de violência vividas antes mesmo deles nascerem. “Quando estava grávida do primeiro filho dele, ele me deu vários chutes na tentativa de eu perder a criança. Ele sempre dizia que era fácil bater em mulher”, frisa. Os relatos envolvem episódios tristes, como agressões aos filhos, móveis de casa quebrados devido a força da violência e pedidos de socorro escondidos.
Os momentos de tortura e agressões começaram logo no início do namoro. Com problemas de bebida, o ex-companheiro agredia Joana também com palavras, que foram ficando na alma, juntamente com as marcas físicas. Para magoá-la, tocava em assuntos delicados, como o fato dela ter sido abandonada pela mãe aos 11 anos, depois de denunciar o padrasto por abuso sexual. “Ele gostava de me ver para baixo e me ofender dizendo que nem minha mãe me quis”, conta.
Por diversas vezes, Joana realizou denúncias contra seu agressor, procurou a polícia, e até teve medida protetiva, mas sempre voltava atrás e continuava a relação. Ora por causa dos filhos, ora por que o companheiro afirmava que ia mudar, ora porque gostava dele. Mesmo com a objeção de familiares que incentivavam Joana a deixa o ex-companheiro ela continuou. “Eu vivia angustiada e apreensiva rezando para que ele não chegasse em casa bêbado. Ou dormia antes dele chegar para ficar quietinha e ele não me bater”, recorda.
Há dois meses ela resolveu dizer ‘chega’. “Na última vez que ele me bateu percebi que não é o que quero para mim ou para meus filhos. O amor acaba e você começa a se cansar de tudo. Meus filhos são agressivos e isso é o reflexo do que eles veem em casa. E não quero essa educação para eles”, desabafa ela, que está tendo acompanhamento psicológico e guarda no celular as imagens da última agressão e que deixaram marcas profundas em seu corpo.
Desde que se separou, Joana tem se sentido mais disposta a recomeçar. Está com um novo namorado, focada no intuito de arrumar um emprego e cuidar dos filhos. Uma medida protetiva foi feita para que o ex não perturbe mais. No último sábado, ele procurou Joana para uma reconciliação, ao ver ela com o novo namorado, tentou mais uma vez agredi-la. “Fiz isso por mim e pelos meus filhos. As cenas dele me batendo ainda passam pela minha cabeça e só quem viveu na pele isso sabe o que é essa dor. As mulheres precisam ter coragem para seguir adiante e denunciar. Tudo se resume a coragem”, aconselha.
*Nome fictício para preservar a identidade da mulher.
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