Padre Zezinho lota o Parque da Vindima
Religioso palestrou no 3º Fórum Regional Educacional, promovido pela prefeitura
Padre Zezinho scj (de Sagrado Coração de Jesus) é conhecido em todo o Brasil por suas canções e por atrair multidões para os seus shows. Em Flores da Cunha não foi diferente. No dia 26, mais de 3 mil pessoas lotaram o Parque da Vindima Eloy Kunz para prestigiar o religioso e a banda Ir ao Povo. Atentos, os simpatizantes ouviram a palestra que teve como tema principal a importância da família na sociedade atual, e vibraram com o show que relembrou os maiores sucessos do sacerdote.
Para a secretária de Educação, Cultura e Desporto, Claudete Gaio Conte, o 3º Fórum Regional Educacional superou as expectativas, cumprindo a proposta inicial do evento de despertar a sociedade para a discussão do tema Educar – Responsabilidades e Limites. “É importante que as famílias estejam atentas aos problemas existentes nos dias atuais e que saibam lidar com eles. Por isso buscamos promover o Fórum, para estimular o diálogo entre a sociedade. Acreditamos que a educação deve ser a bandeira principal não somente de um partido político, mas de toda a sociedade.
Estamos muito satisfeitos com a resposta da população e com a participação do Padre Zezinho. Ele foi muito feliz em tudo o que disse”, avalia. O evento foi prestigiado, ainda, por autoridades florenses e de cidades próximas e por representantes da Igreja Católica de toda a região. O padre da Igreja Santa Fé de Caxias do Sul, Ezequiel Dal Pozzo, também cantou ao público com a banda Ir ao Povo, em um espetáculo à parte.
Para quem não prestigiou o Fórum e a palestra-show, o jornal O Florense traz uma entrevista com o Padre Zezinho, concedida no Hotel Fiorio antes do evento.
O Florense: Sabemos que atualmente a maioria das crianças tem dificuldade em ouvir um ‘não’ dos pais, pois é fruto de uma geração sem limites, acostumada a ter tudo o que deseja. O 3º Fórum Regional propõe o debate sobre essa questão. Partindo dessa premissa, como o senhor acredita que os pais podem estabelecer uma mudança desses parâmetros?
Padre Zezinho: A pedagogia moderna tornou-se assertiva. Ela ensina a pessoa a se afirmar. Isso é bom, mas foi aplicada praticamente no sentido do oprimido, do dominado ou do pequeno e esqueceu que a autoridade, o grande, também tem que se afirmar. São duas personalidades se afirmando, respeitosamente. Hoje temos o fenômeno do triunfo do indivíduo contra a sociedade. Já em casa, há o fenômeno, triste, mas real, do filho tirano, porque ele se afirmou demais. E toda a vez que o ‘eu’ aparece demais, a família aparece de menos, Deus aparece de menos e a sociedade aparece de menos. Nós temos que encontrar um equilíbrio. Que não exista oprimidos e nem opressores. Há de se criar uma filosofia de diálogo, pois parece que a nossa sociedade esqueceu o diálogo e está vivendo a imposição.
O Florense: Como o senhor vê a questão da família nos dias de hoje?
Padre Zezinho: É o primeiro dos diálogos. É onde você, pela primeira vez, descobre o outro, de quem você veio. A criança cresce e, quando toma alguma consciência de si, está diante do outro, que é a mãe, o pai e os irmãos. Conforme vai crescendo, ela vai tomando consciência. Na nossa vida, primeiro vem o outro. Depois vem o nosso pequeno eu e, outra vez, o outro. Esse processo se desenvolve na medida em que nos associamos com a escola, com as amizades e com o casamento. O pior é que muitas vezes nós não educamos a pessoa para essa realidade. O mundo só existe por causa da alteridade. Mesmo assim, nós trabalhamos demais pela autonomia e esquecemos que ela não existe. Nenhum ser humano é suficientemente autônomo. Ele é fruto dos outros para nascer, para viver e até para morrer, pois ninguém se leva ao túmulo. É exatamente a descoberta da alteridade que pode gerar uma sociedade mais humana e mais digna. O que vemos hoje é que o excesso de ênfase no indivíduo destruiu esse imenso valor que é o outro. Se eu não descobrir o outro, nunca vou descobrir o meu eu. Aí que entra a pedagogia, a família, do começo ao fim, e depois a família ampliada, que é a escola, a igreja e a comunidade. Acredito que tudo que pudermos fazer para salvar a família faremos para salvar a sociedade.
O Florense: Nos últimos dias o Brasil presenciou uma cena triste, onde uma criança de 10 anos atirou contra a uma professora e tirou a própria vida. O senhor acredita que esse pode ser um indício de que a família está se desvirtuando? O que falta à sociedade nos dias de hoje?
Padre Zezinho: O caso dessa criança é um mistério. Escapa a qualquer conhecimento que se acumulou a respeito do ser humano. Nada podia levar a conclusão de que esse menino faria isso. Ele tinha bons pais, religiosos. Ali houve um acidente de percurso inexplicável, que permanecerá como mais um dos mistérios do ser humano. No geral, eu diria que 90% das famílias querem o bem dos filhos. Dos outros 10%, acredito que uns 8% são recuperáveis. De negativo mesmo, insanável, acho que não temos mais que 2% das famílias. Penso que 95% delas tentam acertar e mesmo quando a instituição não deu certo, no mínimo 98% dos pais ainda cuidam de seus filhos. Acontece que quando surge uma anomalia muito grande, isso ganha repercussão. Daí ficamos pessimistas porque alguém matou uma mãe ou porque uma mãe matou um filho. É triste. É doloroso, mas estatisticamente é pouco. Então, apesar de todos os problemas, nós temos que ser otimistas. O mundo sobrevive porque ainda existem famílias que se amam e querem acertar.
O Florense: O jovem de hoje vem ser um espelho do que está acontecendo com as famílias?
Padre Zezinho: Estou com Zygmunt Bauman, que fala sobre a perda de solidez nas instituições. Está tudo meio líquido. Não há definições e nem solidez. Portanto, não havendo solidez, não há solidariedade, já que essa palavra vem de sólido. Já o Jean Baudrillard, no seu livro A Transparência do Mal, diz que nós criamos uma sociedade da pós orgia dos anos 1960, onde tudo era permitido, mas hoje não é possível permitir tudo. Na verdade, criamos uma sociedade que não sabe dizer sim, nem não e nem aprendeu a dizer talvez. Nós estamos sem solidez diante das crianças e dos filhos. E quando os pais não têm essa solidez de pensamentos e de sentimentos, porque no fundo não foram educados para isso, quem toma o lugar dos pais e influencia os filhos é a sociedade, a mídia, o traficante ou pessoas que querem tirar vantagem da insegurança e da falta de bom senso, típica das crianças. O pior é que os adultos também estão perdendo o bom senso.
O Florense: Em sua opinião, a mídia tornou-se um meio de formação?
Padre Zezinho: Tornou-se poderosa demais. Não sou a favor de censura, mas sou a favor da capacidade de poder enfrentar o poder da mídia, assim como a religião, políticos e partidos têm de ser enfrentados, pois também existem alguns poderosos demais. Por isso que digo que precisamos de diálogo. Alguém tem que saber ceder de vez em quando. Alguém tem que saber reagir quando um ou outro está sambarcando demais no poder, seja na religião ou na política. A sociedade deve ser poderosa e não alguns grupos.
O Florense: Falando em juventude, em 2013 teremos a Jornada Mundial da Juventude no Brasil. Como o senhor vê esse acontecimento para a Igreja e para os jovens?
Padre Zezinho: Há três aspectos. O primeiro: é preciso chegar até o jovem e esse é um esforço muito grande da Igreja que tem dado certo. O segundo aspecto: o que se faz com esses jovens quando se chega até eles? Aí tem que entrar uma pedagogia sadia e uma psicologia de quem conhece o jovem de hoje. Não podemos chegar até eles, com linguagem de ontem. E o terceiro aspecto: se você vai oferecer espiritualidade, tem que saber a capacidade do jovem de aceitar ou não participar desse movimento. Ele não pode ser levado pelo marketing do momento. Catequese e marketing não combinam bem. Uma é processo e a outra, momento. Então, enquanto processo, penso que a Jornada é muito boa. Só precisamos tomar cuidado para que não fique apenas no marketing.
O Florense: As drogas estão tomando uma proporção muito grande na sociedade. Na sua visão, o que poderia ser feito para inibir essa vilã?
Padre Zezinho: A droga é hoje um dos maiores tormentos dos pais, das igrejas e das autoridades. Qualquer ser humano no exercício do poder terá de se preocupar com isso. É um assassinato. É estado de guerra contra os jovens, principalmente. Também acredito que qualquer religioso terá de arriscar a vida para combater isso, porque não há como libertar os jovens dessa guerra se não houver gente capaz de combater em favor deles. E, finalmente, os pais que são os mais indefesos. Às vezes eles não têm o suporte de uma sociedade para protegê-los. Quando o filho está drogado, o pai pobre não sabe onde interná-lo. Porque não há na região hospitais para atender essas vítimas do bombardeamento constante da droga. Então, a sociedade vai ter de comprar essa guerra. Os militares, os políticos, os religiosos e os pais, cada um fazendo a sua parte.
O Florense: O que impede que isso se torne uma realidade? Quais são os maiores desafios nesse sentido?
Padre Zezinho: O problema mais grave de hoje é que nada mais se faz sem dinheiro. Não é possível ter uma casa de recuperação de drogados se não tiver dinheiro, pois além da construção, é necessário capacitar gente. É preciso dinheiro para comunicar, para a construção de novos hospitais, para escola... Para isso é necessário arrecadar, aplicar e vigiar para que não haja desperdício. Se uma dessas partes falhar não haverá investimentos. Por isso que digo: é preciso politizar a sociedade, pois o brasileiro não está consciente do poder que tem. O povo perdeu a capacidade de indignação. Esse é ouro problema da sociedade.
Como mudar esse quadro?
Padre Zezinho: Precisamos de mães e pais semáforos, que saibam impor limites. Portanto, devolver a autoridade aos pais e não existe autoridade sem diálogo.
O Florense: Mas como retomar essa autoridade?
Padre Zezinho: Isso que vocês estão fazendo no 3º Fórum Regional Educacional, promovendo o diálogo. É interessante que as prefeituras promovam esse tipo de ação, que as igrejas façam isso, não importando a religião. Esse trabalho deve envolver as entidades, as ONGs e as escolas, gerando uma mentalidade de diálogo. Chegamos à conclusão de que discordância não é discórdia. Discordância é bom. O filho tem que poder dizer não para os pais e os pais têm que poder dizer não para os filhos. Os pais devem ceder, mas só um pouco. Quando os pais cedem demais, os filhos saem prejudicados. Então, tem que haver esse equilíbrio de autoridade flexível, mas que não deixa de ser autoridade. O fenômeno do filho ditatorial ou de um adolescente tirano é a consequência de uma sociedade adolescente e tirana, que trocou o ético pelo estético. Hoje vivemos a plutocracia (sistema político no qual o poder é exercido pelo grupo mais rico) e agora estamos diante de um novo parâmetro, o poder da fama. Baudrillard chama esse período de a Era da Excrescência. Ele diz que antigamente vigorava o pensamento pascal: penso, logo existo. Agora é: sou visto, logo existo.
O Florense: O que significa educar hoje em dia?
Padre Zezinho: O Rio Grande do Sul entende isso melhor do que os outros Estados do Brasil, porque essa é uma sociedade afluente. Apesar de todas as crises que o Estado teve, a sociedade conseguiu crescer de uma maneira igualitária, basta olhar as casas das cidades do interior. Então, de onde vem a afluência, também vem a influência. Daí existe o perigo da influência do dinheiro destruir a influência do amor e do afeto. Assim, os filhos passam a avaliar os pais como bancos e os pais passam a educar os filhos como se fossem investimentos. Dessa forma cria-se a sociedade do ter e não do ser. O valor não deve ser econômico, mas sim afetivo e cultural.
O Florense: O senhor acredita que a sua forma de evangelizar, cantando e compondo louvores, é uma maneira de trazer os jovens para dentro da igreja? Essa é uma ferramenta para que a juventude se sinta mais confortável dentro da igreja? Isso tem dado resultado?
Padre Zezinho: Eu comecei isso há 45 anos, quando me tornei padre. Antes disso, quando estudava Teologia nos Estados Unidos, percebi que a música era um fenômeno. A juventude vibrava diante dos Beatles, por exemplo. A música era utilizada, no mundo todo, para politizar os jovens, mas não era usada na religião. Então, comecei a utilizar na religião, para formar a solidariedade e promover o diálogo. A canção é o lado suave da fé.
O Florense: Como foi o seu despertar vocacional?
Padre Zezinho: Essa é uma história interessante que eu nunca pus em livro. Talvez um dia coloque. Eu tive um pai violeiro e cantador. Cresci de cócoras vendo meu pai e meus tios cantando, em um ambiente cultural e de raízes. Depois, fui para os Estados Unidos. Lá morei em um ambiente igual. Em seguida fui para a Europa, onde tive contato com a música italiana, grega e muitas outras. Isso me deu uma visão da melodia mundial e, quando comecei a compor, já tinha isso. Minha música não é localizada. Ela é abrangente. Agrada em qualquer lugar do mundo. Mas eu não procurei isso. Deus me deu. Também leio muito. Tudo isso acaba virando música.
O Florense: Qual é a sua rotina de sacerdote e missionário?
Padre Zezinho: Eu me tornei um estudioso, por convicção, mas também por necessidade. Então, depois de 45 anos como padre, hoje me dedico muito mais à leitura e ao estudo e por isso uso pouco a internet. Também fui professor de comunicação por 30 anos e continuo pesquisando a comunicação humana. Isso tem me levado a escrever muitos livros. No momento estou com oito obras em preparo e três no prelo, fruto desses últimos 15 anos de aulas e de estudo. Hoje estou sendo mais acadêmico do que fui no passado e por isso tenho usado menos tempo para cantar, para pregar e mais tempo para refletir e criar pensamento. Eu diria que hoje sou um aproximador. Meus escritos são todos no intuito de aproximar igrejas, partidos, políticas, famílias e vizinhanças. Acredito muito na palavra aproximar. Me considero um cristão aproximador.
Para a secretária de Educação, Cultura e Desporto, Claudete Gaio Conte, o 3º Fórum Regional Educacional superou as expectativas, cumprindo a proposta inicial do evento de despertar a sociedade para a discussão do tema Educar – Responsabilidades e Limites. “É importante que as famílias estejam atentas aos problemas existentes nos dias atuais e que saibam lidar com eles. Por isso buscamos promover o Fórum, para estimular o diálogo entre a sociedade. Acreditamos que a educação deve ser a bandeira principal não somente de um partido político, mas de toda a sociedade.
Estamos muito satisfeitos com a resposta da população e com a participação do Padre Zezinho. Ele foi muito feliz em tudo o que disse”, avalia. O evento foi prestigiado, ainda, por autoridades florenses e de cidades próximas e por representantes da Igreja Católica de toda a região. O padre da Igreja Santa Fé de Caxias do Sul, Ezequiel Dal Pozzo, também cantou ao público com a banda Ir ao Povo, em um espetáculo à parte.
Para quem não prestigiou o Fórum e a palestra-show, o jornal O Florense traz uma entrevista com o Padre Zezinho, concedida no Hotel Fiorio antes do evento.
O Florense: Sabemos que atualmente a maioria das crianças tem dificuldade em ouvir um ‘não’ dos pais, pois é fruto de uma geração sem limites, acostumada a ter tudo o que deseja. O 3º Fórum Regional propõe o debate sobre essa questão. Partindo dessa premissa, como o senhor acredita que os pais podem estabelecer uma mudança desses parâmetros?
Padre Zezinho: A pedagogia moderna tornou-se assertiva. Ela ensina a pessoa a se afirmar. Isso é bom, mas foi aplicada praticamente no sentido do oprimido, do dominado ou do pequeno e esqueceu que a autoridade, o grande, também tem que se afirmar. São duas personalidades se afirmando, respeitosamente. Hoje temos o fenômeno do triunfo do indivíduo contra a sociedade. Já em casa, há o fenômeno, triste, mas real, do filho tirano, porque ele se afirmou demais. E toda a vez que o ‘eu’ aparece demais, a família aparece de menos, Deus aparece de menos e a sociedade aparece de menos. Nós temos que encontrar um equilíbrio. Que não exista oprimidos e nem opressores. Há de se criar uma filosofia de diálogo, pois parece que a nossa sociedade esqueceu o diálogo e está vivendo a imposição.
O Florense: Como o senhor vê a questão da família nos dias de hoje?
Padre Zezinho: É o primeiro dos diálogos. É onde você, pela primeira vez, descobre o outro, de quem você veio. A criança cresce e, quando toma alguma consciência de si, está diante do outro, que é a mãe, o pai e os irmãos. Conforme vai crescendo, ela vai tomando consciência. Na nossa vida, primeiro vem o outro. Depois vem o nosso pequeno eu e, outra vez, o outro. Esse processo se desenvolve na medida em que nos associamos com a escola, com as amizades e com o casamento. O pior é que muitas vezes nós não educamos a pessoa para essa realidade. O mundo só existe por causa da alteridade. Mesmo assim, nós trabalhamos demais pela autonomia e esquecemos que ela não existe. Nenhum ser humano é suficientemente autônomo. Ele é fruto dos outros para nascer, para viver e até para morrer, pois ninguém se leva ao túmulo. É exatamente a descoberta da alteridade que pode gerar uma sociedade mais humana e mais digna. O que vemos hoje é que o excesso de ênfase no indivíduo destruiu esse imenso valor que é o outro. Se eu não descobrir o outro, nunca vou descobrir o meu eu. Aí que entra a pedagogia, a família, do começo ao fim, e depois a família ampliada, que é a escola, a igreja e a comunidade. Acredito que tudo que pudermos fazer para salvar a família faremos para salvar a sociedade.
O Florense: Nos últimos dias o Brasil presenciou uma cena triste, onde uma criança de 10 anos atirou contra a uma professora e tirou a própria vida. O senhor acredita que esse pode ser um indício de que a família está se desvirtuando? O que falta à sociedade nos dias de hoje?
Padre Zezinho: O caso dessa criança é um mistério. Escapa a qualquer conhecimento que se acumulou a respeito do ser humano. Nada podia levar a conclusão de que esse menino faria isso. Ele tinha bons pais, religiosos. Ali houve um acidente de percurso inexplicável, que permanecerá como mais um dos mistérios do ser humano. No geral, eu diria que 90% das famílias querem o bem dos filhos. Dos outros 10%, acredito que uns 8% são recuperáveis. De negativo mesmo, insanável, acho que não temos mais que 2% das famílias. Penso que 95% delas tentam acertar e mesmo quando a instituição não deu certo, no mínimo 98% dos pais ainda cuidam de seus filhos. Acontece que quando surge uma anomalia muito grande, isso ganha repercussão. Daí ficamos pessimistas porque alguém matou uma mãe ou porque uma mãe matou um filho. É triste. É doloroso, mas estatisticamente é pouco. Então, apesar de todos os problemas, nós temos que ser otimistas. O mundo sobrevive porque ainda existem famílias que se amam e querem acertar.
O Florense: O jovem de hoje vem ser um espelho do que está acontecendo com as famílias?
Padre Zezinho: Estou com Zygmunt Bauman, que fala sobre a perda de solidez nas instituições. Está tudo meio líquido. Não há definições e nem solidez. Portanto, não havendo solidez, não há solidariedade, já que essa palavra vem de sólido. Já o Jean Baudrillard, no seu livro A Transparência do Mal, diz que nós criamos uma sociedade da pós orgia dos anos 1960, onde tudo era permitido, mas hoje não é possível permitir tudo. Na verdade, criamos uma sociedade que não sabe dizer sim, nem não e nem aprendeu a dizer talvez. Nós estamos sem solidez diante das crianças e dos filhos. E quando os pais não têm essa solidez de pensamentos e de sentimentos, porque no fundo não foram educados para isso, quem toma o lugar dos pais e influencia os filhos é a sociedade, a mídia, o traficante ou pessoas que querem tirar vantagem da insegurança e da falta de bom senso, típica das crianças. O pior é que os adultos também estão perdendo o bom senso.
O Florense: Em sua opinião, a mídia tornou-se um meio de formação?
Padre Zezinho: Tornou-se poderosa demais. Não sou a favor de censura, mas sou a favor da capacidade de poder enfrentar o poder da mídia, assim como a religião, políticos e partidos têm de ser enfrentados, pois também existem alguns poderosos demais. Por isso que digo que precisamos de diálogo. Alguém tem que saber ceder de vez em quando. Alguém tem que saber reagir quando um ou outro está sambarcando demais no poder, seja na religião ou na política. A sociedade deve ser poderosa e não alguns grupos.
O Florense: Falando em juventude, em 2013 teremos a Jornada Mundial da Juventude no Brasil. Como o senhor vê esse acontecimento para a Igreja e para os jovens?
Padre Zezinho: Há três aspectos. O primeiro: é preciso chegar até o jovem e esse é um esforço muito grande da Igreja que tem dado certo. O segundo aspecto: o que se faz com esses jovens quando se chega até eles? Aí tem que entrar uma pedagogia sadia e uma psicologia de quem conhece o jovem de hoje. Não podemos chegar até eles, com linguagem de ontem. E o terceiro aspecto: se você vai oferecer espiritualidade, tem que saber a capacidade do jovem de aceitar ou não participar desse movimento. Ele não pode ser levado pelo marketing do momento. Catequese e marketing não combinam bem. Uma é processo e a outra, momento. Então, enquanto processo, penso que a Jornada é muito boa. Só precisamos tomar cuidado para que não fique apenas no marketing.
O Florense: As drogas estão tomando uma proporção muito grande na sociedade. Na sua visão, o que poderia ser feito para inibir essa vilã?
Padre Zezinho: A droga é hoje um dos maiores tormentos dos pais, das igrejas e das autoridades. Qualquer ser humano no exercício do poder terá de se preocupar com isso. É um assassinato. É estado de guerra contra os jovens, principalmente. Também acredito que qualquer religioso terá de arriscar a vida para combater isso, porque não há como libertar os jovens dessa guerra se não houver gente capaz de combater em favor deles. E, finalmente, os pais que são os mais indefesos. Às vezes eles não têm o suporte de uma sociedade para protegê-los. Quando o filho está drogado, o pai pobre não sabe onde interná-lo. Porque não há na região hospitais para atender essas vítimas do bombardeamento constante da droga. Então, a sociedade vai ter de comprar essa guerra. Os militares, os políticos, os religiosos e os pais, cada um fazendo a sua parte.
O Florense: O que impede que isso se torne uma realidade? Quais são os maiores desafios nesse sentido?
Padre Zezinho: O problema mais grave de hoje é que nada mais se faz sem dinheiro. Não é possível ter uma casa de recuperação de drogados se não tiver dinheiro, pois além da construção, é necessário capacitar gente. É preciso dinheiro para comunicar, para a construção de novos hospitais, para escola... Para isso é necessário arrecadar, aplicar e vigiar para que não haja desperdício. Se uma dessas partes falhar não haverá investimentos. Por isso que digo: é preciso politizar a sociedade, pois o brasileiro não está consciente do poder que tem. O povo perdeu a capacidade de indignação. Esse é ouro problema da sociedade.
Como mudar esse quadro?
Padre Zezinho: Precisamos de mães e pais semáforos, que saibam impor limites. Portanto, devolver a autoridade aos pais e não existe autoridade sem diálogo.
O Florense: Mas como retomar essa autoridade?
Padre Zezinho: Isso que vocês estão fazendo no 3º Fórum Regional Educacional, promovendo o diálogo. É interessante que as prefeituras promovam esse tipo de ação, que as igrejas façam isso, não importando a religião. Esse trabalho deve envolver as entidades, as ONGs e as escolas, gerando uma mentalidade de diálogo. Chegamos à conclusão de que discordância não é discórdia. Discordância é bom. O filho tem que poder dizer não para os pais e os pais têm que poder dizer não para os filhos. Os pais devem ceder, mas só um pouco. Quando os pais cedem demais, os filhos saem prejudicados. Então, tem que haver esse equilíbrio de autoridade flexível, mas que não deixa de ser autoridade. O fenômeno do filho ditatorial ou de um adolescente tirano é a consequência de uma sociedade adolescente e tirana, que trocou o ético pelo estético. Hoje vivemos a plutocracia (sistema político no qual o poder é exercido pelo grupo mais rico) e agora estamos diante de um novo parâmetro, o poder da fama. Baudrillard chama esse período de a Era da Excrescência. Ele diz que antigamente vigorava o pensamento pascal: penso, logo existo. Agora é: sou visto, logo existo.
O Florense: O que significa educar hoje em dia?
Padre Zezinho: O Rio Grande do Sul entende isso melhor do que os outros Estados do Brasil, porque essa é uma sociedade afluente. Apesar de todas as crises que o Estado teve, a sociedade conseguiu crescer de uma maneira igualitária, basta olhar as casas das cidades do interior. Então, de onde vem a afluência, também vem a influência. Daí existe o perigo da influência do dinheiro destruir a influência do amor e do afeto. Assim, os filhos passam a avaliar os pais como bancos e os pais passam a educar os filhos como se fossem investimentos. Dessa forma cria-se a sociedade do ter e não do ser. O valor não deve ser econômico, mas sim afetivo e cultural.
O Florense: O senhor acredita que a sua forma de evangelizar, cantando e compondo louvores, é uma maneira de trazer os jovens para dentro da igreja? Essa é uma ferramenta para que a juventude se sinta mais confortável dentro da igreja? Isso tem dado resultado?
Padre Zezinho: Eu comecei isso há 45 anos, quando me tornei padre. Antes disso, quando estudava Teologia nos Estados Unidos, percebi que a música era um fenômeno. A juventude vibrava diante dos Beatles, por exemplo. A música era utilizada, no mundo todo, para politizar os jovens, mas não era usada na religião. Então, comecei a utilizar na religião, para formar a solidariedade e promover o diálogo. A canção é o lado suave da fé.
O Florense: Como foi o seu despertar vocacional?
Padre Zezinho: Essa é uma história interessante que eu nunca pus em livro. Talvez um dia coloque. Eu tive um pai violeiro e cantador. Cresci de cócoras vendo meu pai e meus tios cantando, em um ambiente cultural e de raízes. Depois, fui para os Estados Unidos. Lá morei em um ambiente igual. Em seguida fui para a Europa, onde tive contato com a música italiana, grega e muitas outras. Isso me deu uma visão da melodia mundial e, quando comecei a compor, já tinha isso. Minha música não é localizada. Ela é abrangente. Agrada em qualquer lugar do mundo. Mas eu não procurei isso. Deus me deu. Também leio muito. Tudo isso acaba virando música.
O Florense: Qual é a sua rotina de sacerdote e missionário?
Padre Zezinho: Eu me tornei um estudioso, por convicção, mas também por necessidade. Então, depois de 45 anos como padre, hoje me dedico muito mais à leitura e ao estudo e por isso uso pouco a internet. Também fui professor de comunicação por 30 anos e continuo pesquisando a comunicação humana. Isso tem me levado a escrever muitos livros. No momento estou com oito obras em preparo e três no prelo, fruto desses últimos 15 anos de aulas e de estudo. Hoje estou sendo mais acadêmico do que fui no passado e por isso tenho usado menos tempo para cantar, para pregar e mais tempo para refletir e criar pensamento. Eu diria que hoje sou um aproximador. Meus escritos são todos no intuito de aproximar igrejas, partidos, políticas, famílias e vizinhanças. Acredito muito na palavra aproximar. Me considero um cristão aproximador.
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