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Paciente e família: como lidar com o câncer?

Em entrevista especial, psicóloga Aline De Carli explica a importância do diálogo e da fé na recuperação

O câncer é uma das doenças que mais mata no mundo. São 12,4 milhões de novos casos por ano e 7,6 milhões de mortes. E para 2010 essas estimativas não são diferentes. O Instituto Nacional de Câncer (Inca) divulgou o relatório Estimativa 2010 – Incidência de Câncer no Brasil, que traz informações detalhadas sobre os tipos de câncer mais incidentes no país. De acordo com o estudo, vão ocorrer 489.270 casos novos de câncer esse ano. São esperados 236.240 casos novos de câncer entre os homens e 253.030 entre as mulheres. Os tumores mais incidentes no sexo masculino serão pele não-melanoma (53 mil casos novos), próstata (52 mil), pulmão (18 mil), estômago (14 mil) e cólon e reto (13 mil). Para o sexo feminino, destacam-se os tumores de pele não-melanoma (60 mil casos novos), mama (49 mil), colo do útero (18 mil), cólon e reto (15 mil) e pulmão (10 mil). A incidência de câncer é maior nas regiões Sudeste e Sul. A primeira terá 248.250 novos casos, seguida pela Sul, com 102.480 casos. As demais regiões apresentarão: Nordeste 89.350 casos; Centro-Oeste 30.340 casos; e Norte com 19.120 casos. Segundo o relatório, isso ocorre devido as melhores condições socioeconômicas da população do Sul e do Sudeste, que levam à maior expectativa de vida (a doença está associada à longevidade), além do melhor acesso aos serviços de saúde. As regiões Norte e Nordeste mostram as menores taxas e a incidência na região Centro-Oeste apresenta um padrão intermediário. O estudo ainda estima que ocorrerão cerca de 9.386 casos novos de câncer em crianças e adolescentes até os 18 anos em 2010. Os tumores pediátricos correspondem a 2,5% do total de tumores esperados entres os brasileiros. (Confira no quadro as estimativas sobre os cânceres mais comuns no Rio Grande do Sul em 2010).

“O câncer tem para cada paciente um significado diferente”

Os números divulgados pelo Inca mostram que são cada vez mais incidentes os casos de câncer. Quando alguém se descobre com a doença, a primeira pergunta que se faz é: e agora? Na maioria das vezes o diagnóstico abala todos os aspectos da vida e o paciente se vê diante de situações novas que jamais pensou em enfrentar. Nesse sentido, está comprovado que um bom suporte psicológico ajuda muito na recuperação e contribui para aliviar o estresse e as preocupações decorrentes da doença. O jornal O Florense conversou com a psicóloga e voluntária nessa área na Liga Feminina de Combate ao Câncer, Aline De Carli, para falar sobre as reações dos pacientes, a contribuição da psicologia, a importância do apoio familiar e como lidar com a doença. Em seu trabalho de conclusão de curso, Aline trabalhou a vivência da esposa do paciente com câncer em fase terminal. Confira a entrevista: O Florense: Quais são os sentimentos do paciente em relação à sua doença? Aline De Carli: Quando falamos em doença, é muito importante que se pense na situação de uma forma ampla. O câncer se manifesta no corpo, mas o psíquico também é afetado, além de alterações em toda a rotina e vida do paciente. O paciente muitas vezes relata sentimentos de estranheza quanto ao próprio corpo e sua auto-imagem – pois em função do tratamento pode perder peso, ter queda de cabelo, se sentir indisposto e com fraqueza, podendo ter a sensação de que não se reconhece mais, sentindo vergonha e tristeza. Além disso, há o medo da morte e incerteza quanto ao futuro, pois de certa forma, a vida do paciente se volta para o tratamento e outros planos e responsabilidades precisam ser deixados de lado neste momento. Outro sentimento é a impotência, tanto em relação à rotina, pois o paciente se vê impossibilitado de trabalhar ou mesmo realizar as atividades que antes tinha costume, quanto em relação à própria doença, pois o paciente precisa seguir estritamente as orientações médicas e colaborar com o tratamento. Se sentir um “estorvo, peso” para a família também é um sentimento que aparece, em função da dependência que ele necessita ter, mesmo quando a família não o vê assim. A pessoa se vê diferente e incapaz, e acaba tendo a sensação de que atrapalha quem está à sua volta. Às vezes também são relatadas preocupações com os familiares, pois alguns precisam mudar a vida para colaborar com o paciente, além da questão financeira seja pelo custo do tratamento ou pela situação familiar. O Florense: Quais são as primeiras reações do paciente? E quais delas são normais? Aline: O câncer tem para cada paciente um significado diferente. A maneira como cada um reagirá ao diagnóstico e ao tratamento depende de fatores genéticos (se a pessoa já tem histórico de câncer na família ou não), de fatores psicodinâmicos (a forma como a pessoa lida com as dificuldades, se é uma pessoa mais calma ou mais nervosa) e também de experiências que a pessoa já teve com o adoecer (por exemplo, uma pessoa que nunca ficou doente, vai reagir de forma diferente de uma pessoa que já teve vários problemas de saúde ou mesmo que já teve câncer, porque vai se lembrar de tudo o que precisou enfrentar, é como se passasse um filme na sua cabeça). A estrutura emocional do paciente e os recursos internos que a pessoa tem para se adaptar à situação e à realidade externa (por exemplo: se a pessoa tem uma família unida e que apoia, que participa do tratamento, acompanha o paciente, se tem uma rede de saúde eficiente), também são fatores que influenciam na forma como o paciente enfrentará a doença. Resumindo, a genética, a história de vida da pessoa, a personalidade e a situação atual e familiar fazem com que existam pacientes que lutam frente à doença e outros que se deprimem e desistem de viver, porque cada paciente é único e diferente. Mesmo assim, existem algumas reações que são esperadas, e a questão da normalidade ou patologia, tem a ver com a intensidade e duração dessas reações. Geralmente a primeira reação do paciente, ao receber o diagnóstico é choque e desespero, ele parece não acreditar no que está acontecendo com ele e se questiona “não pode ser comigo, eu não mereço, porque para mim?”, sentindo também raiva e revolta. O paciente pode passar também, a barganhar, numa tentativa de prolongar a vida. É comum fazer promessas para aliviar os sentimentos e medos que está sentindo. Com o passar do tempo, o paciente fica mais introspectivo, onde permanece em silêncio por um tempo maior, demonstra tristeza e apatia, se isolando muitas vezes. É uma forma encontrada para tentar assimilar e lidar com toda essa situação nova e difícil. E por fim, o paciente passa a aceitar sua condição, seus sentimentos e limitações. Todas essas fases porém, tem duração variável e não necessariamente acontecerão na ordem citada. O Florense: Não só os pacientes com câncer, mas também seus familiares experimentam diferentes níveis de estresse e de perturbação emocional. O que é importante nesse momento para superar isso? Aline: A vivência do adoecimento suscita sentimentos contraditórios, independente do momento, seja no diagnóstico, no tratamento, em fase terminal ou na cura. Tanto o paciente quanto a família se vêem diante de dificuldade e sofrimento, ao mesmo tempo em que buscam apoio em tudo o que remete à vida. A religião é uma forma de ter alívio e conforto, pois ela traz uma visão de continuidade da vida, o que reforça a esperança e a fé diante da doença, e é essa esperança que estimula o paciente a buscar tratamentos na expectativa da cura e do bem estar. O amor, percebido através da família e dos amigos também proporciona uma sensação de acolhimento e compreensão, na medida em que há um espaço para trocas afetivas, conversas verdadeiras, expressão dos sentimentos e perdão. Estar na companhia de quem é importante traz a sensação de não estar sozinho, de ser amado, querido e compreendido, isto tanto para o paciente quanto para o familiar. Eles percebem que podem contar com a ajuda e o carinho de pessoas em quem confiam e que podem ser escutados, o que alivia o sofrimento causado por toda essa vivência. O Florense: E para a família, quais são as mudanças que o câncer exige? Aline: O câncer afeta a família de forma significativa, causando alterações em sua identidade e papéis, tendo grande impacto em sua rotina e em sua dinâmica de funcionamento. É muito comum que algum membro da família precise interromper seu trabalho para cuidar do paciente, ou que hajam mudanças na forma como as responsabilidades são divididas. A família precisa se reorganizar diante do câncer e a forma como cada uma o fará, depende muito de quem é este doente e qual o vínculo e importância que ele tem para a família. O vínculo entre o paciente e a família pode ser amoroso ou conflitivo e em ambos, há um sofrimento importante. A diferença é que o vínculo amoroso facilita a elaboração dessa vivência e/ou perda. Além disso, a família precisa lidar com os sentimentos novos que surgem. Sentimentos em relação ao paciente, como medo que ele sofra, tristeza e medo da morte, e também sentimentos em relação à si próprio como medo de ter a doença também, insegurança sobre como será conviver com a doença e sensação de impotência diante do câncer. A família precisa cuidar do doente e ainda lidar com os sentimentos novos, tanto em relação à si quanto ao paciente, além de buscar encontrar uma forma de conciliar a vida que tinham antes com a doença que agora aparece. O Florense: E a função da família na recuperação desta pessoa? Aline: Uma das formas que mais facilita e torna a convivência com o paciente oncológico menos dolorosa e triste é o amor e o diálogo, além de tentar manter a mesma rotina e responsabilidades. Amar não é superproteger – como não permitir que ele faça o que antes fazia, ou tratá-lo como uma pessoa totalmente dependente, nem também é abandonar. Não se deve fingir que nada está acontecendo porque o paciente pode querer falar e não se sentir à vontade porque nada é dito. É importante olhar o lado positivo da vivência, mas dentro do possível, falar sobre o que está acontecendo, não ficar em silêncio, mas prestar atenção se o paciente tem vontade de se despedir de alguém, de pedir perdão, se tem algum desejo que gostaria de realizar. Além disso, é preciso estar à disposição para conversar com o paciente, ouvi-lo e, acima de tudo, demonstrar o amor que a família sente por ele. Também é importante lembrar que o paciente não se torna inválido com a doença e na medida do possível, ele deve ser encorajado a manter as atividades diárias e o convívio habitual com todos, como fazia antes, para que possa, apesar das limitações da doença, se sentir amado, útil e capaz. O Florense: Contar ou não contar o diagnóstico de câncer para o paciente, o que é mais indicado? Aline: Esse é um dos maiores dilemas que a família tem ao receber o diagnóstico. Muitas vezes se pensa que ao omitir, se está ajudando a pessoa no sentido de que ela não irá sofrer tanto, porém, o que se indica é que se fale a verdade ao paciente, que se tenha uma relação transparente, pois ele tem o direito de participar de seu tratamento e das decisões que dizem respeito à sua vida. Existem apenas alguns casos em que não é aconselhável contar, quando se trata de pessoas com depressão grave ou psicóticas. Salvo nesses casos, falar é o indicado. Na verdade o paciente tem uma percepção inconsciente da doença e do que se passa com seu corpo. O importante é estar atento ao momento e escutar se o paciente está querendo falar sobre a doença. Pode-se falar algo simples, prestar atenção na reação do paciente e esperar que ele pergunte mais. Reforço que ainda se tem a impressão que o paciente se fragilizaria, mas a realidade mostra que não, pois é ao não saber que a pessoa se sente incapaz. Ao saber, ela pode participar e se sentir ativa frente à sua doença. E o mais importante, se estabelece assim, uma relação verdadeira, sincera e livre de fingimentos. O Florense: Qual a importância de ter um diálogo aberto com o médico? Aline: Quando a família e o paciente já sabem do diagnóstico, é possível ter um diálogo verdadeiro e franco, se estabelecendo com isso uma relação de confiança e segurança. É importante que o paciente seja escutado, que seu tempo seja respeitado e que sejam dadas as informações necessárias, como sua situação de saúde, tratamentos indicados e seus possíveis efeitos colaterais. Estar acompanhado de um familiar de confiança também é indicado, pois ele pode se sentir mais seguro e apoiado. O paciente deve ser estimulado a falar sobre o que sente e esclarecer dúvidas, tendo uma postura ativa frente à sua doença. Como muitas vezes o câncer é uma doença silenciosa, não tendo sintomas visíveis, a angústia se torna ainda maior, pois não se pode saber de sua evolução e somente quem pode dizer isso é o médico. Por isso, ele é visto como fonte de esperança, acolhimento e apoio, onde algumas respostas podem ser encontradas. Além disso, a figura do médico representa a possibilidade de cura e a sabedoria, diante da impotência que a família sente frente à situação. Tendo uma relação de confiança com o médico, abre-se um espaço para se falar sobre os sentimentos, preocupações e dificuldades, e se pode lidar com a situação da forma mais real possível, permitindo também, se familiarizar e diminuir a ansiedade frente ao câncer, que ainda é uma vivência desconhecida. O Florense: Qual a importância de um bom suporte psicológico na recuperação do paciente? Aline: O acompanhamento psicológico do paciente é de extrema importância, pois se sabe que os fatores emocionais influenciam no sucesso do tratamento e da reabilitação, assim como na qualidade de vida. É numa relação de acolhimento e escuta que o paciente é auxiliado pelo psicólogo a compreender o significado da experiência da enfermidade, possibilitando re-significar esse processo. Além disso, é incentivada a expressão dos sentimentos, a reação ativa frente ao tratamento e principalmente é dado suporte afetivo, resgatando a vida e a qualidade de vida durante e após o tratamento. É incentivado que o paciente se dê conta do que está bem com ele, o que traz prazer, alegria e realização, como reforçar uma atitude positiva diante das dificuldades, como reorganizar a nova realidade buscando seus recursos internos e como se relacionar com a família. Além disso, o paciente é ajudado a encarar a doença como uma rica oportunidade de reavaliar sentimentos e posturas diante da vida, possibilitando muitas vezes, uma revisão do modo de viver e de sua visão de mundo. Dessa forma, ouvindo e ajudando a criar um plano individual e único de ação para conviver com a fase do tratamento, demonstrando empatia com suas dificuldades e apoiando, é que o psicólogo pode auxiliar o paciente no enfrentamento da doença, que afeta sua vida de forma tão intensa e significativa. O Florense: Em relação à família, como a psicologia pode atuar? Aline: O trabalho com a família tem a função de auxiliá-los a lidar com problemas e angústias suscitados pela doença ao longo da hospitalização e tratamento, desenvolvendo estratégias de enfrentamento que levem à mudanças positivas, promovendo redução do estresse e adaptação à nova rotina, além de contribuir para a resolução de conflitos e a reconstrução de relacionamentos abalados pela situação do adoecer. Desse modo, o apoio psicológico visa colaborar para a manutenção da integridade psíquica do familiar, tendo em vista que terão que lidar intimamente com as reações psicológicas que a doença desencadeia nos pacientes, como negação, ambivalência, instabilidade emocional, ansiedade, depressão e negativismo, além das questões orgânicas. Acima de tudo, é preciso enfrentar a possibilidade concreta de perda do familiar acometido. Assim como com o paciente, é oferecido um espaço de escuta de seus sentimentos, dificuldades e preocupações. O Florense: O câncer pode ser uma experiência positiva? Aline: Sim. É preciso rever o estigma que o câncer traz consigo, pois, muitas vezes, seu diagnóstico é entendido como uma sentença de morte, mas atualmente os índices de cura estão aumentando de forma significativa. Cada caso é único e diferente, e a evolução, tratamento e prognóstico devem ser discutidos com a equipe médica que é responsável pelo caso. O que aconteceu com alguém conhecido não necessariamente será o que acontecerá com o paciente também. Mas independente da evolução do caso, seja a cura ou o falecimento, a vivência do adoecimento pode ser encarada como uma oportunidade de aprofundamento das relações e de auto-conhecimento, uma avaliação da vida e das atitudes. É comum notar mudanças na forma como a família e o paciente agem após essa experiência. As pessoas se tornam mais afetivas e preocupadas com o bem-estar do outro, revisam os valores e o que realmente dá sentido à vida e essa mudança geralmente continua após o câncer, sendo esse aprendizado, transferido pra outros papéis que a pessoa desempenha, seja na família ou no trabalho. Além disso, há um crescimento e amadurecimento pessoal e a sensação de superação nas pessoas que conviveram com o doente. Há uma aproximação maior com Deus, muitas vezes a pessoa descobre capacidades que não reconhecia em si mesmo e descobre o amor de pessoas que não esperava. O câncer proporciona um questionamento sobre o real sentido da existência. O Florense: A psicologia também pode ajudar na prevenção? Aline: Sim. A psicologia pode atuar de forma preventiva na medida em que auxilia na busca do auto-conhecimento e da resolução de conflitos proporcionando uma melhor qualidade de vida, de relacionamento e saúde mental. As características mais importantes da personalidade da pessoa aparecerão em todos os contextos da sua vida, sejam eles de saúde ou de doença. Quando a pessoa faz um tratamento psicológico, pode encarar o adoecimento com menos angústia e buscando mais recursos para enfrentá-lo de forma saudável. Assim, buscar viver mais feliz, com menos preocupações, de forma mais leve, pode contribuir de forma positiva e isso pode ser alcançado através da psicoterapia.
Psicóloga Aline de Carli - Andréia Debon
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1 Comentários

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    Ederson Bezerra Silva18 de Maio de 2019 às 15:11

    Sem palavras. O que foi dito aqui me ajudou demais, sério, conteúdo gratuito e de qualidade, muito obrigado por todas estas informações, vocês querendo ou não... estão salvando vidas, parabéns!

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