O ritual do exorcismo desmistificado
No mês da romaria a Nossa Senhora de Caravaggio conheça mais sobre o espaço ‘Livrai-nos do Mal’, localizado junto ao santuário
Durante o mês de maio milhares de fiéis se dirigem ao Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio e no domingo, dia 26, não foi diferente. Mas, o que muitos dos peregrinos desconhecem é que o Santuário de Caravaggio tem um espaço dedicado ao exorcismo. Isso mesmo, há um ano a antiga sacristia do Santuário Nossa Senhora do Caravaggio, de Farroupilha, abriga o espaço ‘Livrai-nos do Mal’. O local reúne informações sobre um exorcismo que aconteceu no imóvel, em 1947, exposição de objetos e muitas cruzes. Milhares de visitantes já passaram pelo local, que já conta com visita virtual em 360º no site do Santuário. Muitos anos antes, em 1973, foi lançado o filme norte americano O Exorcista, dirigido por William Friedkin, com ampla repercussão mundial por ter sido o primeiro trabalho cinematográfico sobre o tema, até então confinado ao imaginário popular e às páginas de livros raros e restritos.
Hoje, o debate acerca da prática do exorcismo continua sendo um tabu, despertando um misto de curiosidade, medo e fascinação. Nessa reportagem, conheça depoimentos reveladores sobre o tema, que desmitificam questões que ainda geram dúvidas e causam calafrios.
“O diabo é um cachorro amarrado”
O Espaço ‘Livrai-nos do Mal’ do Santuário do Caravaggio foi criado e aberto ao público pelo simples fato do registro de um exorcismo feito no local no ano de 1947. A história é contada pelos padres Jocimar Romio e Leonardo Dall Osto, ambos com 34 anos. “O diabo é um cachorro amarrado, só morde quem chegar perto, é um ser maligno, que tem força, mas é apenas uma criatura. Diante de Deus é apenas uma criatura”, conta o padre Dall Osto. Durante a entrevista, o silêncio reinava no santuário e os padres, gentis, iniciaram o relato da história que até hoje intriga a comunidade de Farroupilha.
De acordo com os sacerdotes, o exorcismo, envolvendo uma mulher, teria sido realizado na sacristia da igreja velha que hoje sedia o espaço. O rito, que teria durado cerca de oito horas, foi realizado pelo padre Theodoro Portolan, autorizado pelo bispo Dom José Barea. O protagonista do rito teria caído nas graças da comunidade, que passou a vê-lo como um “homem de Deus”, um religioso forte na fé. “O famoso exorcismo na história da comunidade ocorreu em 1947, no santuário antigo (inaugurado em 1890). O Espaço ‘Livrai-nos do Mal’ foi instituído para instruir e desmistificar as informações sobre o fato que continuavam a ser transmitido de geração a geração. O espaço estava fechado e muitas pessoas viam do lado de fora a janela com a grade retorcida por onde o diabo teria sido expulso e faziam comentários entre si. No memorial há vários textos, alguns em formato de oração. Entre eles, um em específico que explica o que é um exorcismo na igreja católica e os passos a serem observados. O nome “Espaço Livrai-nos do Mal”, não é apenas para recordar algo da década de 1940, mas mostrar que hoje devemos continuar pedindo a Deus que nos livre do mal”, acentua Romio.
O padre acrescenta que o tema sobre a prática do exorcismo deve ser analisado com precaução e cuidado. Os próprios sacerdotes, segundo ele, são instruídos a não tratar o assunto como sendo um “espetáculo público”.
Curso para padres exorcistas
Conforme os padres, a igreja possui vários rituais, como o do batismo, matrimônio, confissão e também do exorcismo. “O ritual é um livro que tem orações, textos bíblicos, salmos, preces, e há uma parte que é mais imperativa, no sentido de ordenar que o mal se afaste da pessoa e do espaço. Tem também momentos de louvor e gratidão ao Deus. Nós sacerdotes somos formados a partir do que a Igreja católica nos ensina, e com relação ao exorcismo, somos prudentes. Não se deve espetacularizar e expor um indivíduo atormentado. Antes de ser feito qualquer ritual maior (o exorcismo) é preciso consultar a ciência médica que assegure não se tratar de sintomas de alguma doença física ou psíquica”, explicam eles.
Os sacerdotes ressaltam que o Vaticano está oferecendo um curso voltado a formação de padres exorcistas. O curso foi viabilizado porque o número de italianos que busca a oração de libertação de exorcistas praticamente triplicou nos últimos tempos, chegando a quase meio milhão, segundo estimativas de especialistas. “Às vezes quem faz o curso traz alguns relatos sobre os sinais da possessão, que são: mudança de voz, levitação, saber de algo que não teria como a pessoa saber. Tudo isso são indícios, mas que não são provas, porque os sinais podem ser uma estrutura paranormal humana, e não diabólica”, observam.
Os padres comentam ainda sobre o famoso caso da jovem alemã, Annelise Michel (1952-1976), que foi submetida a uma intensa série de sessões de exorcismo pelos padres Ernest Alt e Arnold Renz entre 1975 e 1976. Romio e Dall Osto dizem que esse caso foi comprovado se tratar de uma questão médica e não demoníaca, como foi afirmado na época pelos familiares e os próprios padres envolvidos nos rituais fracassados de exorcismo.
“É preciso ter um pouco de cuidado, porque se de fato a pessoa foi possuída e o exorcismo é celebrado, o demônio tem que sair. Se tem continuidade exagerada é um evidente sinal que é uma doença psíquica. Esse caso era mais do que certo que era uma doença psíquica e naquela época não podiam nomear a doença porque não tinham alcance científico para isso, e acabaram apelando por um ritual litúrgico. Só que o risco é muito grande porque quando é celebrado um ritual de exorcismo diante de uma pessoa doente ela vai introjetar que está possessa, piorando a situação”, enfatiza Dall Osto.
O que diz a psiquiatria
Para o psiquiatra Caetano Fenner, o espaço é uma iniciativa “historiográfica maravilhosa”, já que o exorcismo ultrapassa a questão de crença popular. “Na verdade, foi quase uma instituição dentro do dogma religioso, que provocou muita perseguição, cisão e injustiças inclusive com pessoas que sofriam de epilepsia ou outros males neuropsiquiátricos, hoje em dia entendidos como curto-circuitos neuro-elétricos e neuro-químicos”, analisa.
De acordo com Fenner, a medicina não costuma classificar o rito como eficaz porque cientificamente o exorcismo nunca foi testado contra um padrão de placebo. “O diabo é um personagem criado desde antes das literaturas religiosas para circunscrever diversas aleatoriedades “malignas” do cotidiano. Até a história cristã de queda do anjo-filho preferido é algo muito bonito, como se houvesse uma tentativa de aproximar os dois opostos, o mal tendo se originado de um bem que foi mal-entendido. É de fato uma história belíssima, mas não passa de uma história”, afirma o psiquiatra.
O bispo exorcista
Em Buenos Aires, na Argentina, mora o bispo Manuel Adolfo Acuña, 56 anos, residente em Buenos Aires, que exerce a função de exorcista e demonólogo há 17 anos. Acuña, um dos mais renomados exorcistas da América do Sul, defende a ideia de que as possessões, além de demoníacas, também são provocadas por espíritos humanos desencarnados. Ele é autor do livro Ritual de Exorcismos, lançado em 2015.
Entre os cerca de 1.200 exorcismos já praticados, cita como mais impactantes os feitos em uma criança de seis anos e em uma adolescente de 15 anos.
“A adolescente, que se encontrava invadida por três espíritos humanos, apresentava uma força descomunal. Devo esclarecer que não existe apenas possessões de demônios, também ocorrem casos de possessões de desencarnados. Esse exorcismo teve várias sessões e sua repercussão originou na série “Puertas al más allá” do canal Discovery Channel. Outro exorcismo de impacto envolveu uma criança de 6 anos que dominava o idioma aramaico e que, no momento do exorcismo, estando em posição horizontal enquanto acontecia o ritual se levantou dez centímetros do piso. Mesmo que seja o único caso em que vi, posso afirmar que existe a levitação como manifestação de possessão”, relata ele.
Acuña também cita como marcante o caso de uma jovem paraguaia, possuída após realizar invocações num cemitério. “Isso nos ensina que a benção segue o abençoado e o Espírito Santo faz chegar a quem necessita. Por isso é tão importante viver em estado de graça e bênção”, ressalta.
“Rezei muito, até cessar a manifestação diabólica”
É sabido que padres exorcistas convivem diariamente com ameaças demoníacas, sendo suscetíveis a ataques. Com Acuña não é diferente. Ele diz não temer o mal, que enfrentou “numa troca de cartão de visitas”. “Numa noite, ao sair da paróquia em que atuava, vivi uma experiência interessante. Ao entrar no meu carro, estando com as chaves na mão, as luzes altas e baixas começaram a se acender e apagar intermitentemente. A buzina soava sem ser tocada e os trincos das portas subiam e desciam a toda velocidade. Nessa noite tive a certeza que estava trocando cartão de visitas com o diabo. Que a partir desse momento ele me conhecia e anunciava a batalha que seguiria para sempre. Rezei até que a manifestação de raiva diabólica parasse nesse tempo em que fiquei prisioneiro dentro do veículo”,
Ele reitera que ser um sacerdote demonólogo é um estilo de vida no qual a oração deve ocupar um lugar preponderante. “O diabo conhece os pecados. Já dizia Jesus Cristo que ele é o “acusador dos irmãos”. Para não ser atingido por ele é preciso cuidar das virtudes. Deus conhece teus pecados e te chama pelo teu nome, mas o diabo conhece teu nome e te chama pelos teus pecados. Se vive em combate, em guerra espiritual, em alerta, mas não em tensão, porque sabemos que Deus é o grande exorcista e com ele nós asseguramos a vitória. O exorcista é um simples instrumento. A glória é para Deus e somente Deus”, afirma.
Acuña salienta que “um dos maiores êxitos do diabo é o de fazer com que as pessoas não acreditem em sua existência”. O bispo enfatiza que a humanidade deve recuperar o olhar dos transcendentes segundo o qual o mal não é um conceito, é uma personalidade com uma estratégia, um anjo caído que tomou sob seu domínio um exército de demônios e mortos condenados para fazer o homem perder seu destino de felicidade, deixá-lo desesperado, renegando Deus. “É urgente, eu diria, recuperar a visão e interpretação espiritual da vida, que dá sentido a totalidade da existência mais além da prática religiosa de cada um”, avisa.
“Falta fé e seriedade com o mundo espiritual”,
“Nem todas as pessoas acreditam nessa realidade espiritual, incluindo sacerdotes e parte dos fiéis. Alguns acham que são questões psicológicas e distúrbios diversos. Outros que é charlatanismo. Ainda tem os que querem ver pra crer. Em síntese: falta fé e seriedade com o mundo espiritual”. A avaliação é do padre exorcista da Arquidiocese de Brasília, Vanilson Silva. Ele diariamente atende pessoas que dizem estar sendo perturbadas por demônios.
“O exercício da missão do exorcismo tem sido pesado e desgastante. Nosso povo não tem clareza para distinguir entre o que é orgânico ou espiritual. Tudo se atribui ao espiritual e o padre tem que resolver. Eu sei que a humanidade vive oprimida sem saber. Mas não basta um padre rezar. É preciso mudança de rota e de hábitos. Todo dia atendo pessoas que se dizem oprimidas por demônios e na verdade enfrentam problemas de ordens humanas”, desabafa o padre.
Ele acrescenta que exorcismos são marcados por cenas tristes, de pessoas se jogando no chão, se mordendo, tentando se enforcar com as mãos ou agredir a equipe envolvida com o processo.
“Há casos de pessoas que levam meses e até mesmo anos para se libertarem. Casos extraordinários, que não posso relatar para não expor as pessoas. Eu amo o que faço. Mas se você me perguntar se eu queria o exercício desse ministério, responderia que não. Aceito por compaixão do povo”, afirma.
Silva ressalta que no ritual de exorcismo nunca fica somente o sacerdote. Acompanham o ato um representante da família e das áreas médica e jurídica.
Ele acrescenta que a missão exige discernimento para distinguir se o mal tem causa orgânica ou espiritual. “É o caso da depressão, que pode ser diagnosticada tanto como doença como consequência de uma opressão espiritual, diabólica. Os demônios são astuciosos e, portanto, se disfarçam e camuflam. A avaliação do caso, por meio de perguntas relacionadas a saúde e ao uso de medicamentos, é fundamental”, acentua.
A visão do antropólogo
Um ritual que ao longo dos séculos ganhou novos episódios acerca de sua veracidade é fortemente debatido entre profissionais de diferentes áreas. O antropólogo Rafael José dos Santos, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, diz que, do ponto de vista antropológico, o exorcismo é um exemplo de tipo de ritual que ocorre em diferentes culturas. “A presença do demônio é bastante forte no catolicismo popular, aquele catolicismo que, de certa forma, foge às práticas canônicas. Basta você prestar atenção nos diferentes nomes que a cultura popular atribui ao demônio, isso aparece bem no livro Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. Agora, é bastante diferente quando se trata de um exorcismo autorizado pelo Vaticano, por alimentar com mais força o imaginário popular sobre o mal e sua encarnação”, interpreta ele.
“A antropologia é uma ciência na qual é preciso separar, distinguir o que é eficaz. Rituais podem ser eficazes ou não do ponto de vista de fazer a pessoa acreditar que está curada, ou que um demônio foi expulso. Isso foi profundamente estudado pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss e desenvolvido em um texto clássico intitulado A eficácia simbólica. Note que não estou assumindo a existência do sobrenatural, mas a crença das pessoas no sobrenatural”, esclarece.
Ele acentua que, para a antropologia, o mito é uma narrativa que dá sentido a algum aspecto da vida social. “Tanto as crenças como os mitos oferecem às pessoas uma espécie de quadro de referência e de explicação da vida, da natureza, dos acontecimentos. Ambos, mitos e crenças, são concepções de mundo interiorizadas nas pessoas pela via da cultura”, conclui.
Matéria escrita por Rodrigo De Marco, com edição de Kátia Bortolini e publicada originalmente no Jornal Integração da Serra, do mês de abril.
Deus não criou o anjo e o demônio, prontos, Ele nos criou todos iguais e pela lei da evolução, escolhemos o caminho a seguir, o da porta estreita que nos leva a angelitude ou o da porta larga, que pode nos levar a sermos verdadeiros demônios. O anjo e o demônio somos nós mesmos dependendo do caminho tomado. O anjo ajuda os que necessitam e o demônio perturba as pessoas que são ruins, que são iguais. Tenho experiência de 25 anos na lida com espíritos, chamados de demônios, e nunca precisei mais do que 5 a 20 minutos, não para expulsá-los, mas para auxiliá-los a encontrar o caminho, pois, são nossos irmãos desviados do bom caminho. É como conversar com um irmão perdido, dar-lhes amor e tudo se resolve rapidamente, é muito simples...é só dar amor e atenção.