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O reencontro do significado da Fenavindima: festa comunitária que enaltece o trabalho do povo

Festa Nacional da Vindima passou por reformulações ao longo dos anos e voltou em 2020 com um gostinho de quero mais

O ano era 1966 e o setor vitivinícola de Flores da Cunha se encontrava em excelente fase de desenvolvimento. O município possuía na época, registradas nos órgãos competentes, 169 cantinas rurais, 25 cantinas isoladas, 18 pontos de vinificação e 26 cantinas centrais, com uma produção de 37.000 toneladas de uvas, sendo que a expectativa da safra para 1967 chegava a 45.000 toneladas. 
Raymundo Paviani, três vezes prefeito da cidade, administrava Flores da Cunha na época e, mais do que ninguém, sustentava a ideia de promover nosso maior produto: a uva. Foi assim que surgiu a 1ª Festa da Vindima.
Em seu discurso na abertura da primeira festa, em 26 de fevereiro de 1967, às 10h, no salão paroquial, Raymundo Paviani declarou: “A Festa da Vindima não é para mim propriamente uma ideia nova, pois há muito ela perseguia-me. O costume de festejar os produtos da terra vem desde os antigos. Além do mais o município de Flores da Cunha, aquele que produz mais uva ‘per capita’, tem o direito de promover aquilo que é a razão do seu sustento. [...] O sentido fundamental da nossa Festa da Vindima é promover o homem que trabalha e que produz, fazer uma festa eminentemente de um toque colonial, de aspectos pitorescos de nossas tradições”. 
Paviani ainda destaca em suas palavras: “é impressionante o apoio e a colaboração recebido por todos os florenses e mesmo dos municípios vizinhos”. 
E hoje, como é a colaboração da comunidade? A Festa da Vindima ainda possui o mesmo sentido? 
Na terceira edição da série de reportagens que comemora os 35 anos do Jornal o Florense, veja as percepções da Festa Nacional da Vindima. 
Quando se fala em Fenavindima, vem à mente de muitos florenses a comemoração do nosso produto maior: a uva. Mas como celebrar essa fruta que é tão significativa para Flores da Cunha, destacando a cidade como a maior produtora do Brasil? Como atrelar a uva à nossa cultura de imigração italiana? Como relembrar o passado? Perguntas que até algum tempo atrás não eram respondidas com a festa, que se mostrava mais como uma feira comercial. 
No ano de 2015, o Centro Empresarial de Flores da Cunha contratou uma pesquisa junto ao Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais da Universidade de Caxias do Sul (IPES/UCS) buscando analisar a Festa Nacional da Vindima - Fenvindima. 
O trabalho foi baseado na 13ª edição com o intuito de “diagnosticar, com base nas informações dos participantes, os aspectos positivos e dificuldades nas últimas edições da Fenavindima, de tal forma que se possa iniciar um planejamento melhor estruturado para as próximas edições. Além disso, objetivou-se encontrar elementos que possam ter sido críticos de algum tipo de insucesso ocorrido”. O relatório contou com 45 entrevistados e analisou 13 aspectos: perfil do evento; a decoração e o layout do parque; desfiles; shows; prioridade do evento; negócios no evento; turismo; escolha das soberanas; comunicação; comissões; Associação Fenavindima e presidência; financiamento; e prefeitura. 
O relatório destaca a importância da Fenavindima não ser uma feira comercial e sim um local de comemoração, de resgate histórico. “A identidade de uma festa diz muito a seu respeito, apresenta o seu caráter e sua essência. Aborda aspetos culturais e históricos, que contextualizam a trajetória e o estilo de vida da região receptiva. A Fenavindima abrange tanto a esfera festiva quando a comercial, ambas importantes para o sucesso do evento”, relata a pesquisa.
Então, isso vem acontecendo?
“A última edição foi muito assertiva analisando o panorama geral. Os números e a avaliação positiva da comunidade são prova viva disso”, analisa o presidente da Associação Comunitária Fenavindima, Alex Eberle. E todos que visitaram puderam se reconectar com antigamente, uma festa muito bem trabalhada, que recebeu elogios de turistas e, principalmente, da comunidade, que por um momento já havia desacreditado dos objetivos da Fenavindima. 

Flores antes e depois da festa

A Fenavindima é um evento tradicional para Flores da Cunha e Serra Gaúcha, representa a admiração do trabalho e dedicação dos produtores rurais, a celebração e o enaltecimento da uva e do vinho e também a valorização da cultura e hospitalidade italiana. 
Conforme Floriano Molon, que presidiu a festa três vezes ao longo dos seus 54 anos, “Flores da Cunha antes de 1967, da realização da sua primeira Festa da Vindima, era uma cidade voltada para si e muito pouco conhecida. A partir da festa, quando foi surpreendida por uma farta divulgação e a presença de numeroso público ao evento, o município passou a ser conhecido nacionalmente”, relembra. De acordo com o escritor e conhecedor da história, com a festa o povo florense conheceu a sua potencialidade. “A história de Flores da Cunha, pode ser contada antes e depois da 1ª Festa da Vindima. A Festa abriu portas para as reivindicações, destacando a abertura e asfaltamento da RS-122 por São Gotardo, o Banco do Brasil, os Telefones DDD, a construção do Parque da Vindima, o calçamento do seu acesso e, sobretudo, o aumento da autoestima dos florenses, ainda mergulhados na maldição do Bispo, na história do galo, na troca do nome de Nova Trento, o trem que não chegou...”. 
A Festa da Vindima veio para se consolidar e dar significado ao povo florense. “No decorrer das edições, além do resgate e cultivo das tradições que é a essência da Festa, diversos avanços e benfeitorias foram entregues ou conquistadas em decorrência dela. A circulação de autoridades sempre foi benéfica para conquistas de serviços e obras. Mas além dessa parte, gosto de dizer que é na Fenavindima que se reascende o espírito comunitário, o orgulho de ser florense. Nenhuma outra atividade ou evento consegue provocar isso nas pessoas. Há uma atmosfera diferente no ar, um brilho nos olhos da comunidade e os visitantes sentem essa ‘magia’”, declara Alex Eberle. 
“A festa constitui um conjunto de atributos que servem de referência para fortalecer o posicionamento de Flores da Cunha como destino turístico, além do engajamento dos munícipes”, relata o secretário de Turismo, Paulo Wichmann.

A mobilização das comunidades: um desafio constante

“Os desfiles foram apontados como o momento principal na mobilização das comunidades do interior, justamente as pessoas mais envolvidas até hoje com a vindima”. No relatório da festa emitido pelo IPES/UCS, os entrevistados apontaram como o maior desafio da festa a mobilização das famílias do interior: “os motivos para tal dificuldade são: a época da festa coincidir com a da vindima, a participação e organização trabalhosa e relativamente dispendiosa do desfile”. 
Dentre as lembranças de Molon, assíduo na participação de todas as festas, a participação da comunidade está entre as melhores. “Sem dúvida o envolvimento de todos os florenses, desde a escolha das soberanas, a começar lá das capelas, a participação na exposição agrícola e industrial e nos desfiles de carros alegóricos. Na primeira festa, um jornal da capital escreveu que teriam vindo 50.000 pessoas no desfile. Uma vez as pessoas tinham mais tempo para servir a comunidade. Tudo era feito de forma comunitária”, recorda. Atualmente Floriano tem uma percepção diferente. “A comunidade só participa a partir do momento em que ela é chamada. Antigamente as famílias eram maiores e sem tantos compromissos. Hoje temos a presença, em Flores da Cunha, de centenas de famílias que vieram de outras regiões e não têm conhecimento do que se trata participar de um evento comunitário”, analisa Molon, que diz que antigamente a participação era maior. “Um setor que abraçava mais a festa era o Vinícola”. 
Para Eberle, essa ideia de união e participação das comunidades foi vista com outros olhos na última Fenavindima. “A comunidade sempre está disposta a ajudar e participar. Fazendo um comparativo das três últimas edições, a participação foi aumentando, seja para auxiliar ou prestigiar o evento. Como atuei por mais de uma vez na Festa sei que a palavra mágica é conquistar e envolver as pessoas. É necessário ‘falar a língua’ da população. E digo mais: os organizadores têm que ‘pegar junto’, ‘botar a mão na massa’, ‘correr atrás’. Mas nesse aspecto acredito que a última festa contemplou com maestria seu slogan: “A festa de todas as mãos”, declara. 
De acordo com o secretário de Turismo, o engajamento da comunidade em eventos como a Fenavindima é fundamental para sua evolução e seu sucesso. “Nesse sentido, uma etapa de planejamento amplo e com boa antecedência permite identificar ações para aprimorar a comunicação e promoção e na adequação de atrativos que acompanhem a evolução na forma como as pessoas consomem este tipo de conteúdo”, analisa.

Periodicidades do evento

Em 2015 o debate era sobre a periodicidade do evento. “Um dos itens mais conflitantes nas opiniões dos entrevistados diz respeito à periodicidade do evento. Nesse sentido, as opiniões ficaram bem divididas entre os que defendem a festa nos mesmos moldes das anteriores, ou seja, de quatro em quatro anos, e aqueles que entendem que a Fenavindima deva ser realizada num prazo menor, no mínimo, de três em três anos, mas muitos defenderam ou simpatizaram com a ideia de que poderia ser realizada de dois em dois anos, ou até anualmente”. Esse continua até hoje. “A Fenavindima deve continuar de quatro em quatro anos. Aí desperta a saudade e a curiosidade. A cada quatro anos o custo é diluído. A festa deve deixar saudade”, acredita Molon. 
Par Eberle, optando em realizá-la anualmente ou de dois em dois anos deverá ser simplificada “e isso, talvez, a descaracterize. É um risco para a sua sobrevivência se for muito simplificado. Caso seja mantido o calendário de realizar a Fenavindima a cada quatro anos, deverá criar-se mecanismos para que a Festa não morra”, diz. “Essa questão precisa de uma discussão séria entre todos os membros da Associação Comunitária Fenavindima, pois vemos o tempo passar, outros eventos se organizando e nossa festa talvez, seja penalizada se não estabelecer sua data. Em virtude da pandemia, acredito que a data ideal para a 15ª edição seja 2024”, finaliza Eberle.

Ainda precisa de mudanças

A festa que mostrava a cultura e festejava a safra, se perdeu em feira comercial e está voltando ao trilho, mas ainda precisa de adequações. Conforme Alex Eberle o local do evento, o Parque da Vindima, ainda deixa a desejar. “A infraestrutura do Parque da Vindima não comporta festas do tamanho das últimas. Há de se estudar a ampliação dele – pavilhões e estacionamentos principalmente – ou a construção de um novo espaço para que a festa possa comportar a numerosa afluência de pessoas. Soa estranho construir um outro parque, mas não podemos mais ficar reféns de um espaço geográfico limitado como o Parque da Vindima atual”, analisa.
Já o secretário de Turismo, Paulo Wichmann, compara a Fenavindima com atividades empresariais. “Nas atividades empresariais existe um método chamado PDCA que é utilizado para o controle e melhoria contínua de processos e produtos. Entendo que festas e eventos necessitam passar por um processo similar, que permita manterem-se sempre atrativas para quem participa, seja como voluntário, expositor ou visitante, adaptando-se às mudanças que a sociedade vem passando. Um dos desafios para a próxima edição é integrar ainda mais o evento com os demais atrativos turísticos”, finaliza.
E você, tem sugestões para a 15ª Fenavindima? Encaminhe para nós através do e-mail gabriela@jornaloflorense.com.br. Com elas, auxiliaremos a construir uma Festa da Vindima cada vez melhor. 

 - Arquivo O Florense
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