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O que restou da safra 2012 no distrito de Otávio Rocha

Representantes de entidades e do poder público participam nesta sexta-feira, dia 23, em Porto Alegre, de reunião com o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro Filho. Na pauta, uma série de reivindicações para tentar amenizar as perdas ocasionadas pelo granizo histórico que desabou sobre a Serra Gaúcha

Representantes dos municípios atingidos pela chuva de granizo ocorrida no dia 14 serão recebidos hoje, dia 23, pela manhã, em Porto Alegre, pelo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Mendes Ribeiro Filho. O prefeito Ernani Heberle (PDT) e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Flores da Cunha e Nova Pádua, Olir Schiavenin, representam Flores. Conforme Schiavenin, as reivindicações apresentadas estão baseadas em três pontos principais. A primeira preocupação é com relação à renda dessas famílias que perderam toda a sua produção e que não terão de onde tirar recursos para se manterem pelos próximos meses. Por conta disso, será solicitado uma ‘Bolsa Família do Agricultor’ por um determinado período.

O segundo ponto busca a liberação de um crédito emergencial a fundo perdido. “Esse recurso será solicitado para que os produtores possam manter suas parreiras, além de fazer frente aos investimentos que terão de fazer daqui por diante. Temos famílias que, além dessa produção, vão perder as dos próximos dois anos, em virtude da situação em que os parreirais se encontram”, destaca o presidente do STR. A terceira solicitação prevê a criação de uma linha de crédito que possibilite a aquisição de estruturas de proteção, como telas e cobertura plástica.

No dia 19 a prefeitura de Flores da Cunha assinou o decreto de situação de emergência no município. O documento foi encaminhado aos governos estadual e federal para ser homologado ou não. Em caso positivo, o prefeito Heberle pleiteia a destinação de verbas para a aquisição de insumos a serem repassados aos produtores e a transferência dos vencimentos de financiamentos de 2012 e 2013 para anos seguintes, entre outras medidas.

O passar dos dias não diminui o desânimo dos agricultores de Otávio Rocha
O granizo histórico que arrasou plantações e vinhedos ocorreu há oito dias, e a sensação de perda e desânimo ainda está na expressão daqueles agricultores que viram a safra desabar das plantas para o chão. O jornal O Florense esteve, na semana passada, a propriedade de Vani Molon, em Otávio Rocha, localidade mais atingida pela chuva de granizo. Passada uma semana, pouca coisa mudou na paisagem e no trabalho da família de Flores da Cunha.

No dia 17, o agricultor tratou as parreiras com produtos que aceleram a cicatrização dos galhos e folhas para tentar amenizar os danos em longo prazo nas plantas. “Com o calor a parreira secou até mais que o esperado. Alguns galhos que não quebraram estão se mantendo verdes, então estamos tentando salvar esses para que a parreira respire um pouco”, explica Molon. O momento é de espera para perceber a reação das plantas, pela brotação de algumas gemas que restaram ou, se necessário, o replantio.

A família esperava produzir de 70 mil a 80 mil quilos de uvas, que serviriam para produção de vinho e consumo in natura. O prejuízo foi total, com a diferença que algumas variedades foram mais prejudicadas devido ao formato dos seus galhos (para os lados ou para cima).

A propriedade não possui seguro agrícola. A demora e a burocracia nas parcelas repassadas pelo governo federal fizeram com que a família acabasse postergando a realização da medida. A falta de orientação e acompanhamento foi decisiva para o atraso e demora. “Ficamos na lista de espera para as cotas do governo. Com a demora, ligamos algumas vezes, mas não obtemos retorno. O tempo passou e perdemos os prazos”, lamenta Molon. Outros vizinhos também teriam registrado o mesmo problema na realização do seguro e, consequentemente, foram prejudicados.

Molon já realizava o replantio de parreiras em algumas partes do vinhedo. Com o granizo, os novos enxertos também quebraram e, junto, outras parreiras deverão ser substituídas se não demonstrarem reação. “O tempo é quem vai dizer. As parreiras estão paradas. Vamos esperar para ver, pois as tratamos para tentar ajudar. Galhos para o ano que vem não são vistos e esta é uma época crítica, pois ela deveria contar com 100% de folhas e não têm nada. Nunca tivemos uma situação igual e não sabemos nem como agir”, conta.

A ajuda para tentar amenizar os danos na videira está vindo por meio de profissionais, agrônomos e produtos agrícolas, mas pelo fato de a parreira estar em fase de crescimento a situação fica ainda mais complicada. “Me sinto de mãos atadas, sem saber o que fazer”, lamenta o agricultor. Os dias passaram mas a tristeza de perder o trabalho de todo o ano ainda não foi “digerido” pela família. “O pior é quando levantamos de manhã prontos para o dia de trabalho e nos deparamos com as parreiras nessa situação. É desanimador demais”, desabafa Molon.

A previsão do agricultor é que o pouco que ficou sobre as plantas deve secar e cair, e ainda mais rápido devido ao calor e sol. “A folha da parreira é a parte mais importante para a qualidade da uva. Com sol direto a uva que sobrar vai cozinhar e cair. Não teremos um cacho para consumo”, acredita.

A safra de 2011 seria revertida para quitar investimentos feitos pela família em maquinários utilizados na agricultura. Com a quebra total na safra, os futuros investimentos foram comprometidos. “Compramos tratores e equipamentos e essa safra serviria para melhorar a estrutura e pensar em novos investimentos. Certamente as perdas não serão sentidas somente por nós”, complementa.

Conscientização para a contratação do seguro agrícola
Outra medida que está sendo tomada pelo STR e pela Emater de Flores da Cunha diz respeito à promoção de um trabalho de conscientização dos produtores com relação à importância da contratação de um seguro agrícola. O seguro rural protege os produtores de riscos causados por adversidades climáticas, possibilitando a recuperação do capital investido na lavoura ou empreendimento. De acordo com o chefe do escritório da Emater na cidade, Valdir Franceschet, hoje, inclusive, quem optar pelo seguro da produção, o Proagro, ou o seguro do custeio da produção, recebe subsídios do governo federal que vão de 40% a 70%, de acordo com a cultura produzida, com um limite máximo de R$ 96 mil. O valor do seguro varia de acordo com o tamanho da propriedade. Por exemplo: numa propriedade que produz em média 20 mil quilos de uva por hectare, o agricultor pagaria R$ 224 de seguro por hectare.

Para contratar o seguro rural, o produtor deve procurar uma seguradora habilitada pelo Mapa no Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR). Essa modalidade oferece ao agricultor a oportunidade de segurar sua produção, por meio de auxílio financeiro, que reduz os custos de contratação do seguro. A subvenção econômica concedida pelo Ministério da Agricultura pode ser pleiteada por qualquer pessoa física ou jurídica que cultive ou produza espécies contempladas pelo programa e permite, ainda, a complementação dos valores por subsídios concedidos por Estados e municípios. A liberação de recursos não permite que o produtor já tenha cobertura do Proagro ou do Proagro Mais para a mesma lavoura e na mesma área. Mais informações podem ser obtidas nos sindicatos rurais dos municípios – STR, 3292.7500.

A tragédia em números: prejuízo de R$ 15 milhões em Flores da Cunha
Conforme levantamento apresentado pela Emater, o granizo do dia 14 de dezembro atingiu 12 municípios da região – Caxias do Sul, São Marcos, Ipê, Bento Gonçalves, Nova Petrópolis, Veranópolis, Cotiporã, Farroupilha, Nova Roma do Sul, Vale Real, Gramado e Flores da Cunha. O desastre climático atingiu 1,2 mil propriedades, o que representa 4.383 hectares e 62.658 toneladas em perdas da produção atual, englobando viticultura, fruticultura e hortaliças. O prejuízo total é estimado em mais de R$ 60 milhões. Com relação à uva, Schiavenin diz que a previsão é colher de 35 a 40 milhões de quilos a menos do que em 2011, quando foram registrados 707 milhões de quilos da fruta no Rio Grande do Sul.

Em Flores da Cunha, uma das cidades que mais sofreu com a intempérie, a área atingida foi de 1.747 hectares, sendo 318 propriedades de 22 comunidades. De acordo com Schiavenin, contabilizando todas as culturas afetadas (uva, ameixa, pêssego, maçã, caqui, kiwi, pera, morango, cebola, alho, tomate, beterraba e milho), os prejuízos no município passam de R$ 15 milhões. Deste total, 86% (ou 1,5 mil hectares) são de parreirais. Os viticultores florenses deixarão de colher mais de 20 milhões de quilos de uva, um prejuízo estimado em R$ 13 milhões. No comparativo com a safra de 2011, que contabilizou uma produção histórica de aproximadamente 107 milhões de quilos da fruta, a quebra será de 21%. “Essa situação é muito difícil. Com 25 anos na presidência do Sindicato, nunca vi nada igual. Os agricultores estão desolados, pois perderam um ano todo de trabalho e de investimentos em alguns minutos. Sabemos que não é fácil, mas pedimos para que eles não percam as esperanças”, discursa Schiavenin.

Recomendações
O chefe-geral da Embrapa Uva e Vinho, pesquisador Lucas Garrido, lembra que a partir de agora os produtores atingidos pelo granizo precisam adotar algumas medidas para recuperar vinhedos e pomares (aquilo que ainda é possível) atingidos pela intempérie. O especialista salienta que as práticas a serem adotadas irão depender do grau de dano que o vinhedo sofreu. “No caso de danos altos, com perdas próximas a 100%, os produtores deverão efetuar uma poda de formação, igual à efetuada no inverno passado. A seguir, efetuar aplicação com fungicidas de contato, para a proteção dos ferimentos e cicatrização daqueles decorrentes do granizo. Uma nova adubação é necessária, para que a planta tenha nutrientes suficientes para a brotação e acumulação de novas reservas, pensando-se na próxima safra”, explica.

Já para os vinhedos/pomares que apresentaram um grau menor de dano, a Embrapa Uva e Vinho recomenda a aplicação de fungicidas de contato para proteção dos ferimentos ocasionados pelo granizo. As frutas danificadas devem receber também uma ou duas pulverizações com fungicidas de contato, para evitar que fungos ocasionem o apodrecimento das mesmas, a partir dos ferimentos. “É importante a manutenção de pulverizações com fungicidas nos vinhedos e pomares para que as plantas possam manter as folhas e novas brotações com boa sanidade. Sem a produção de novas brotações e folhas, a videira estará mais sujeita a não entrar adequadamente em dormência no próximo inverno, o que poderá aumentar os problemas de mortes de plantas pelo escurecimento da casca”, aponta o pesquisador.

Seca deve impedir safra recorde em Nova Pádua
Em 2010, a família De Carli contou com uma produtividade recorde de uvas. Foram colhidas 43 toneladas da fruta nos cinco hectares (dois das variedades Bordô, dois de Isabel e um de Niágara) localizados no Travessão Accioli, em Nova Pádua. A expectativa para a safra 2012 não era diferente. Porém, os agricultores não contavam com o longo período de seca que assola o município. Os reflexos da escassez de chuva e, consequentemente, a diminuição da concentração de água no solo, já são percebidos nos vinhedos, com maior incidência sob a variedade Bordô. Debaixo dos parreirais é possível perceber nitidamente que os frutos já começaram a amadurecer, embora não tenham atingido o tamanho e a graduação necessária.
O produtor Milto Nilo De Carli acredita que a queda na produção da variedade precoce Bordô poderá chegar a 35% em relação a ano anterior. Já para as variedades Isabel e Niágara, a estimativa de perda é menor, algo em torno de 10%. Os prejuízos já começam a ser contabilizados. “Além da uva que não será aproveitada, estamos perdendo uma grande quantidade de videiras. As plantas estão secando e precisam ser cortadas. Inclusive, já encomendamos mil mudas para o replantio no ano que vem. Acontece que essas plantas começarão a produzir somente daqui a três anos”, conta.

Essa não é uma situação exclusiva à propriedade da família De Carli. De acordo com o técnico da Emater de Nova Pádua, Leonildo Sperotto, o problema é geral. Para se ter uma ideia, no mês de dezembro foram registrados apenas 15 milímetros de precipitação no município. “Essa situação é irreversível. Temos uvas que seriam colhidas a partir de janeiro, mas que já estão maduras. A nossa esperança é que a chuva chegue nos próximos dias. Se assim for, ainda teremos uma chance com as variedades mais tardias”, ameniza. Além da uva, Nova Pádua registra perdas significativas na produção de pêssego, maçã, caqui, pera, alho e cebola.

Falta de chuva aumenta preocupação no campo
A queda na produção agrícola, em decorrência da falta de chuva, é outra realidade dos agricultores gaúchos. De acordo com o pesquisador da área de Agrometeorologia da Embrapa Uva e Vinho, José Eduardo Monteiro, a falta de chuva tem prejudicado bastante a agricultura de toda a região da Serra, inclusive os vinhedos. “Em algumas cidades, já são mais de 50 dias sem chuvas significativas, em quantidade suficiente para repor o armazenamento de água no solo. Já estamos em níveis muito críticos de umidade de água no solo”, aponta o pesquisador, explicando que tais percepções são possíveis por meio do monitoramento realizado pela Embrapa. Por intermédio das informações obtidas é possível fazer um cálculo do balanço hídrico para condições dos vinhedos. Com isso é feita a estimativa de quantidade de água no solo.

Monteiro explica que nos dois últimos anos, nesse período, houve a incidência do fenômeno La Niña, ou seja, o abaixamento das temperaturas da superfície do Oceano Pacífico, o que altera os padrões globais de circulação atmosférica. “É comum em períodos de La Niña a ocorrência de períodos, até meses, com chuvas abaixo da média climatológica em toda a Região Sul do Brasil.” O pesquisador lembra que em 2010 a primavera e o início do verão também foram muito secos, porém, com menos gravidade do que em 2011.

Conforme Monteiro, a escassez de chuva por períodos longos pode prejudicar os vinhedos, reduzindo a quantidade de produção das plantas. Na prática, o que ocorre é que a uva fica com menor quantidade de água, perdendo sua turgidez. “Os sintomas se manifestam primeiramente nas folhas, que acabam murchando e amarelando. Em seguida, isso acaba se refletindo nos frutos.” Esse fenômeno já é percebido em diversas propriedades da região, que registram armazenamento de água no solo abaixo de 10% da capacidade e começam a mostrar sintomas de deficiência hídrica severa.

Prognóstico ruim

O Prognóstico Climático de Consenso, realizado pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pelo Instituto Nacional de Brasília não é muito animador para os agricultores. O relatório prevê uma quantidade de chuvas abaixo da normal também para os meses de janeiro e fevereiro, em função da continuidade do fenômeno La Niña. No entanto, não é possível afirmar com certeza por quanto tempo esse período de chuvas abaixo da média vai persistir. Para o pesquisador da área de Agrometeorologia da Embrapa Uva e Vinho, José Eduardo Monteiro, mesmo que a chuva voltasse à região a situação não iria mudar, pois os danos já ocorreram. “O que ocorre é uma piora progressiva. Cada dia em condições secas a produtividade irá diminuir, piorando a situação dos produtores”, destaca.

Incentivo para construção de açudes
O Banrisul lançou, em parceria com o governo do Estado, uma linha de crédito especial para o financiamento da contrapartida dos produtores rurais que aderirem ao Plano Estadual de Irrigação para a construção de açudes. As obras contam com o investimento de 80% do governo e 20% dos agricultores, que podem financiar o valor correspondente a esse percentual no Banrisul. O financiamento, por meio do programa Mais Alimentos, tem prazo de pagamento de até 10 anos, com carência de até três anos. A taxa de juros é de 1% ao ano para operações de até R$ 10 mil, e de 2% ao ano acima desse valor, até R$ 130 mil. Os interessados podem procurar a rede de agências do banco para encaminhar os pedidos de financiamento.



Família de Vani Molon esperava produzir entre 70 mil e 80 mil quilos de uvas. Após uma semana, desânimo do agricultor com a perda total só aumentou. - Camila Baggio
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