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O pedido por chuva veio em forma de gelo

Granizo registrado na noite de quarta, dia 14, é considerado o pior dos últimos 50 anos. Distrito de Otávio Rocha, em Flores da Cunha, foi a área mais atingida, com registro de perdas entre 80% e 100% da safra de uva

As mãos calejadas do agricultor Vani Molon, 47 anos, provam que a lida na colônia não é fácil. As mesmas mãos calejadas que trabalharam durante todo o ano para tratar e cuidar das parreiras da família seguram agora apenas os galhos que sobraram da produção de uvas. A propriedade da família, no distrito de Otávio Rocha, assim como a de quase todos os vizinhos, foi destruída pela forte chuva de granizo que caiu na noite de quarta-feira, dia 14. Molon conta com a ajuda da esposa e da mãe para cuidar dos 3,5 hectares de parreiras que se distribuem entre Niágara rosada e Lorena, entre outras variedades. A safra era dividida na produção própria de vinhos e na venda de uvas. A perda na propriedade foi de 100%. Até então, a falta de chuva era o único problema que os produtores enfrentavam em 2011.

Galeria de fotos da tragédia

O agricultor conta que estava fazendo a irrigação das parreiras no período de estiagem e a produção prometia ser grande. “As pessoas vinham nos visitar e elogiavam a quantidade e qualidade das uvas. Agora, estamos de mãos atadas, não sabemos como agir ou o que fazer com o que sobrou da produção. Perdemos tudo”, lamenta o agricultor. Assim como a maioria das famílias afetadas, a propriedade de Molon não possui seguro, e eles esperam o auxílio do setor para erguer a cabeça e seguir em frente. “Nascemos embaixo das parreiras e sempre fizemos isso. É difícil pensar no trabalho e investimento do ano todo que se perdeu em meia hora de temporal”, relata Molon. A mãe, Odila Stuani Molon, conta como a chuva de granizo foi forte e intensa: “O barulho era muito grande e não parava. Rezamos e pedimos para que parasse. É muito triste ver como ficaram nossos parreirais”, lamenta Odila.

Molon lembra que quando o temporal iniciou, por volta das 21h30min, já foi com pedras de gelo volumosas. Ontem, dia 15, vendo a situação das videiras, ele percebeu de que direção as pedras vieram com mais força. No chão, uma média de 20 centímetros de gelo misturado aos grãos de uva e das folhas. No alto das parreiras, apenas alguns cachos de uva que ficaram quebrados e com os grãos furados. Os galhos não possuem mais folhas ou brotos. Segundo Molon, para alcançar uma produção normalizada como a que esperavam este ano serão necessários pelo menos outros dois anos. “Os galhos bons para o ano que vem estão sem a ‘gema’, local onde novos galhos brotariam. Os galhos estão sem casca e machucados por dentro. Não perdemos só a safra deste ano, mas dos próximos dois também”, diz.

Falta de incentivo
O trabalho na agricultura depende da colaboração do tempo o ano todo, e os agricultores estão de certa forma acostumados com essa preocupação. Porém, é por esse mesmo motivo que muitos deles acabam deixando o trabalho rural e partindo para novos campos de atuação. “O agricultor está calejado com perdas na produção devido ao tempo, mas como esse ano eu nunca vi. Os mais antigos também confirmam que nunca viram tamanho estrago, tantas pedras de gelo na intensidade que aconteceu”, conta Molon.

Mesmo parecendo um pouco conformado com a situação, o agricultor não descarta a possibilidade de sair da colônia. “Trabalhamos de sol a sol, e em alguns anos ganhamos bem e, depois, em outros, nem tanto. Perdemos tudo e gastamos o que tínhamos conquistado. Temos sim certa liberdade, mas se ela custa tanto sofrimento, será que vale a pena?”, indaga o produtor de Otávio Rocha.

Assim como ele, muitas famílias sentem o peso da perda de uma produção que garante o sustento do ano. O reflexo da falta de renda irá refletir diretamente na economia local em um tempo considerável. A produção por safra no distrito representa em média 20% da produção total de Flores da Cunha, considerando a safra do último ano de aproximadamente 105 mil toneladas de uvas.

Números difíceis de estimar
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Flores da Cunha e Nova Pádua e coordenador da Comissão Interestadual da Uva, Olir Schiavenin, afirma que os números que resumem o temporal da noite de quarta-feira são assustadores, mais ainda não foram concluídos. O STR, com a prefeitura e a Emater, devem concluir nos próximos dias um levantamento de famílias atingidas e o número da perda da safra. O distrito de Otávio Rocha foi o local mais atingido em Flores da Cunha. Outras localidades como Mato Perso, Linha 80, São Francisco, Nossa Senhora do Carmo e Parada Cristal também foram atingidas e tiveram perdas na agricultura.

Orientações
O prejuízo em propriedades de Otávio Rocha varia de 80% a 100%, dependendo da intensidade do granizo. “Buscamos levantamentos mais aprofundados. Nos próximos dias teremos uma noção mais exata, mas prejudicou bastante a comunidade”, complementa Schiavenin.

O presidente destaca que o prejuízo não será só na próxima safra, mas para os próximos anos também. “A perda certamente não é só deles, lógico que se o setor agrícola não tem renda e perde a produção, o município todo também perde, pois não irá movimentar a economia. Então, os prejuízos não se fazem sentir só no setor primário, também na agricultura, no comércio, na indústria e na arrecadação do município”, destaca.

Para os agricultores que foram atingidos, o STR buscará orientar de acordo com cada situação. Os que possuem seguro deverão entrar em contato com a seguradora para futura perícia, levantamento e, depois, indenização. Para os que não adotaram a prática, uma reunião realizada na tarde de ontem, em Caxias do Sul, serviu para discutir possíveis soluções. No encontro, ficou definido que prefeituras, entidades ligadas ao setor rural e Defesa Civil das cidades afetadas vão trabalhar de forma integrada. “Buscamos um apoio e a reivindicação para auxílios, por exemplo, na negociação de dívidas. É uma forma de amenizar os prejuízos e fazer com que o produtor possa continuar produzindo”, pondera Schiavenin.

O granizo dessa semana é considerado o mais forte dos últimos 50 anos. “Todos os anos temos registros de granizo esporádicos, mas nessa intensidade, nessa proporção e com esses estragos eu nunca vi na minha vida. Em alguns parreirais não sobraram folhas, uvas e alguns poucos galhos”, conta o presidente do STR. Em uma média, Schiavenin acredita que um total de 200 famílias foram afetadas pelo granizo no município. O chefe do escritório da Emater em Flores da Cunha, Valdir Franceschet, estima que o temporal prejudicou de 1.300 a 1.500 hectares em todo o município. A prefeitura de Flores da Cunha estuda a possibilidade de decretar estado de emergência.

Prejuízos alcançarão as duas próximas safras
Os prejuízos causados pelo temporal que castigou diversas cidades da Serra na noite de quarta-feira, dia 14, ainda serão calculados. No entanto, muitos produtores rurais, especialmente moradores dos distritos de Otávio Rocha e Mato Perso, interior de Flores da Cunha, já contabilizam perdas de duas safras. A chuva de pedra que durou menos de 30 minutos atingiu um raio de 2 quilômetros quadrados do 3º Distrito, que produz mais de 20 milhões de quilos de uva. Na sede do Distrito, o subprefeito Luiz Bernardi precisou convocar servidores para remover o gelo das ruas com tratores. O acúmulo chegou a 50 centímetros de altura em determinados pontos da Rua Uva Itália.

O único posto de combustíveis da localidade foi invadido pela chuva de pedra. Por volta do meio-dia de ontem, 14 horas depois da tempestade, ainda havia gelo acumulado nas ruas e nos pátios das residências. A agricultora Vilma Mascarello Ferrari, 71 anos, conta que nunca havia presenciado tanta destruição pelo granizo. Na propriedade da família, em Otávio Rocha, cerca de 3,5 hectares de parreiras foram destruídas. O prejuízo só não foi maior porque a área foi segurada contra intempéries. Segundo Rineu Ferrari, 45 anos, o seguro deve cobrir as perdas desta safra, aproximadamente 70 toneladas da fruta, mas as consequências dos danos devem se estender por um período maior.

Em São Gotardo, parte da área coberta do pavilhão de uma empresa de transportes não suportou o peso do gelo acumulado e caiu sobre três caminhões e um automóvel que estavam estacionados. Parte do escritório também sofreu danos. De acordo com um dos diretores da empresa, Roque Cavalli, 52 anos, o prejuízo deve passar de R$ 100 mil.

Na localidade de Parada Cristal, outro local castigado, a cobertura de um curtume também não resistiu e desabou – ninguém se feriu em ambas as ocorrências. Na comunidade de São Valentin, plantações inteiras foram destruídas. Na propriedade da família Novello, cerca de 2 hectares de uva foram perdidos. “Nunca tinha visto algo igual”, destaca Gema Novello. Por volta das 10h30min de ontem, dia 15, ainda era possível ver camadas de gelo cobrindo o terreno das propriedades.

As causas do granizo
- Segundo meteorologistas, um ciclone extratropical nos níveis mais elevados da atmosfera foi o responsável pela nebulosidade, chuva e temporais no Rio Grande do Sul. A maior proximidade com o ciclone causou estragos desde o início da semana em várias cidades, que registraram vendavais e queda de granizo. Na quarta-feira, dia 14, houve relato de pelo menos dois tornados sobre o Estado.
- O aumento da instabilidade atmosférica associada à presença de umidade em níveis baixos contribuiu para o tempo mais severo, como a queda de granizo intensa. A chuva, no entanto, tem sido escassa. Tanto que a estiagem prossegue, aumentando as perdas na agricultura e mantendo o racionamento de água em algumas cidades.

Fonte: Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).



Agricultor Vani Molon estava inconsolável na tarde de quinta-feira. Videiras ficaram improdutivas por pelo menos duas safras. - Camila Baggio
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