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O homem por trás do mito

Há 50 anos ele ajudou a liderar uma revolução histórica.

Há 50 anos ele ajudou a liderar uma revolução histórica. Hoje é tido com um dos grandes homens de todos os tempos. Sua foto está estampada em toda a parte: camisetas, posteres, tatuagens, bonés, calendários...É visto por uns como herói dos oprimidos, enquanto que para outros não passa de um assassino sanguinário. Mas, quem seria o homem por trás dessa lenda? Uma parte dessa história tentará ser desmistificada no filme Che – O Argentino, que tem previsão de estreia para os próximos dias no GNC Cinemas de Caxias do Sul. O filme já está em cartaz em diversas cidades brasileiras e também em Porto Alegre.

Dirigido por Steven Soderbergh e com Benicio Del Toro, no papel do revolucionário, o filme tem mais de quatro horas de duração e está dividido em duas partes: Essa primeira, Che – O Argentino e Che – A Guerrilha (ainda sem data definida para estreia). O filme tem ainda Rodrigo Santoro no papel de Raul Castro, irmão de Fidel Castro. Neste primeiro filme, é mostrado como se construiu o mito Che Guevara. O seu encontro com Fidel Castro para traçar as diretrizes do que seria a Revolução Cubana, a sua dúvida entre o homem impetuoso e a formação intelectual, as crises de asma, a partida para a guerrilha. O Che de Soderbergh mostra a dualidade do personagem durante o caminho até Havana. Como líder de uma frente de batalha, Che se mostra implacável, não deixando de condenar companheiros ao fuzilamento. Mas, por outro lado, capaz de momentos de grandeza e sabedoria.

O longa também detém boa parte de seu tempo no famoso discurso do guerrilheiro no plenário da ONU, em Nova York. O discurso e o período em que Che ficou na cidade é exibido em preto-e-branco com grande destaque para os feitos e méritos do guerrilheiro. No próximo filme, Che – A Guerrilha, será mostrada a tentativa frustrada do mito em repetir o êxito da revolução cubana na Bolívia. A marca Che Se Che Guevara fosse uma marca, estaria entre as mais valiosas do mundo. Afinal, a foto tirada por Alberto Korda em 1960, durante um ato público, está em milhares de paredes e peitos. Muitos se perguntam como um guerrilheiro latino-americano se transformou na lenda Che Guevara. Para o professor de Jornalismo da Unisinos, que escreveu sua dissertação de mestrado Che Guevara: a mídia como potencializadora do mito, Juan Domingues, a lenda se formou por alguns motivos, que envolvem o caráter de Che e o período em que ele viveu. "Ele era idealista, utópico, inteligente, aventureiro e violento. Che foi tudo isso e mais um pouco. Não vamos analisar se ele agiu certou ou errado. O que importa é que o que ocorreu com Che foi um encontro absurdo entre um homem e uma época. Como diz Jorge Castañeda, Che só poderia ter sido o que foi naqueles anos. E aqueles anos só poderiam ter abrigado um homem como Che", pontua. Segundo ele, outros aspectos contribuíram para a projeção dessa imagem, que conforme o Maryland Institute, de Washington, é a mais reproduzida do mundo. Quatro variáveis são apontadas pelo professor: a imagética, a de consumo, a ideológica e a midiática. "Os muros podem ter caído, o comunismo não vingou, mas o pensamento de esquerda se mantém. Partidos políticos, movimentos sociais e estudantis não só nutrem os ideais de esquerda como têm em Che o seu grande representante", afirma Domingues, que complementa: "E é a mídia que fala mal ou bem, que pontecializa as outras variavéis. Mas, a ideologia, a imagem, o consumo e a mídia se misturam, agem juntas o tempo todo".

Ernesto Guevara, também conhecido como Che

Nasceu Ernesto Guevara de la Serna, em 1928, na Argentina. De classe média, sofreu desde cedo com problemas de asma. Cursou medicina e chamava atenção dos colegas pela total falta de ativismo político. A Argentina vivia um golpe militar atrás do outro, mas Ernesto se recusava a protestar nas ruas. "Apesar da curiosidade pelo socialismo, ele até então não demonstrava qualquer inclinação por se filiar à esquerda", escreveu o jornalista Jon Lee Anderson, autor do livro Che Guevara - Uma Biografia. Foi assim que cresceu. O "Che" dentro dele só se manisfestou quando saiu de moto pela América Latina, com o amigo Alberto Granado, em 1952. Nessas andanças, se solidarizou com a pobreza dos locais que conheceu. Depois da viagem, Che seguiu sua jornada pela América do Sul. "Meu companheiro tem outro nome, mas a viagem é a mesma. Duas vontades dispersas se estendendo pela América, sem saber exatamente o que buscam ou onde fica o norte", contou em seu diário. Nessa viagem, conheceu Hilda Gadea, líder exilada da Aliança Popular Revolucionária Americana e que virou sua esposa. Foi ela quem apresentou a Che exilados cubanos, que tinham atacado o Quartel de Moncada, em Cuba, na tentativa de deflagrar uma rebelião contra o ditador Fulgêncio Batista. Foram eles que o apelidaram de Che (por ele chamar os outros de "chê"). Com os cubanos, conheceu os irmãos Fidel e Raul Castro. "Por uns anos, ele deu fim a sua busca filosófica. Declarou que os EUA eram inimigos da humanidade e se transformou num jovem mais dogmático e doutrinário. Isso deu forças para se converter em Che e deixar para trás Ernesto Guevara", afirmou Anderson. Com Fidel, ele descobriria o caminho rumo à glória e à morte. A princípio, os dois não tinham nada em comum. Guevara era marxista convicto, enquanto Fidel ainda era contra o comunismo. Por outro lado, havia semelhanças: ambos tinham um inimigo comum (EUA) e queriam fazer revoluções. Foi assim, que partiram para a Sierra Maestra, em Cuba, dispostos a mudar a história. Num primeiro momento, Che foi destacado para ser médico dos guerrilheiros, função esta que logo se desfez. Era o melhor aluno do grupo e escreveu no diário Nossa Luta em Sierra Maestra: "Tinha diante de mim uma caixa de remédios e outra de balas, e as duas eram pesadas demais para carregar. Apanhei a caixa de balas". Em 1º de janeiro de 1959, os barbudos liderados por Fidel, Che, Raul Castro e Camilo Cienfuegos adentraram em Havana e deram fim a ditadura imposta por Batista.

Mártir idealista

Com o triunfo da revolução, Che separou-se de Hilda e casou-se com Aleida Marsh, que lhe daria mais quatro filhos (já tinha um filho com Hilda). Foi presidente do Banco Nacional de Cuba, mesmo entendendo pouco de economia, e ministro da Indústria. Publicou livros como Guerra de Guerrilhas e fez amizades com gente do calibre do filósofo francês Jean-Paul Sartre, que mais tarde o exaltaria como "o ser humano mais completo de nossa época".

Mas, logo começou a sentir sozinho na ilha. Fez inimigos dentro do partido, criou intrigas e sua relação com Fidel se complicou. "Che era um sujeito incômodo. Não se calava nunca", disse o historiador argentino Felipe Pigna. Enquanto as divergências aumentavam, o mito de Che ganhava alcance mundial. Ele viajava constantemente e fazia discursos históricos, como o da ONU, em 1964. Ele queria continuar a fazer revoluções pelo mundo e num acordo com Fidel deixou a ilha. Partiu para o Congo, na África, disposto a irradiar a guerrilha por todo o continente. Mas, quando chegou lá nada deu certo. "Foi tudo a história de um fracasso", relatou em seu diário. Partiu, então, para sua última batalha na Bolívia. Mas, em apenas 11 meses, suas tropas foram dizimadas. Aos 39 anos, Che Guevara foi capturado e morto com um tiro. Segundo depoimento do tenente boliviano Mario Terán, que atirou contra ele: "Achei que ele se lançaria sobre mim. E, quando me olhou fixamente, fiquei tonto. Mas, Guevara me encorajou e disse: fique calmo e aponte bem!Você vai matar apenas um homem". Era 9 de outubro de 1967. Morria Ernesto Guevara e nascia a lenda Che Guevara. "Ele era a imagem de Cristo da vida que sucede a morte. Seus vestígios deram feição, corpo e alma ao mito que percorreria o mundo", escreveu Jorge Castñeda, no livro Che Guevara – A Vida em Vermelho.

Como aconteceu a revolução de 1959

Em 1959, Cuba tinha uma das maiores rendas per capita do Caribe, mas a estatística escondia uma brutal desigualdade. Enquanto alguns poucos se beneficiavam da exportação de açúcar, a maioria da população vivia na penúria, sem acesso a serviços públicos e enfrentando altas taxas de desemprego. A presença dos Estados Unidos era ostensiva: empresários americanos controlavam a economia, dominando 75% das terras agricultáveis. Sob os olhos do ditador Fulgêncio Batista, a capital, Havana, virou um paraíso de cassinos e bordéis, que atraíram milhares de estrangeiros, especialmente entre 1920 e 1933, período em que a venda e o consumo de álcool foram proibidos nos EUA. Foi nesse cenário de terra arrasada, que em 1º de janeiro de 1959, um bando de barbudos liderados por Fidel Castro, seu irmão Raul e Che Guevara tomaram o poder. De cara, centenas de simpatizantes de Batista foram julgados por abuso dos direitos humanos e crimes de guerra. Muitos foram fuzilados. Outros, sentenciados à prisão perpétua. A ascensão dos guerrilheiros veio acompanhada de ambiciosas reformas políticas, que incluíram melhoria e ampliação de serviços públicos, especialmente de saúde e Educação (que passaram a ser gratuitos para todos), reforma agrária (com a nacionalização das terras e de empresas privadas que estavam em mãos americanas) e a planificação da economia (salários, metas de produção e empregos passaram a ser controlados pelo governo central). Consolidando uma aproximação com a União Soviética (URSS), de quem Cuba recebia petróleo e alimentos em troca de açúcar, Fidel declarou num discurso, em maio de 1961, que seu regime era socialista. Com a Revolução Cubana, que completou 50 anos em 2009, os revolucionários arrebataram os corações e as mentes dos latino-americanos e de um grande número de pessoas em todo o mundo. Eles exploraram o apelo romântico da juventude que na época lutava por seus ideais, disposta a ações corajosas e a grandes riscos na busca por um mundo melhor. Fatos que marcaram a ilha 1888 - Com a ajuda dos Estados Unidos, o país consegue a independência da Espanha. Mas os americanos cobram um preço alto: o direito de intervir nos assuntos internos. 1953 - O jovem Fidel Castro e mais 165 homens tentam tomar os quartéis cubanos para depor o ditador Fulgêncio Batista. Acaba preso por dois anos. Depois, exila-se no México. 1956 - Fidel e outros 81 exilados, incluindo o argentino Ernesto “Che” Guevara, retornam a Cuba e se estabelecem na região de Sierra Maestra, iniciando uma guerrilha. 1959 - A guerrilha de Fidel, Raúl Castro e Che Guevara derrota as forças de Batista e toma Havana, fuzilando ex-membros do governo. Acuado, o ditador foge para o exílio. 1960 - Cuba passa a fornecer açúcar à União Soviética em troca de petróleo a preços subsidiados. Essa transação é fundamental para o investimento em Educação e saúde. 1961 - Exilados cubanos treinados pelos EUA planejam derrubar Fidel, na tentativa de invasão da baía dos Porcos. Com o apoio da URSS, os revolucionários vencem. 1962 - Em resposta à instalação de mísseis soviéticos na ilha, americanos impõem um bloqueio a Cuba e instalam mísseis na Turquia, quase gerando uma guerra nuclear. 1991 - Com a dissolução da União Soviética, Cuba perde seu principal parceiro comercial e afunda numa crise econômica, com constantes blecautes e falta de alimentos. 2008 - Fidel Castro renuncia à presidência. Seu irmão, Raúl Castro, assume o poder e anuncia reformas liberalizantes, abrindo a economia do país.
Cena do famoso discurso feito na ONU, em 1964. - Cinema em cena / Divulgação
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