O destaque que vem da educação
Flores da Cunha é o único município da Serra Gaúcha contemplado pelo projeto Apoio Pedagógico, do Ministério Público do RS, e compartilhará suas experiências em Porto Alegre, no próximo dia 21
Que o período de pandemia impactou negativamente na educação e a alternativa para dar sequência aos dois últimos anos letivos foram as aulas online, já sabemos. A novidade é o que as escolas e os governantes têm feito, após a retomada das atividades presenciais, para ‘recuperar o tempo perdido’ e minimizar a defasagem existente entre os estudantes da rede pública.
Nesse quesito, Flores da Cunha vem servindo de exemplo. Prova disso é que o município foi o único da região da Serra Gaúcha a ser contemplado pelo projeto “Apoio Pedagógico: do acolhimento emocional ao resgate de aprendizagens”, promovido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, com o objetivo de criar um banco de experiências para compartilhar caminhadas inspiradoras, fortalecendo propostas metodológicas inovadoras e efetivas que servirão de referência para gestores, professores e demais profissionais do segmento.
No total, foram 95 inscritos em todo o Estado e, destes, quatro foram selecionados para o eixo ‘busca ativa escolar’ e quatro para a temática relativa à ‘recuperação de aprendizagens’. “Para nós, enquanto administração pública, é uma satisfação muito grande poder ter o reconhecimento de uma avaliação externa da proposta que a gente inscreveu e foi destaque no Ministério Público Estadual. O projeto de Apoio Pedagógico se enquadrou na normativa a respeito da recuperação de aprendizagem, e sermos contemplados nos mostra que estamos no caminho certo, bem como nos motiva a, cada vez mais, buscar melhorar a educação do nosso município, podendo fazer entregas à comunidade de um ensino de qualidade e que tenha reconhecimento, não só aqui, mas também em âmbito estadual”, enaltece o secretário de Educação, Cultura e Desporto, Itamar Brusamarello.
De acordo com ele, o diferencial da proposta florense está em voltar atrás para analisar os prejuízos da Covid-19 para o ensino, passando pelas competências e habilidades que não foram desenvolvidas naquele momento. “Esse projeto vem, através de uma avaliação diagnóstica realizada junto às escolas e coordenações, verificar onde precisamos investir para que essa defasagem seja suprida. Então esse quesito, acredito eu, foi um destaque, pois permitiu aplicarmos um remédio a uma situação que a pandemia deixou, por meio de um reforço para que esses alunos, que eventualmente não estejam acompanhando, possam estar, logo ali adiante, voltando a acompanhar toda a turma”, esclarece o secretário da pasta, complementando que a mesma avaliação permitiu identificar que seria necessário investir em Alfabetização e Letramento (do 2º ao 5º ano) e nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática (do 6º ao 9º ano), para as quais foram contratados professores temporários que atuam no contraturno.
Outro ponto positivo da iniciativa florense, e que também é alicerçado no apoio pedagógico, conforme Brusamarello, é a psicologia escolar, que trabalha os aspectos emocionais trazidos pela Covid-19 e como eles refletem nas questões de insegurança e perda, fatores que influenciam emocionalmente no cognitivo e na aprendizagem. Por isso, todas as 11 escolas do município recebem este benefício, e, nove foram contempladas também com o apoio pedagógico – que não se faz presente nas outras duas, uma vez que se trata da Educação Infantil.
“A gente prospectou concluir esse projeto em dezembro, porque além de proporcionar desenvolvimento de competências e habilidades que eventualmente não foram trabalhadas na pandemia ou que foram trabalhadas, mas, não na sua integralidade, os alunos vão ser avaliados em conceitos: A, atingiu os propósitos; B, atingiu parcialmente; e C, não conseguiu. E esse processo precisa, constantemente, de um professor que, através desse critério, permitirá saber se daremos continuidade para o próximo ano”, explica o secretário, que acredita que, provavelmente, a ação se estenderá para 2023.
Ainda segundo Brusamarello, essa verificação serve para orientar se a metodologia aplicada nos reforços está atingindo os propósitos idealizados, bem como analisar se há necessidade de dar sequência à atividade, melhorá-la, ou, mantê-la como está: “A avaliação é, justamente, para ver o quanto de políticas públicas a gente tem que investir e em qual sentido temos que ir, se é mais no Letramento e Alfabetização ou em Língua Portuguesa e Matemática. Afinal, esses são os quatro pontos que chamamos de excelência no básico, construindo neles os pilares, o resto dos ensinamentos se propagam de maneira mais assertiva e acelerada”, defende, acrescentando que, agora, o próximo passo será apresentar a proposta e compartilhar a vivência de Flores da Cunha no painel ‘Recuperação ou recomposição de aprendizagens: entrelaçando experiências’, que será realizado no próximo dia 21, a partir das 14h45min, no auditório do Ministério Público, em Porto Alegre, com o objetivo de inspirar outros municípios e gestores para o desenvolvimento de projetos de aprendizagem, afinal: “Quando a gente tem uma base, construir em cima dela é muito mais fácil”, finaliza o secretário.
Ponto de vista compartilhado pela coordenadora Pedagógica das Escolas Rio Branco e Benjamin Constant, Gissely Lovatto Vailatti, que explica que, ainda em 2021, durante o período em que as aulas foram síncronas, surgiu a necessidade de um olhar diferenciado para essa nova situação que se desenhava, a fim de amenizar as perdas do distanciamento social. “Dessa forma, iniciamos o ano letivo de 2022 com alguns propósitos. A partir dos resultados das avaliações diagnósticas de cada turma, somados às observações de outros aspectos qualitativos, evidenciou-se salas de aula que comportavam alunos em diferentes níveis de desenvolvimento e, com os quais, seria inevitável o acompanhamento estratégico e diferenciado. De imediato, foi comum perceber professores com mais de um planejamento para uma mesma situação de aprendizagem. Mas, precisávamos de auxílio, pois não somente essas questões requeriam especial atenção, como também as emocionais. Diante disso, acrescido ao projeto Mediando Relações – que conta com psicólogos presentes na escola e foi retomado ainda em novembro de 2021 –, neste ano, foi possível pôr em prática o Apoio Pedagógico”, esclarece a especialista em Supervisão e Orientação escolar.
Em um segundo momento, a historiadora informa que houve a elaboração da proposta, embasada nos diagnósticos resultantes de observações e avaliações feitas nas instituições e compartilhadas com o setor de Coordenação Pedagógica da Secretaria de Educação, Cultura e Desporto: “Conjuntamente foram discutidas e analisadas as necessidades mais relevantes e a realidade de cada escola. Diante disso, foi comum a preocupação com a defasagem das aprendizagens e a necessidade de acompanhamento psicológico para auxiliar a amenizar perdas ou, até mesmo, resolver conflitos cotidianos. Situações corriqueiras, que podem parecer estranhas, no âmbito escolar – onde se estabelecem vínculos sociais entre os estudantes”, revela Gissely.
Ainda de acordo com a coordenadora, o pontapé inicial para essa iniciativa sair do papel veio antes, em novembro de 2021, a partir do Mediando Relações, que visa, como o próprio nome diz, mediar relações e situações pessoais para que crianças e adolescentes se sintam motivados a estar no ambiente colegial, construindo conhecimento e estabelecendo vínculos sociais positivos: “Uma pessoa que não está bem, tem muita dificuldade para responder às demandas de seu entorno. Compreendemos então que, acolher emocionalmente nossos estudantes possibilitaria novas oportunidades e conquistas. Somado a isso e preocupados com a necessidade de fundamentar situações de aprendizagem que se encontram em defasagem com relação às habilidades e competências esperadas para cada ano, foi concretizado o projeto de Apoio Pedagógico para os alunos do Ensino Fundamental”, destaca, acrescentando que, uma vez por semana, as instituições recebem uma psicóloga que também está à disposição dos educadores e ajuda a analisar algumas demandas da gestão escolar.
Em relação ao critério de seleção dos estudantes para integrar as aulas de reforço, Gissely frisa: “Os alunos são convidados, a partir da análise de diagnósticos, e participam com a finalidade de sanar dúvidas e construir conhecimentos processuais. Já as professoras, seguem um plano de estudo que leva em consideração a fase de desenvolvimento de cada criança ou adolescente. A mediação entre as professoras titulares das turmas e as de apoio é feita por meio da Coordenação Pedagógica. A seriedade desse projeto também pode ser observada através das avaliações diagnósticas que são realizadas e dos registros disponíveis no Google Classroom”.
Por fim, a coordenadora pedagógica define como essencial o fato de estudantes e professores do município de Flores da Cunha terem sido contemplados pela iniciativa estadual: “A motivação para os estudos requer bem-estar e confiança em si mesmo. Por isso, a soma de esforços em diferentes frentes é primordial. Quando não estamos bem ou quando não compreendemos alguns processos básicos às novas aprendizagens, temos dificuldades maiores para alcançar o nosso melhor. E, ainda que o melhor de cada um seja observado de forma diferente, ouso dizer que a escola é, realmente, o melhor lugar onde uma criança ou adolescente possa estar, quando não estiver sob o cuidado de seus familiares. Nesse último trimestre letivo, tão desafiador, sinto que fizemos uma importante caminhada e, mais do que nunca, tenho certeza que o empenho e o olhar de cada profissional da educação faz a diferença na vida de muitos e as dimensões dessa abrangência são incalculáveis”, conclui.
Oportunidades para (re)aprender
Os maiores beneficiados com o projeto de Apoio Pedagógico, sem dúvida, são os estudantes. Agora eles têm a oportunidade de fortalecer as bases do aprendizado para que ele cresça e a educação cumpra seu papel de transformar a realidade. Momentos que estão sendo aproveitados ao máximo pelos alunos do 8º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Rio Branco.
Este é o caso do florense Guilherme Bono Hemming, de 15 anos, que há mais de sete estuda na instituição. Ele cursa as disciplinas regulares no turno da manhã e, à tarde, participa das aulas de recuperação: “Os reforços estão ajudando muito porque nas aulas eu tinha bastante dúvidas e não falava para a professora, porque eu tinha vergonha, mas, ali no reforço, estou aprendendo bastante e tirando as dúvidas. Como tem uns 4 ou 5 alunos que participam, por serem grupos menores, acabo ficando com menos vergonha e é mais fácil pedir”, esclarece o jovem.
O estudante, que confessa ter mais dificuldade na disciplina de Língua Portuguesa, conta que aprender a distância sempre é mais complicado: “Eu vejo esse reforço como uma coisa positiva, porque na pandemia eu entrava nas aulas, porém, não conseguia prestar a atenção e sempre reclamava, mas, não aprendia nada. Voltamos para a escola, aí chegou o reforço e eu peguei essa oportunidade, que está me ajudando bastante”, destaca Hemming, que acredita que o diferencial deste projeto seja um ensino mais personalizado e que aproxime alunos e educadores.
“Para o futuro eu vou ter menos dúvidas e mais aprendizagem. Estou gostando bastante, às vezes eu dou umas reclamadas, mas vai embora. E os pais também apoiam porque sempre é uma ajuda a mais, como eles dizem, então estamos aí para fazer”, empolga-se.
Quem também está aproveitando essa retomada de conteúdo, mas, para entender melhor a disciplina de Matemática é a Isabela Ulian Pliska, de 13 anos, que têm aulas pela manhã e, semanalmente, no contraturno, faz reforço.
“Eu acho que isso está fazendo muito bem para a gente, está ajudando muito, até por conta de que, como nós estávamos no período online, não prestávamos atenção nas aulas, então não pegávamos a matéria. Quando a gente voltou para a escola tinha conteúdos que nunca tínhamos ouvido falar, e aí eu acho que o reforço está ajudando bastante a gente a chegar nesse objetivo de conseguir entender a matéria que estamos estudando”, comemora a florense, ao mesmo tempo em que adianta que já está conseguindo entender melhor o universo dos números.
De acordo com a jovem, o diferencial da recuperação de conteúdo é que os professores conseguem dar uma atenção maior para os estudantes, atitude que faz a diferença. “A gente acaba tendo duas explicações: tanto a da professora titular da turma, quanto a da professora de reforço. E aí, juntando essas duas, conseguimos ter um ensinamento maior para entender mais a matéria que estamos estudando”, explica Isabela, que também sabe da importância desse movimento para o futuro.
“Eu acho que isso vai ajudar bastante, porque a gente precisa entender o conteúdo, ou seja, tem certas contas de matemática que vamos levar para a vida e se não entendermos agora não vai ser depois que vamos entender. Então é fundamental a gente saber o que está estudando e ser bastante pontual no que está fazendo, prestar a atenção e, se temos alguma dúvida é melhor pedir, não segurar para a gente”, aconselha.
Trabalhando as dificuldades
Os personagens principais que permitiram – e continuam possibilitando – que o projeto de Apoio Pedagógico se transformasse em realidade, são os professores. Pessoas responsáveis por transmitir o conhecimento e semear futuros cidadãos conscientes.
E foi com o intuito de minimizar as discrepâncias advindas da pandemia, principalmente na aprendizagem da leitura e escrita, que a professora Iviane Scremin Zanrosso, de 41 anos, foi uma das contratadas para ministrar as aulas de reforço em Flores da Cunha: “Hoje a gente tem alunos do 4º ano que não estão sabendo ler e escrever, então estamos trabalhando mais isso, mais a alfabetização”, revela a pedagoga.
Desde agosto a docente, que também possui pós-graduação em Educação Inclusiva, dá aulas, semanalmente, para as turmas do 2º ao 4º ano, nas escolas Rio Branco e Benjamin Constant e revela que estes alunos, juntos, integram uma única classe por instituição: “É tudo seriado, eu trabalho com as três turmas em uma sala só. Para isso, primeiro, faço uma divisão no quadro e procuro deixar uma turminha de um lado e outra do outro, mas, eles são bem parceiros e sabem que estão lá todos juntos. Eu distribuo as atividades e depois vou atendendo, enquanto uns fazem, vou atendendo os outros, aí eu sento com os que têm mais necessidade e fico com eles, todos são bem compreensíveis”, explica Iviane, ao mesmo tempo em que informa que as turmas de reforço, da Rio Branco e da Benjamin Constant têm, respectivamente, 15 e 12 alunos.
No que diz respeito aos estudantes escolhidos para participar das aulas de recuperação de conteúdo, a professora ressalta: “A profe titular do turno vê cada aluno que está com essa necessidade e ele é encaminhado para a coordenação da escola e a coordenação tem uma relação dos que precisam, não é, por exemplo, aberto para quem quiser participar”.
“Quando eu cheguei, fiz uma avaliação com eles para ver quais eram as dificuldades e, em cima disso, eu aposto em atividades diferenciadas, lúdicas e muitos jogos que trabalham essa defasagem deles de uma forma mais leve, afinal, eles já têm aula em outro turno, vão ficar o dia inteiro na instituição, então não pode ser uma coisa massacrante”, pondera Iviane, que também frisa que procura trabalhar o foco, isto é, o que viu naquele aluno que ainda não sabe ler.
Outro ponto destacado pela educadora é o interesse e o esforço dos alunos em comparecer às aulas, que é evidenciado pela frequência, pela conscientização de que precisam desse auxílio e pela vontade de aprender. “Eu vejo a importância desse Apoio Pedagógico como algo maravilhoso. É maravilhoso esse olhar que a secretaria teve com esses alunos, porque eles precisam, eles não têm como ir adiante não sabendo, por exemplo, ler e escrever. Quando surgiu a ideia eu adorei, por dar essa chance para esses alunos, que sabemos que, por mais que tiveram aula online, a falta de atenção e de concentração resultaram em uma aprendizagem muito divergente e, agora, temos que retomar e não vai ser do dia para a noite, vai ser aos poucos, mas, juntos seremos mais fortes”, empolga-se a professora.
Iviane traz à tona, ainda, um aspecto de grande importância: o de se colocar como uma parceira, amiga de seus alunos, não assumindo a hierarquia de uma professora. Por outro lado, ela ressalta que, aprender também depende de cada um querer se ajudar para poder receber o auxílio: “Eu não dou o peixe, eu dou a vara para eles pescarem. Eles sabem que podem contar comigo e eu acho que com essa união de caminharmos juntos a gente chega no sucesso. E a cada dia que eu vejo eles evoluindo um pouquinho é uma alegria sem tamanho, cada dia que você vê a criança conseguir fazer o som daquela letrinha e ler uma sílaba é muito gratificante. Eu amo a educação, eu amo ensinar e o que me dá mais prazer é ver o aluno conseguir avançar, isso é muito bonito, e não tem dinheiro que pague”, conclui a alfabetizadora, emocionada.
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