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O aumento da mortandade de abelhas e o descaso dos órgãos públicos

Em Flores da Cunha, 10 casos foram registrados neste ano até o momento. Em 2021 foi apenas um

Com os olhos cheios de lágrimas e a tristeza estampada na face. Foi assim que o agricultor Nestor Mascarello, 68 anos, chegou na sede do Jornal O Florense na última semana, pedindo ajuda. 
O fato: a mortandade de abelhas. 
Na sua propriedade, localizada na comunidade de 7 de Setembro, foram oito enxames – cinco em caixas e três em árvores – que morreram, há 15 dias. “Não é pelo dinheiro, é pelo amor que tenho por elas”, disse, entre soluços. O agricultor, que fez um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia de Flores da Cunha e também conversou com a Inspetoria Veterinária local, está tentando encontrar soluções. “Eles (Inspetoria Veterinária) vieram lá em casa e colheram amostras para exame, mas informaram que não possuem verbas para realizar a análise e ver se foi algum agrotóxico irregular, passado nas lavouras próximas, que causou a morte de tantas”, informa. 
Mascarello, que possui também nove caixas em volta da sua casa, diz que essas não foram atingidas. “Só os que ficam mais para dentro da propriedade, no mato”, relata, triste. “Faz mais de 50 anos que convivo com abelhas. Não é pelo valor, mas pelo amor. Se continuar assim, daqui uns anos todos serão prejudicados se não existirem mais abelhas. Elas são muito importantes”, afirma. 
E esse não foi o único registro em Flores da Cunha, Nova Pádua e região. Só na cidade florense, conforme a Inspetoria Veterinária, foram 10 casos atendidos em 2022, e apenas um, no ano passado. A fiscal estadual agropecuária, Mariana Franzoi Marcon, relata que nos meses de setembro e outubro a incidência aumenta. “Após a notificação de mortalidade/doença por qualquer cidadão, nós da Inspetoria nos deslocamos até o local informado pelo notificante, realizamos uma avaliação da provável causa do agravo e, dependendo do que causou a mortalidade temos alguns padrões legais para seguir durante o atendimento”, revela a fiscal, afirmando que no município foram descartadas suspeitas de mortandade por ocorrência de doenças e de falhas no manejo, restando, por exclusão, a possibilidade de que tenha havido mortalidade relacionada à intoxicação por agrotóxicos. “A hipótese também é reforçada por laudos de laboratório que, em anos anteriores, demonstraram haver resíduos de agrotóxicos nas amostras de abelhas mortas colhidas”. 
Sobre a ausência de verba para a análise, apontada pelo apicultor, a Inspetoria relata que em casos em que a suspeita é de intoxicação por produtos químicos, o Estado do RS, ao qual a Inspetoria de Flores da Cunha responde, não possui verba específica. “Mas as amostras podem ser encaminhadas diretamente ao laboratório, pelo apicultor, se houver interesse, por parte do produtor, em arcar com os custos. Neste caso, o apicultor deverá fazer contato diretamente com o laboratório de seu interesse, não sendo necessário que a Inspetoria Veterinária intermedie esse trâmite”, informa Mariana, que finaliza fazendo um apelo à população acerca da importância destes insetos. “Boa parte da polinização depende deles e a mortalidade de colmeias inteiras tem sido muito observada. Percebo que boa parte dos produtores não notificam os casos para a Inspetoria, então acredito que o quantitativo de mortalidades que vem ocorrendo possa ser maior. Também, oriento durante os atendimentos, que seja realizado um Boletim de Ocorrência para que outros órgãos tenham conhecimento dos casos. É importante que o apicultor cadastre sua criação na Inspetoria para que tenhamos um banco de dados robusto e que em casos de doenças de notificação obrigatória possamos tomar as ações o mais rápido possível, além de emitir GTA quando for realizar o trânsito destes animais”.

Mais uma ajuda ao apicultor
Conforme o apicultor, André Menegat, natural de Nova Pádua, que também é presidente da Associação Caxiense de Apicultores e Meliponicultores – Ascap – e instrutor, pesquisador e assessor da Federação Apícola do Rio Grande do Sul, a situação, a cada ano, vem piorando. “Eu tenho 40 caixas de abelhas em Flores da Cunha e fui vítima da mortandade. Estimo uma perda de mais de R$ 60 mil para este ano”, relata o apicultor, acrescentando que nunca havia passado por uma situação de envenenamento em suas colméias. 
Mas, Menegat quer auxiliar. Há dois anos, Flores da Cunha está no seu radar devido ao aumento elevado de mortandade de abelhas. “Trabalhávamos com a Associação e a Federação mais forte em Caxias do Sul e na região da fronteira, mas esse ano, a região da Serra Gaúcha está precisando mais do nosso auxílio devido ao número elevado de casos, e até mesmo pela falta de movimentação dos entes públicos”, enaltece o paduense que, pela sua trajetória, pôde perceber a falta de informação que a população tem em como proceder com os casos. 
Segundo Menegat, dentre as causas da mortandade, o uso incorreto dos agrotóxicos é o grande vilão. “É muito importante que a população informe a morte dos enxames. O meu trabalho, como pesquisador e assessor da Federação, é mapear os focos de veneno. Por isso, é preciso que as pessoas notifiquem, pois é a partir do comunicado que vamos trabalhar, cada vez mais, a questão do agrotóxico, da conscientização e a forma dele ser utilizado, e também poder cuidar das abelhas”, relata, informando que a morte desses insetos é apenas o primeiro reflexo de um grande enfraquecimento do ecossistema: “Onde a pessoa passa o veneno, não morre só as abelhas racionalmente cuidadas, mas as abelhas da natureza, os meliponídeos, besouros, borboletas, lagartas, e vários outros ecossistemas, além de afetar o solo e todos os microrganismos que nele estão”, afirma.
Por isso, comunicar o fato é de extrema importância. O apicultor que é lesado com a mortandade de abelhas deve, primeiramente, comunicar a Inspetoria Veterinária (em Flores da Cunha, fica localizada na Rua Dr. Montaury, 374, Centro), fazer um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia e notificar o Ministério Público. “É importante comunicar o Ministério Público porque, como não tem verba pública para fazer as análises, o Ministério Público, sabendo desses casos, vai começar a movimentar a questão”, informa Menegat, ressaltando que é função da Inspetoria realizar o recolhimento do material, tanto das abelhas como também da área vegetal onde que, supostamente, tenha acontecido o contato. 
André, que é pós-graduado em apicultura e meliponicultura, finaliza ressaltando que essas questões estão sendo vistas e trabalhadas, “e o produtor que estiver trabalhando de forma irregular, infelizmente, vai sentir no bolso, pois ele gerou ônus para outra pessoa”, garante, afirmando também o descaso do estado em relação aos pequenos produtores de mel.
Para quem quiser o auxílio de André e da Associação, basta entrar em contato pelo fone (54) 3223 8780, ou pelo e-mail amengat31@gmail.com.

O que diz a prefeitura municipal
De acordo com o secretário municipal da Agricultura, Ismael Fortunatti, como a pasta não tem acesso direto aos dados, não é possível afirmar se houve aumento na mortandade de abelhas em comparação aos anos anteriores: “O órgão responsável pelo registro dos números de casos é a Inspetoria Veterinária, mas, é fato que todos os anos – e principalmente nesta época de início de primavera – acontece a mortandade de abelhas. Essa situação não é exclusiva do nosso município, ocorrendo em toda a região. Entendemos que as pessoas devem ter a preocupação e os cuidados necessários para não gerar este descaso com as abelhas, que são fundamentais para a sobrevivência humana”, revela Fortunatti, exemplificando que, no fim de agosto, o município vizinho, Caxias do Sul, realizou um seminário abordando justamente essa temática. 
Os principais prejudicados com o impacto das colmeias, certamente, são os apicultores, contudo, conforme o secretário, os prejuízos são revertidos para toda a sociedade, inclusive para os que fazem mau uso dos produtos que afetam as abelhas, já que elas são fundamentais para a polinização, bem como para a qualidade e produtividade da maioria das culturas. “Sendo assim, a prefeitura municipal, por meio da Secretaria de Agricultura, orienta para que sejam feitas as denúncias na Inspetoria Veterinária Estadual, que tem competência para autuar quando há constatação de uso inadequado destes produtos. A Secretaria incentiva a criação de abelhas, proporcionando cursos para apicultores sobre instalação e manejo de apiário e colmeias. Inclusive, estamos com uma capacitação em andamento, contando com a presença de 21 apicultores”, esclarece.
No que diz respeito ao uso incorreto de defensivos agrícolas, que são considerados os grandes vilões da mortandade de abelhas, Fortunatti reitera que a aplicação de inseticida, juntamente com herbicida, é expressamente proibida. Quando necessário, a forma correta da utilização de inseticidas é após a dessecagem, de modo que não interfira no hábitat das abelhas. “A Secretaria de Agricultura sempre procura orientar os agricultores a usar produtos biológicos ou que tenham registro para a cultura, e também que sejam tomados todos os cuidados que constam nas informações técnicas de cada um deles. Assim, é possível contribuir para a preservação das abelhas, fazendo com que elas possam cumprir com seu papel ambiental, que permite a manutenção da biodiversidade, participando do processo de reprodução das plantas e resultando no aumento de produtividade da maioria das culturas. Mais de 60% dos alimentos que são consumidos dependem da polinização das diversas espécies de abelhas e, ainda, mais de 90% dos vegetais também dependem desta intervenção dos insetos para a polinização”, conclui o secretário.   

O prejuízo da mortandade de abelhas do apicultor, André Menegat, vai além dos R$ 60 mil.  - Divulgação
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