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Novo papa será conhecido até a Páscoa

Alemão Joseph Ratzinger, 85 anos, renunciou ao cargo de Sumo Pontífice no dia 11. Religioso deixa o posto oficialmente no dia 28 de fevereiro

Surpresa, admiração, desconcerto e comoção. Estes foram alguns dos sentimentos presentes nos rostos dos cardeais e religiosos que acompanharam a renúncia de Bento XVI ao posto máximo da Igreja Católica, o de Bispo de Roma. Sentimentos que foram multiplicados pelo mundo quando a notícia foi anunciada pelo Vaticano na manhã de 11 de fevereiro. O papa anunciou (veja abaixo a íntegra da declaração), na sala do Consistório do Palácio Apostólico, que deixa o pontificado no dia 28 de fevereiro. A renúncia é a primeira de um papa desde a Idade Média (Séculos V e XV). O alemão Joseph Ratzinger, 85 anos, justificou sua decisão alegando idade avançada.

Um dia após o anúncio, o porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, informou que o pontífice vive com um marca-passo (aparelho regula os batimentos cardíacos com estímulos elétricos) há anos, e reiterou, entretanto, que o papa não está com nenhuma doença grave. O último evento público de Bento XVI será uma missa na Praça de São Pedro, no Vaticano, em 27 de fevereiro, um dia antes de ele deixar o posto. Após essa celebração, ele ficará na residência papal no vilarejo de Castel Gandolfo, perto de Roma, antes de partir rumo à clausura em um monastério ocupado por freiras para um período de orações. Segundo o porta-voz, o Santo Padre continua papa, mas não terá nenhum papel na administração da Igreja nem terá influência formal na escolha do sucessor.

O Vaticano pretende eleger o novo papa antes da Páscoa por meio do Conclave, processo na Capela Sistina, dentro do Vaticano, do qual participam 117 cardeais (sendo cinco brasileiros: dom Cláudio Hummes, 78 anos, ex-arcebispo de São Paulo; dom Geraldo Majella Agnelo, 79 anos, arcebispo emérito de Salvador; dom Odilo Scherer, 63 anos, arcebispo de São Paulo; dom Raymundo Damasceno Assis, 76 anos, arcebispo de Aparecida; e dom João Braz de Aviz, 64 anos, arcebispo de Brasília). O processo de escolha do sucessor de Bento XVI começa entre 15 e 20 de março.

Analistas dizem que os ‘candidatos’ europeus são favoritos na disputa papal, incluindo os arcebispos de Milão, o italiano Angelo Scola; e o de Viena, Christoph Schönborn. Outros nomes cogitados pela imprensa italiana podem emergir da África e da América Latina, onde o número de católicos é alto – dos 2,18 bilhões de cristãos do mundo, 50,1% são católicos; dos 1,1 bilhão de católicos, 133,6 mil estão no Brasil, país que tem o maior número de seguidores do mundo. Entre os possíveis nomes que substituiriam o atual pontífice estão o cardeal Peter Turkson, de Gana; o cardeal Francis Arinze, da Nigéria; e o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer.

Na quarta-feira, dia 13, o papa enviou uma mensagem ao Brasil, quando foi lançada a Campanha da Fraternidade com o tema Fraternidade e Juventude. Na mensagem, ele incentivou os jovens a terem uma participação ativa na comunidade e na Igreja. O apelo ocorre cinco meses antes da Jornada Mundial da Juventude, que será realizada no Rio de Janeiro entre os dias 23 e 28 de julho. “De bom grado associo-me a essa iniciativa quaresmal da Igreja no Brasil, enviando a todos e cada um a minha cordial saudação no Senhor, a quem confio os esforços de quantos se empenham por ajudar os jovens para que se tornem, como lhes pedi em São Paulo, protagonistas de uma sociedade mais justa e mais fraterna inspirada no Evangelho”, disse o pontífice.

História
Além de Joseph Ratzinger, mais três pontífices renunciaram ao cargo desde o Século I: Gregório XII, em 1415; Celestino V, em 1294; e Ponciano, em 235. O último a abdicar do cargo, na Idade Média, foi Gregório XII, depois de cinco anos como papa. A saída ocorreu durante o Cisma do Ocidente, período em que ocorreram conflitos entre Roma e Pisa, na Itália, e Avignon, na França, sobre a sucessão e o local da residência dos papas – solucionado somente depois da renúncia, em 1418, com o Concílio de Constança. Gregório XII foi um dos papas eleitos em idade mais avançada, com 90 anos. De acordo com o Código de Direito Canônico, o papa pode renunciar ao cargo desde que a renúncia seja livre. O ato não precisa ser reconhecido por nenhum tipo de entidade.

Bispo dom Alessandro: “Quem vai agir é a
graça de Deus e o dom do Espírito Santo”

Para o bispo da Diocese de Caxias do Sul, o italiano dom Alessandro Ruffinoni, 69 anos, sem dúvida a renúncia de Bento XVI foi uma notícia que surpreendeu o mundo inteiro. “Ninguém esperava uma renúncia, ao menos neste momento. Mesmo debilitado o papa não dava a impressão que não tem mais força para continuar. Acho que ele calculou, pensou e rezou muito sobre essa decisão”, pontua o bispo. “Acho que o papa foi muito humilde ao renunciar, reconhecendo as limitações físicas que sente, as quais estão impedindo o cumprimento de viagens, reuniões e audiências”, avalia Ruffinoni. Confira a seguir uma entrevista com o bispo sobre o motivo de Bento XVI deixar espaço para outro papa conduzir a Igreja Católica.

O Florense: O futuro da Igreja Católica passa pela escolha do novo papa?
Dom Alessandro:
Renunciando, Bento XVI não é mais bispo de Roma, tem 85 anos e não participará do Conclave, pois somente cardeais com até 80 anos têm direito ao voto. Sabendo como o papa é, se retirará sem fazer politicagem na escolha do novo Santo Padre. Quem vai agir é a graça de Deus e o dom do Espírito Santo, ajudando os cardeais e pensar e refletir para, juntos, escolherem o sucessor de São Pedro.

O Florense: Na época em que foi escolhido papa, Bento XVI era bastante atuante como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (órgão da Cúria que defende a ortodoxia no catolicismo), cargo que ocupou entre 1981 e 2005. Por ser referência, em 2005 foi escolhido papa. Nesse contexto, é possível dizer de que ‘corrente’ da Igreja virá o novo papa?
Dom Alessandro:
Algumas doutrinas da Igreja não vão mudar, seja eleito um papa mais novo ou um mais velho. O que é de Deus, é de Deus. Agora, o jeito, as características para enfrentar problemas, a forma de se expressar, isso pode ser diferente. Dependerá também do carisma do novo papa poder conduzir a Igreja com mais serenidade e com mais aceitação. A Igreja Católica sempre será criticada por certas coisas, o que não pode ocorrer é renunciar à fé da sociedade fundada por Jesus Cristo. Como a juventude está precisando muito da Igreja, pode ser que venha alguma coisa nova. Isso é o que estamos aguardando. Que o novo papa, com a ajuda dos cardeais e a luz do Espírito Santo, possa conduzir a Igreja com o bonito trabalho de evangelizar.

O Florense: Qual a sua opinião sobre os possíveis candidatos que são divulgados pela imprensa?
Dom Alessandro:
Todos são livres para emitir opiniões e palpites, mas acho que com relação ao papa não leva a nada. De fato, a escolha é sempre imprevisível. O papa Bento foi uma surpresa para todos nós. E agora poderemos ter outra surpresa, um papa desconhecido por nós e pela Europa. O nosso dever como católicos é rezar para que os cardeais estejam bem iluminados e sigam a inspiração do Espírito Santo para escolher bem. Estava lendo em alguns jornais, tem um cardeal jovem, é filipino, de 56 anos. A média de idade dos cardeais varia entre 60 e 70 anos. Acho que é nessa faixa que será escolhido o novo papa, um cardeal que também conheça um pouco o mundo e tenha uma visão ampla da realidade da Igreja.

O Florense: Estudiosos e teólogos cogitam que a decisão de Bento XVI em renunciar foi estratégica e com apelo político. E antecede uma data muito especial para os católicos, a Páscoa...
Dom Alessandro:
O que levou ele a renunciar, além da idade e do cansaço, pode ter sido algum fato que o tenha afetado ou magoado. Um exemplo disso são os documentos tornados públicos por seu mordomo, os quais foram tirados do seu quarto; traído por uma pessoa de confiança. Mas o principal motivo é a saúde, que está fragilizada.

Jornada da Juventude está mantida

O arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta, disse após a renúncia do papa que os preparativos para a Jornada Mundial da Juventude estão mantidos. Segundo o arcebispo, o papa já tinha se referido de forma particular à possibilidade de não ser ele o representante da Igreja Católica no evento. “O papa sempre vai à Jornada. Ele disse isso, inclusive, se referindo que ele ou seu sucessor viriam”, revelou dom Orani.

As opiniões locais

“Comungo da maioria das opiniões que foram divulgadas pela imprensa, de surpresa. Não é frequente um papa renunciar. Foi um ato corajoso e de humildade, também devido à idade e à fragilidade de sua saúde. Acredito que o novo papa deverá investir mais na área pastoral, visto que Bento XVI foi mais doutrinário. Uma nova visão para a Igreja Católica seria dada caso o novo papa fosse um africano ou asiático.” Frei Valdivino Salvador, 60 anos, pároco da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, em Flores da Cunha.

“Acredito que o papa achou que é melhor deixar para uma pessoa mais capacitada a gerência da Igreja Católica, até por sua idade e formação. Sobre o novo papa, acredito que ele deva ter uma posição mais clara e decidida. Será que a nova administração terá a tradição da Igreja ou será baseada no Concílio Vaticano II, ocorrido há 50 anos? Acho que na segunda opção.” (O Concílio, iniciado em 1962 e encerrado em 1965, discutiu e regulamentou alguns temas da Igreja Católica, porém, os resultados da ‘atualização’, segundo alguns estudiosos, ainda não foram totalmente entendidos ou colocados em prática.) Padre Mário Pasqual, 61 anos, pároco da Paróquia Santo Antônio, em Nova Pádua.

“O papa Bento XVI teve um posicionamento sábio. Reconheceu que deve transmitir a responsabilidade a outro papa, com mais saúde. Assim como o atual, o novo Santo Padre dará o melhor de si para praticar a palavra de Deus.” Padre Vitor Aquiles Cecatto, pároco da Paróquia São Marcos, no distrito de Otávio Rocha.


Currículo

O alemão Joseph Ratzinger, 85 anos, assumiu o comando da Igreja Católica em 19 de abril de 2005 com 78 anos, após a morte de João Paulo II (o polonês Karol Wojtyła, 84 anos, falecido em 2 de abril de 2005), em um dos conclaves mais rápidos da história, com cerca de 22 horas de duração. Após quatro rodadas de votações, Ratzinger foi empossado na Basílica de São Pedro, no Vaticano, em 24 de abril de 2005.

Nascido em 16 de abril de 1927, em Marktl am Inn, na Baviera, no Sudeste da Alemanha, próximo à fronteira com a Áustria, o papa veio de família humilde. O pai era comissário de polícia e a mãe, artesã. No início da 2ª Guerra Mundial (1938), Ratzinger serviu no regime nazista, nos últimos meses dos conflitos. Em 1951, Bento XVI se tornou sacerdote. Ratzinger participou do Concílio Vaticano II como perito. Em 1977 foi nomeado arcebispo de Munique e, no mesmo ano, cardeal – título mais alto da Igreja, antes do papa. Ele participou dos conclaves que elegeram João Paulo I (1978) e João Paulo II (1978).

As palavras de Bento XVI no anúncio da renúncia

Caríssimos Irmãos, convoquei-vos para este Consistório não só por causa das três canonizações, mas também para vos comunicar uma decisão de grande importância para a vida da Igreja. Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor, quer do corpo quer do espírito; vigor este que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado. Por isso, bem consciente da gravidade deste ato, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro, que me foi confiado pela mão dos Cardeais em 19 de abril de 2005, pelo que, a partir de 28 de fevereiro de 2013, às 20h, a sede de Roma, a sede de São Pedro, ficará vacante e deverá ser convocado, por aqueles a quem tal compete, o Conclave para a eleição do novo Sumo Pontífice. Caríssimos Irmãos, verdadeiramente de coração vos agradeço por todo o amor e a fadiga com que carregastes comigo o peso do meu ministério, e peço perdão por todos os meus defeitos. Agora confiemos à Santa Igreja a solicitude do seu Pastor Supremo, Nosso Senhor Jesus Cristo, e peçamos a Maria, sua Mãe Santíssima, que assista, com a sua bondade materna, os padres Cardeais na eleição do novo Sumo Pontífice. Pelo que me diz respeito, nomeadamente no futuro, quero servir de todo o coração, com uma vida consagrada à oração, a Santa Igreja de Deus.
Vaticano, 10 de Fevereiro de 2013.
Benedictus PP XVI


Católicos no mundo

Dos 2,18 bilhões de cristãos do mundo, 50,1% são católicos, 36,7% protestantes, 11,9% ortodoxos e 1,3% outros cristãos. A Igreja Católica tem 1,1 bilhão de seguidores em todo o planeta, o que representa metade da população mundial cristã. O Brasil tem o maior número de católicos do mundo. Há mais católicos no Brasil do que na Itália, França e Espanha juntas. Os 10 países com maior número de católicos têm mais da metade (56%) dos católicos do mundo. Os muçulmanos representam 1,6 bilhão de pessoas (ou 23,4% da população mundial de 7 bilhões de pessoas). Os cristãos somam 32% da população do planeta. Os dados são do estudo Cristianismo Global: informe sobre o tamanho e distribuição da população cristã no mundo, do Centro de Pesquisa Pew (Washington, EUA).



Última aparição pública como papa de Bento XVI ocorrerá no dia 27 de fevereiro, na Praça de São Pedro. - RAI/Divulgação
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