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Na contramão das grandes redes

Há 30 anos, Farmácia da Noeli aposta no bom atendimento como diferencial para fidelizar clientes

Não é preciso andar muito pelo Centro de Flores da Cunha para encontrar uma farmácia, não é mesmo? Percorrendo um trajeto de apenas cinco quadras pela Av. 25 de Julho e Rua Borges de Medeiros nos deparamos com nove drogarias. Número que se tornou ainda mais expressivo na última década, com a chegada das grandes redes ao município que, juntas, resultam em 11 empresas especializadas na comercialização de medicamentos e produtos de higiene, isso sem mencionarmos os dois estabelecimentos dedicados à manipulação que, quando considerados, elevam o total para 13. 
Se por um lado, esse ‘boom’ de drogarias é positivo, por aumentar a concorrência no mercado e possibilitar que os preços sejam repassados aos consumidores de uma forma mais acessível, por outro, impacta negativamente os empreendimentos particulares, isto é, os que não pertencem às grandes redes, e tem obrigado muitos a fechar as portas nos últimos anos. 
Contudo, este não é o caso da Farmácia da Noeli, a única particular que sobreviveu a expansão do segmento na área central da cidade, junto à Av. 25 de Julho, 1447. “Faz 30 anos que tenho a farmácia. Eu já tinha trabalhado, durante 10 anos, na São Pedro e, depois, como eu gostava, comecei a me interessar em ter a minha própria, porque, na época, também era uma fonte de renda”, lembra a proprietária, Noeli Fioreze Dal Bó. 
Com praticamente metade de sua vida dedicada ao empreendimento, hoje, aos 64 anos, ela revela que, inicialmente, o endereço era alugado: “Escolhi aqui por ser uma área central, também. Os primeiros 10 anos eu paguei aluguel. Depois a pessoa vendeu e a gente acabou adquirindo”, conta, afirmando que esse período também serviu para verificar a adesão da comunidade aos serviços oferecidos. 
Mediante a boa aceitação dos florenses, em uma época em que a cidade contava com cerca de quatro drogarias, Noeli tornou-se proprietária do estabelecimento: “No início tinha bastante gente que vinha, mas, em comparação ao número que é hoje, tinha menos, porque a população cresceu. Hoje acho que tem umas dez farmácias em Flores da Cunha, mas tem mais pessoas morando na cidade e antes eram só as conhecidas da região”, destaca, complementando que, por ter experiência, acaba sendo bastante procurada por quem veio de outras regiões – especialmente jovens – e precisam de orientações acerca do município, médicos, serviços hospitalares, entre outras questões. 
“Com conhecimento de muitos anos a gente pode dispensar o básico, depois, se achamos que não damos conta, vamos encaminhar para o médico. Os clientes também pedem informação de quem é o médico para cada caso, porque muitas pessoas não conhecem, não sabem que tem, e é tudo muito direcionado para Caxias do Sul, mas, às vezes, tem aqui”, enfatiza Noeli, cujo empreendimento também se destaca por contar com o serviço de aplicação de injeções, mediante prescrição médica.
“O pessoal procura bastante porque se vai no posto de saúde fica duas horas esperando, se vai no hospital, três ou quatro horas, aqui pode fazer no mesmo momento para não ficar esperando. Todos os procedimentos que são permitidos a gente faz. Então isso valoriza, é um diferencial que pode ajudar as pessoas”, empolga-se a proprietária da farmácia. 
Outra particularidade destacada por ela é manter a tradição das fichas, nas quais os clientes fiéis podem anotar suas compras: “As pessoas mais antigas não usam cartões de crédito, aí é melhor, facilita. Vem uma pessoa de 60 anos, ou, mais de 50, muitas vezes ela não tem cartão”, pontua Noeli. 
Em relação aos impactos e desafios enfrentados pelo estabelecimento com a chegada das grandes redes, a proprietária esclarece que o movimento é menor, porque sempre vai dividir o público e, como consequência, o número de colaboradores também diminuiu: “Hoje temos duas funcionárias, mas, teve épocas que contamos com mais de seis. As vendas também caíram, como é central, é muito perto uma loja da outra” evidencia. 
Outro quesito que provoca dificuldade nas drogarias de menor porte é a concorrência dos preços. Sobre isso, Noeli explica que esses locais costumam ter uma logística e uma distribuidora próprias, conseguindo, assim, vender praticamente pelo preço que pagam – em torno de 10% a mais sobre o produto –, mesmo valor pago pela proprietária para adquirir e, posteriormente, comercializar os itens. 
Contudo, apesar desses limitadores, ela se mantém firme em sua vocação de continuar ajudando e orientando as pessoas: “Acho que é um reconhecimento, porque a gente prestou algum serviço que funcionou. Quando eles dizem ‘bah, valeu a pena falar contigo e o que tu me informou deu certo’, isso faz a gente continuar, é gratificante e mostra que o trabalho da gente é bom”, emociona-se.
Noeli também adianta que, um dia, pretende vender o espaço, mas, até que estiver bem e com saúde vai seguir à frente da Farmácia da Noeli: “Vai dar certo, tem que ser otimista, acreditar no que a gente faz. Muita gente já é cliente fiel e eu acho que é por causa do atendimento, porque as pessoas gostam dessa atenção, aí elas procuram aqui. Tenho clientes de bastante tempo, eles até podem mudar, mas, depois acabam voltando”, conclui a proprietária.
Fidelização de clientes que pode ser vista na prática ao conversarmos com a aposentada, Neusa de Barros de Lima, de 57 anos, que compra medicamentos no local: “Faz vários anos que venho aqui na farmácia, sou cliente fiel. O diferencial é o bom atendimento, por isso, pretendo continuar vindo aqui”, revela. 
O mesmo ponto de vista é compartilhado pela também aposentada Gema Moraes, de 65 anos. Ela conta que, há muito tempo, compra medicamentos no espaço: “Sou cliente fiel, gosto de comprar com a Noeli. Aqui tem tudo de bom, o que a gente precisa. Ela sempre atende bem, favorece a gente e ajuda no que é possível”, evidencia.

O reflexo dos números 
De acordo com dados da Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar) o faturamento do setor atingiu R$ 120,3 bilhões, em 2018, uma alta de 11,76% em comparação com o ano anterior. 
Índices elevados que vão ao encontro do fato de o Brasil ocupar o 6º lugar no ranking global dos maiores mercados farmacêuticos, ficando atrás dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e França, com tendência de crescimento entre 5 e 8% nos próximos anos.
Com o faturamento aumentando, consequentemente também cresce o número de estabelecimentos. Conforme o Conselho Federal de Farmácia do Rio Grande do Sul (CFF/RS), entre farmácias e drogarias, o estado registra um total de 5.644 unidades, além de cerca de 206 distribuidoras, 657 farmácias públicas e 327 hospitalares, 26 indústrias de medicamentos, 583 laboratórios de análises clínicas e 16.764 profissionais farmacêuticos. 
No entanto, para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o ideal é uma farmácia para 8 mil pessoas, isso porque, segundo especialistas, a grande quantidade desses endereços estimula o uso desregrado e a automedicação. Diante disso, se levarmos em consideração que o município de Flores da Cunha possui uma população de 31.352 (segundo dados do IBGE) e apresenta um total de 13 drogarias, percebemos que o número equivale a 3,9 estabelecimentos para cada 8 mil habitantes, isso mesmo: quase quatro vezes mais que o indicado. Sendo assim, deveríamos contar com uma média de 4 farmácias no município, ou, termos uma população estimada em 104 mil habitantes. 

Noeli Fioreze Dal Bó revela que é gratificante trabalhar ajudando as pessoas.  - Karine Bergozza
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