Muito além das cancelas
Moradores do Carmo e Travessão Rondelli podem ter acesso à ERS-122 bloqueado com a mudança de local da praça de pedágio. Via é utilizada diariamente para travessia de agricultores e suas máquinas
Se por um lado os moradores das capelas de São Roque, Restinga e São Vitor contam os dias para a transferência da praça de pedágio do Km 99,5 da ERS-122 para o trecho entre o Km 103 e 105, no início da descida da serra do Rio das Antas, em Flores da Cunha, por outro, o assunto aumenta a preocupação nas comunidades de Nossa Senhora do Carmo e Travessão Rondelli. A inquietação desses agricultores vai muito além do fato de o novo local não possibilitar, ao menos em um primeiro momento, uma opção de desvio e terem de pagar um valor para ir e vir, afinal ninguém quer uma praça de cobrança nas proximidades de sua residência, isto é fato. Contudo, a questão principal que aflige os moradores dessas duas localidades é o provável fechamento de uma das principais vias que liga suas propriedades à rodovia estadual: a entrada da estrada de N. Sra. do Carmo.
O tema passou a ser sinônimo de polêmica desde que o vereador Valdir Franceschet, o Feio (MDB), pediu mais atenção às comunidades atingidas com a mudança, e questionou como ficaria a travessia dos agricultores e suas máquinas diante da divisão de suas propriedades, durante sessão na Câmara de Vereadores, no início deste mês.
Desde então, os moradores começaram a se unir em busca de soluções para o problema. Um deles é o florense Márcio Schiavenin, de 40 anos, que reside nas proximidades da nova praça. Para ele, a alteração do local do pedágio vai interfeir muito no seu dia a dia: “Eu tenho terras nos dois lados da via e cruzo – com meu pai, meu irmão, funcionários – de manhã, meio dia e noite; com caminhão, trator, camionete. São três ou quatro vezes por dia que fazemos esse vai e volta, eu tenho máquinas que vão de cá pra lá e de lá pra cá. Minha esposa também precisa passar três vezes por dia porque vai trabalhar no frigorífico. E isso não é só comigo, tem umas 10 famílias por aqui na mesma situação e não se sabe o que vai acontecer”, desabafa o agricultor.
Outra dificuldade, de acordo com ele, seria a de se deslocar até o centro da cidade, uma vez que teria que ir até as proximidades da ponte sobre o Rio das Antas para, depois, voltar. “Não tem cabimento isso. Não existe, é um absurdo. Nunca se viu fechar uma via pública assim,. Então que se faça o pedágio, sim, mas mais para baixo dela (desta via)”, sugere Schiavenin, acrescentando que o ponto de vista foi levado à prefeitura municipal, em reunião com o prefeito, César Ulian, e com representantes da concessionária Caminhos da Serra Gaúcha (CSG). Agora eles aguardam um retorno quanto a viabilidade das alternativas apresentadas, uma delas, por ora, é a possibilidade de construção de uma passagem subterrânea.
“Mas aí nós temos aviários, então, mesmo com túnel, como é que vai passar caminhão? Tem a Vinícola Vilena que eles transportam, quase sempre, vinhos de carreta; tem também o Matadouro Gavazzoni, que transporta porcos. Além disso, esse asfalto foi pago por todos da comunidade, pela empresa também que gastou uma boa parte para esse acesso, e agora vão querer trancar?”, indaga o agricultor.
A opinião de Schiavenin é compartilhada pelo proprietário do Matadouro Gavazzoni, João Gavazzoni, de 62 anos: “Eu tenho a empresa aqui e vou ter que descer todo o dia para passar buscar porcos em Antônio Prado, vou ter que dar a volta lá por cima, mas vai fazer o que? Eu acho que estaria errado trancar uma estrada dessas, a turma passa por aqui”, declara.
Matheus Giachelin, de 20 anos, também é morador da Capela Nossa Senhora do Carmo e, assim como Schiavenin, acredita que o túnel poderia ser uma boa alternativa para atravessar a via, mas o problema seria a passagem dos caminhões. “Eu uso todos os dias aquela via que eles querem trancar para ir no parreiral, tem vizinhos que tem propriedades nos dois lados da estrada e não vão ter mais como atravessar, vai trancar tudo, não vai ter mais o que fazer. Aí para entrar dentro de casa só de helicóptero, porque se continuar assim...”.
O agricultor também aproveitou para levantar outra questão, a da ausência de um desvio de pedágio com a instalação da nova praça: “Eu trabalho em Ipê e, com a mudança de lugar eu vou ter que pagar todos os dias, já que também não vai ter desvio, e como é caminhão o valor é ainda mais alto, além de ter tido reajuste no início do ano”, relata. Mesma opinião do florense Adriano Mutterle, de 40 anos: “Eu tenho propriedades aqui na beira do Rio das Antas e em Sete de Setembro. Então em época de poda e colheita eu tenho que subir todo o dia, aí tem que pagar. Hoje tem desvio, mas depois não vai ter escapatória”, desabafa.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares de Flores da Cunha e Nova Pádua (STR), Ricardo Pagno, acredita que tanto a forma como foi conduzido todo esse processo, quanto o futuro local do pedágio, atrapalhará bastante os produtores: “Lutamos tanto para ter um acesso asfaltado aqui, que ligasse a comunidade, e agora eles estão querendo trancar. Os moradores que tem propriedades, tanto para um lado quanto para o outro da estrada, vão ficar sem acesso também. Então eu entendo que isso, lá atrás ainda, tinha que ter sido discutido um pouco melhor com a comunidade, não só com o Carmo, principalmente, claro, porque é o mais atingido, mas também com a comunidade florense como um todo; porque aqui onde eles estão querendo colocar ninguém mais vai ter opção de desvio”, defende.
Pagno também destacou que os moradores estão aguardando a concessionária apresentar o projeto de como ficaria a viabilidade dos acessos: “Talvez se eles pudessem mover uns 100 ou 200 metros um pouco mais adiante (a praça) e que não trancassem esses acessos para, pelo menos, não prejudicar os moradores aqui”, almeja o presidente do STR.
De um lado: a concessionária
Na semana passada, quando a redação do Jornal O Florense esteve no provável novo local do pedágio, uma equipe da concessionária Caminhos da Serra Gaúcha (CSG) também estava por lá. De acordo com o laboratorista, Anderson Veiga, de 37 anos, o grupo estava realizando, primeiramente, a sondagem do local para verificar o tipo de rocha e o perfil geológico da região. Somente após esta etapa a empresa confirmará se realmente será construída a praça no ponto ou não, por enquanto ainda não há definição.
Conforme o gerente de Engenharia da CSG, Márcio Schaper, a transferência da praça de pedágio será realizada porque assim foi determinado pelo Contrato de Concessão assinado com o Governo do Estado do RS. Por sua vez, o provável fechamento de uma das principais vias que liga as propriedades à rodovia estadual, a entrada da estrada de Nossa Senhora do Carmo, se deve “às normas de engenharia viária, de que não podem existir acessos à rodovia em até 1 km do eixo das praças de pedágio por questões de segurança”, informa Schaper.
Questionado sobre o que pode ser feito para evitar este cenário, uma vez que a nova estrutura vai dificultar o acesso à propriedade de diversos produtores da região, o gerente de engenharia esclarece: “Na região da praça apenas um proprietário será diretamente atingido e está prevista solução para o mesmo, inclusive mais segura do que hoje existe”.
“Estamos avaliando, junto ao Governo do Estado do RS, as melhores alternativas para mitigar os impactos existentes”, ressalta, acrescentando que a CSG tem até janeiro de 2024 para concluir as obras referentes a este pedágio.
Do outro: a administração
A respeito de a administração municipal dar mais atenção aos moradores da comunidade Nossa Senhora do Carmo e Travessão Rondelli, que poderão ter seu dia a dia prejudicado com a mudança de local da praça de pedágio, o prefeito municipal, César Ulian, relembra: “Dentro das tratativas com o Governo do Estado, principalmente no ano de 2021 início de 2022, nós estivemos participando semanalmente, buscando alternativas para a retirada do pedágio de Flores da Cunha, mas, infelizmente, pelo trajeto da nossa ERS-122 ele não foi possível ser retirado do território do município, porque se nós fôssemos muito para o lado de Antônio Prado ele ficaria muito próximo da segunda praça que será instalada (inclusive essa também foi uma tentativa de unificar as duas praças, mas, foi inviabilizada pelo valor da tarifa)”.
De acordo com Ulian, a questão da transferência da praça é uma demanda antiga, de mais de 20 anos, das comunidades de São Roque, Restinga, São Vitor e Carmo, e o assunto vem sendo muito debatido, especialmente nos últimos dois anos. “Infelizmente a gente não conseguiu retirar do município, porém, em consideração ao apelo da nossa comunidade do acesso Norte, conseguimos deslocar essa praça, e o único local, por condições do relevo, foi próximo ao Km 103, Km 105, onde tem esse acesso que, inclusive, por mais que tenhamos outros, é um dos principais”, revela.
Com o início dos estudos para a instalação do novo ponto de cobrança – que deverá ocorrer ainda em 2023 – segundo o prefeito, foram surgindo alguns questionamentos e preocupações: “Nós entramos em contato imediatamente com a concessionária, falamos com os diretores diretamente, já por três ocasiões, uma delas, inclusive, indo a campo, verificando essa questão; também já manifestamos descontentamento com qualquer possível fechamento de acesso”, esclarece.
Devido ao fato de a via ser um acesso direto ao local onde estaria o pedágio, as alternativas encontradas pela concessionária, conforme o chefe do Executivo, seriam: “Fazer uma extensão pela lateral da ERS-122, deslocando o acesso para a 122 um pouco mais acima, na direção a Flores da Cunha, para que não fique diretamente na faixa do pedágio (até por uma questão de risco e de perigo de deslocamento). Outra alternativa é o estudo de uma passagem subterrânea para os tratores e máquinas agrícolas, para que eles não precisem cruzar o asfalto, que a gente sabe que é um risco muito grande e também que existe a proibição pela lei de trânsito”, elenca Ulian, acrescentando que as soluções foram levantadas após uma reunião realizada com moradores, em seu gabinete e, agora, a administração aguarda a concessionária apresentar a proposta com esses dois estudos de viabilidade para que os impactos sejam os menores possíveis para todos.
“Nós imaginamos que na próxima semana tenhamos o retorno da concessionária, então reuniremos novamente os munícipes da região, os proprietários das terras que terão maior impacto com a praça de pedágio e essas duas alternativas serão apresentadas para todos verem se aceitam, então tudo isso vai ser construído em conjunto”, defende o prefeito.
Em relação ao pedido de isenção de taxa aos moradores do entorno da atual praça de pedágio (Km 99,5) solicitada em fevereiro pela prefeitura em ação contra o Estado e a concessionária, Ulian afirmou que está aberto o prazo para o Ministério Público se manifestar e, após, será concluso para o Juiz se manifestar quanto ao pedido liminar.
O chefe do Executivo aproveitou para destacar o fato de o ponto de cobrança ter sido mantido em Flores da Cunha também trazer avanços importantes nas contrapartidas, como as obras no calendário inicial que estavam previstas para iniciar nos anos 6, 7, 8 e foram antecipas para os anos 2, 3 e assim sucessivamente: “Já no ano que vem, nós teremos obras de infraestrutura acontecendo aqui, a exemplo dos acostamentos de 1,5m em cada uma das laterais da ERS-122, na área da serra, para os caminhões poderem trafegar com maior segurança, já que o escape de caminhões é uma preocupação muito grande que nós temos. Então obras de trevos, de acessos, melhorias, placas, sinalizações, tudo isso foi antecipado para iniciar no ano que vem. Nós também conseguimos quase que dobrar o valor de investimentos de obras de infraestrutura aqui no trecho de Flores da Cunha. Então, infelizmente, nós não conseguimos retirar a praça de pedágio daqui, mas, em contrapartida, conseguimos muitas melhorias que vão trazer mais segurança e qualidade de tráfego para o município”, finaliza.
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