Montanha russa de temperaturas
Clima quente e frio, com geadas neste mês de setembro, interfere na brotação e quantidade de frutos
No mês da primavera, dias de verão e outros de inverno e, a temida geada. O nono mês do ano vem se mostrando instável em relação às condições climáticas, que são desfavoráveis para quem depende do tempo para tirar seu sustento, como é o caso dos agricultores.
Instabilidade: um frio de inverno em pleno maio e um calor de verão em agosto, e chuvas. Uma montanha russa de temperaturas que já está afetando a produção agrícola em Flores da Cunha, principalmente na cultura da uva e frutas de caroço, como pêssego e ameixa.
Conforme o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares de Flores da Cunha e Nova Pádua, Olir Schiavenin, as temperaturas acima da média, no mês de agosto, fizeram com que a quebra da dormência das parreiras se antecipasse. “O estágio de brotação está de uma semana a 15 dias mais avançado, se comparado aos outros anos, considerados normais. Então isso traz um impacto negativo. Essa variação de temperatura não faz bem nem para os seres humanos e as árvores também sentem um impacto com isso”, alerta.
E não é apenas com os produtores de uva. O chefe do escritório da Emater de Flores da Cunha, Raul Dalfolo, também destaca perdas de ramos, devido a antecipação da brotação, nas frutas de caroço, como pêssego e ameixa. “Como em setembro, conforme os meteorologistas, as temperaturas ficarão abaixo da média, é previsto uma redução nos frutos, mas ainda impossível de precisar”, enfatiza, colaborando com Schiavenin, que informa que vários agricultores foram atingidos com as últimas geadas e relataram perdas. “O frio nesta época de brotação é negativo, ele vai interferir na quantidade. Com certeza, vamos sentir os efeitos disso”, informa, adiantando que, no fator qualidade, ainda não há como saber se haverá prejuízos. “Também é cedo para estimar a quebra na quantidade. Inclusive os técnicos que foram visitar os produtores que comunicaram para as seguradoras e bancos sobre os fatos, não fazem levantamento neste momento, porque eles não têm parâmetros. A uva tem que florescer e, depois, lá em novembro, eles voltam e fazem a vistoria para apurar as perdas que os produtores tiveram”, relata o presidente do STR.
Raul Dalfolo, que é engenheiro agrônomo, adianta que para auxiliar os agricultores, não há produtos milagrosos. “Se continuarmos tendo ondas de frio, com geadas, durante o mês, a recomendação técnica deverá ser feita de acordo com os níveis de dano. O que pode ser feito é a utilização de aminoácidos em caso de dano leve e de baixa intensidade. No caso de dano parcial severo e corte dos brotos, recomenda-se um tratamento fitossanitário para previnir fitopatias e auxiliar na cicatrização dos ferimentos”, informa o chefe da Emater florense.
Nesse contexto, Schiavenin também destaca a importância da irrigação, que pode amenizar as perdas em caso de geadas tardias. “Esclarecemos que os produtores busquem orientações técnicas, sérias, e se tiverem pró-agro ou seguro, que solicitem a vistoria dos técnicos”.
Segundo dados da Secretaria de Agricultura de Flores da Cunha, mais de 300 propriedades acionaram o seguro contra a geada. “Foram registrados diversos episódios com geada em nosso município, dependendo a localidade, ocorrendo com intervalos semanais. Temos conhecimento de que em certas propriedades as perdas ultrapassam os 70%, mas de um modo geral, estima-se que as perdas até então estejam entre 30 a 40% para as variedades de uvas comuns. Para cultivares mais tardios, como as uvas finas, as perdas são menores”, informa o secretário da pasta, Ismael Fortunatti, afirmando ainda que a intensidade da geada em algumas propriedades chegou a queimar até mesmo os brotos das parreiras sob cultivo protegido por estufas.
“Sabe-se que em torno de 35% das propriedades fazem seguro para geada e granizo e 65% delas fazem seguro apenas para granizo. Tivemos poucas localidades do município que conseguiram escapar de todas as geadas”, enfatiza Fortunatti, afirmando que o frio intenso após o período de brotação pode interferir até em perdas posteriores a floração, com abortamento de flor e grãos, mesmo nas áreas que não tiveram queimas diretas. “Então é cedo para concluir, de fato, quanto perdemos para as geadas. Tivemos ainda registros de perdas significativas que ultrapassam os 60% nas frutas com caroço, no interior de nosso município, principalmente na região de Otávio Rocha e Mato Perso”, finaliza.
Um dos afetados do terceiro distrito é o agricultor Jean Casa, 32 anos, que produz pêssego e uva. “Faz dois anos que temos geada fora de hora, granizo – um pouco menos – e a seca que está castigando bastante. No ano passado resultou 40 toneladas da nossa produção de pêssego no chão, porque terminou a água. E agora, no inverno, choveu bastante e os pêssegos enxugaram toda essa água e, com o frio forte que veio em maio e junho, matou os pés”, lamenta Casa, destacando que em uma lavoura de três hectares da sua propriedade, onde possui em torno de dois mil pés de pessegueiros, mais de 500 estão secos devido a montanha russa do tempo.
O produtor, que também possui parreiral, diz que estes não foram tão atingidos como as frutas de caroço. “No pêssego, hoje, praticamente passa dos 70% de perda, incluindo geada, má brotação e seca, que matou os pés, isso vem de uns dois anos antes praticamente”, relata, informando que não vão colher muita coisa.
Mesmo assim, Casa está seguindo as informações passadas pela Emater, fazendo tratamentos para que outros pés se salvem, além da adubação adequada para concluir a safra. “Vamos ter que ir continuando, esperar a safra acabar, arrancar os pés, dar fogo neles para não criar bactéria na terra e começar tudo de novo. É uma lavoura de quatro anos com um investimento de mais de R$ 100 mil que vamos ter que começar praticamente do zero”.
E esse frio e calor na mesma semana, com mais uma previsão de geada para o final do mês, deixam as expectativas de qualquer agricultor abaladas, mas, sempre é preciso ter fé. “Tomara que dê boa, porque a anterior só deu prejuízo, deu muita perda. Não será uma safra 100%, mas pode agregar valor, a qualidade vai ser maior porque tem menos frutos nos pés. Estou na fé que tenha uma safra boa para todo mundo”, finaliza o agricultor que segue os passos do pai, do avô e do bisavô na plantação de pêssego e uva nas terras de Mato Perso.
O bom tempo para a videira
O secretário de Agricultura de Flores da Cunha, Ismael Fortunatti, revela como deveria ser o tempo para termos uma safra ótima para a uva: “A partir do momento em que a videira inicia a fase de brotação, o ideal seriam períodos amenos e quentes, intercalados com chuvas de 20 a 30 milímetros, entre períodos de 10 a 15 dias, no máximo. E na fase final, para uma boa maturação, ela necessita de noites frescas e dias quentes que proporcionem uma amplitude térmica para maior concentração dos componentes que favorecem a estruturação da cor e os aromas da uva”, informa.
Porém, conforme Fortunatti, os agricultores sabem que o clima não se comporta da forma ideal, e a geada já interferiu na quantidade e, de certa forma, alterando também o vigor da planta. “A videira emite nova brotação com carga bem inferior a inicial e que vai depender de muitas variantes ainda, que estarão associadas até o final da safra para alcançar uma boa qualidade. Torcemos para que estas geadas sejam as últimas dificuldades desta safra e nos solidarizamos com todos os agricultores que tiveram prejuízos em virtude da intempérie. Sabe-se da dificuldade que se tem em chegar ao final da safra vencendo o clima e atingindo resultados satisfatórios em quantidade, qualidade e valorização dos produtos,” conclui o secretário.
E quem vive com essas dificuldades diariamente é a agricultora Simone Cavagnoli, 44 anos, que possui videiras na Linha 100 e no Travessão Alfredo Chaves, e já vê um impacto grande na produção desta safra, devido ao clima. “Nós já pegamos três geadas aqui. Aquela de sábado e domingo, no finalzinho de agosto, os brotinhos estavam bem pequenos ainda, mas mesmo assim já tinha causado mais ou menos uns 25% de perda na propriedade. Depois teve essa do dia 4 de setembro, daí a brotação já estava bem mais acelerada, devido ao calor, porque em uma semana a gente tinha 30 graus e de um dia para o outro, estava um grau. A gente sabe que abaixo de 4 graus dá geada. Então ficamos bem preocupados e, infelizmente, essa do dia 4 causou bastante estrago. Aqui acho que a gente perdeu, mais ou menos, 60% da uva já”, revela Simone, que informa que sua propriedade não possui irrigação. “No ano passado, nós perdemos em torno de 35% a 38% da produção, porque não tinha água, só com poço artesiano, porque não tem vertente, não tem como fazer açude, então foi bem problemático. Até esse ano quando começamos a podar, constatamos que morreu muitas parreiras, nunca tinha acontecido”, revelando que foram mais de 80 plantas mortas devido à seca. “Agora são três geadas consecutivas e esse tempo maluco que, em uma semana faz verão, e inverno três vezes. Então a gente fica cada vez mais preocupados. Está cada vez mais difícil trabalhar com o cultivo da uva”, diz, torcendo para que São Pedro colabore com o tempo a partir de agora. “A gente sempre acha que o ano que vem vai ser melhor. Esse ano não deu, de novo, então esperança para o ano que vem”, finaliza a agricultora, informando que nos lugares onde não pegou geada, a expectativa é de uma safra com boa qualidade.
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