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Meio século cantando histórias

Coral Nova Trento perpetua as canções e tradições italianas no Brasil e no mundo

Uma vida dedicada a resgatar e disseminar a cultura trazida pelos imigrantes italianos, por meio do canto, da gastronomia, das festas e da religiosidade. Há 45 anos Severino Bulla assumiu a responsabilidade de presidir o Coral Nova Trento que, em 2022, comemora 50 anos de fundação. 
Sempre participativo junto à entidade, nos primeiros cinco anos Bulla firmou seu compromisso atuando como tenor: “Eu cantava no tenor, eu sempre cantei no tenor, até hoje”, orgulha-se o atual presidente, aos 87 anos – recém-completados no dia 7 deste mês.
Trajetória musical que teve início com a fundação do Coral Nova Trento, de Flores da Cunha, em 19 de junho de 1972. A criação teve por objetivo perpetuar as canções populares e sacras, as melodias dos cancioneiros italianos nas festas de capela, bem como as interpretadas nos encontros comunitários e sociais. 
A ideia de instituir um conjunto de vozes surgiu a partir de um encontro entre amigos no bar de Orides Sgarioni – localizado em frente à rodoviária – e embalado pelas músicas italianas da eletrola de balcão. “O Eloy Kunz ia lá de noite tomar uns aperitivos e um dia decidiram juntar o pessoal para criar um coral italiano. Então falaram com a Irmã Joana Gasparin, que se somou ao grupo. Eu não estive na primeira ata (assinada por Eloy Kunz, Félix Natal Slaviero, Carlos Vezzaro, Adiles Zin, Jussara dos Santos, Lia de Souza, Lia Kunz, Leonice Vezzaro, Italina Zin e Maria Antonieta Sogari), mas, participei desde o começo”, lembra o tenor, afirmando que a partir daquele momento mais pessoas se dispuseram a colaborar com a entidade.
Para dar voz ao coro, ainda era preciso encontrar um maestro. Diante disso, foi feito o convite para Félix Natal Slaviero – que já tinha regido diversos corais no estado e estava de volta à Serra Gaúcha. Após a pronta aceitação, Slaviero auxiliou na fundação do mesmo e permaneceu à frente da equipe até 2016, quando entregou o cargo à maestrina Cibele Tedesco, que segue à frente da trupe até os dias de hoje. 
Instruídos por um regente, em pouco tempo iniciaram-se os ensaios, que eram realizados no Restaurante Whiskeria Cockland e, na sequência, vieram as primeiras apresentações que tiveram como público os hóspedes da Pousada do Galo Vermelho – ambos os estabelecimentos eram de propriedade de Eloy Kunz. Mesmo sem trajes oficiais, naquele período o grupo ganhou visibilidade entre os gaúchos, por meio das imagens transmitidas na TV Piratini, de Porto Alegre. O cenário foi a Pousada do Galo Vermelho, durante a inauguração da piscina do empreendimento. 
A partir daquele momento, evidenciou-se a necessidade de vestes padronizadas. Contudo, os trajes deveriam ter valor acessível, já que seriam custeados pelos próprios componentes e, no início, o coral era mantido pelos integrantes, que pagavam uma taxa mensal – somente anos depois a prefeitura municipal, com o apoio da Câmara de Vereadores, começou a contemplá-lo com verbas destinadas à cultura. Sendo assim, inicialmente, os homens vestiram uma ‘fatiota’ com gravata (calça e casaco preto com camisa branca) e as mulheres um traje azul claro, com saia curta. A ideia dos modelos contou com o auxílio da costureira Carmem Santini, e a confecção foi feita pela Malharia Guerra, de Caxias do Sul. 
Alinhados, chegara o momento da primeira apresentação oficial, no salão paroquial do município, em um evento organizado pelos Lions Clube. Após o sucesso das primeiras entonações, o conjunto de vozes ganhou ainda mais espaço no estado: “Em 1973 começamos a nos apresentar e ficamos bastante conhecidos cantando em Porto Alegre e Esteio. Depois veio os 100 anos da imigração italiana, em 1975, quando estivemos em Nova Milano na inauguração do monumento e, naquele dia, estiveram presentes o presidente da República, Ernesto Geisel, e o primeiro-ministro italiano, Amintore Fanfani. No mesmo ano teve a Festa da Uva e desfilamos a pé, ao lado das soberanas, isso nos deu visibilidade”, comemora Bulla. 
Dada a importância da Festa Nacional da Uva, era preciso confeccionar um novo traje, que traduzisse a essência italiana da trupe. Pensando nisso, o presidente do evento, Humberto Bassanesi, se ofereceu para custear as novas vestes. Desenhadas pelo professor Darwin Gazzana e inspiradas nas utilizadas em Tirol, na Itália – as peças são as mesmas que os componentes utilizam até os dias de hoje.

Memórias na bagagem

Nessas cinco décadas de atuação, o Coral Nova Trento percorreu quase todos os municípios do Rio Grande do Sul. Seus integrantes também cantaram nos estados de Santa Catarina, Paraná, Pernambuco, Bahia e São Paulo – onde gravaram seis músicas no Teatro Záccaro, para serem apresentadas no programa Italianíssimo, da TV Bandeirantes.
A primeira viagem mais distante foi para Recife, em outubro de 1978, em uma convenção da Associação Brasileira dos Agentes de Viagens (ABAV): “Tinha em torno de 2 mil pessoas, fomos junto com o presidente do Senac, que era o Luiz Gazzola, estávamos em 13 pessoas do coral e 8 da Banda Florentina. O governador de lá era o Lauro Maciel, nós cantamos no gabinete dele. Naquela noite nem dormimos, ficamos na praia para ver o sol nascer. Foi fabuloso”, recorda Bulla, acrescentando que, anos depois, eles se reencontraram em um evento de etnias, em Ijuí, e que o apoio do Senac e da Secretaria de Turismo do estado foram determinantes para a consagração da entidade, ao longo dos anos. 
“No estado, em poucas cidades nós não fomos. O Coral Nova Trento fez mais de 2 mil apresentações em todo o país e fora dele. Teve anos que a gente se apresentou 70 vezes, mais de uma por semana”, revela o presidente, que também reforça que, em muitas viagens, eles enfrentaram geada e, até mesmo, neve para chegar aos locais das apresentações.   
Contudo, não foi só no Brasil que as vozes dos florenses marcaram história. A trupe também ultrapassou as fronteiras nacionais: “Em 1988 eu fiz um projeto no estado, de cultura, e consegui 30 e tantos mil reais, aí fomos para a Itália, pagamos todas as passagens”, empolga-se o tenor, complementado que essa viagem reuniu 23 integrantes, que cantaram em diversas cidades italianas.
“Fomos no encontro com o Papa, na Praça São Pedro, estávamos bem perto e quando Ele passou nós começamos a gritar: Ucho, Ucho, Ucho, o Papa é gaúcho! Já que o João Paulo II tinha estado aqui no Rio Grande do Sul. Aí o Papa se virou e nos deu a bênção. Depois nós começamos a cantar a música ‘Brasil, meu Brasil brasileiro’ junto com outros brasileiros que estavam presentes”, lembra Bulla, com carinho, em meio a tantas outras histórias que vivenciou também na Argentina, nos Estados Unidos e, em outra ocasião, na Itália, em 1999.
Além disso, são incontáveis as participações do coro em eventos como Fenavidima, Fecouva, homenagens, filós, aniversários do município, missas de falecimento e ação de graças, encontros de família, CTGs, visitas de autoridades ao município, seminários, posse de diretorias e, inclusive, no Festival de Cinema de Gramado: “A gente se apresentou muito em restaurantes e hotéis, vinham as excursões com turistas e nós íamos dar um show”, brinca.
A entidade também contabiliza quatro CDs – originalmente os dois primeiros eram discos LPs – que reúnem um amplo repertório, com: folclore italiano, canções napolitanas, populares, clássicas e atemporais. Cancioneiro gaudério e brasileiro, bem como músicas religiosas, em português, italiano e latim. 
Atualmente, o grupo conta com 16 componentes – número bem menor em comparação ao inicial, que reunia mais de 30 pessoas – e realiza, em média, dois ensaios por mês, sempre na casa de Bulla. “Quando entra um companheiro novo é difícil porque ele vai ter que começar a aprender tudo. Nós temos 200 cantos, no meu caso que estou desde o começo. No início, eu botava o radinho com as fitas do lado da cama, de noite, e eu aprendia. Fazia isso porque aí quando chegava no ensaio eu praticamente sabia a letra, já que aprender na hora é difícil. Só que tem que ter comprometimento. O Coral Nova Trento marcou data, não deixava de ir nos eventos. Muitas vezes cantava no sábado de noite e no domingo também”, enaltece o tenor, ao mesmo tempo em que revela que a prática estimula a memória – e, diga-se de passagem, ele é a prova viva disso.  
“Eu sempre tive esse amor pela música, como presidente eu tive que suportar muita coisa, porque interessava para o coral, não interessava para mim, e sim para a entidade, para que ela fosse progredindo”, conclui Bulla, orgulhoso em fazer parte da história do Coral Nova Trento que, até hoje, mantém a tradição do canto italiano por sua simplicidade.  

Aos 87 anos, Severino Bulla guarda com carinho as recordações à frente  do Coral Nova Trento.  - Karine Bergozza
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