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Mais perto do que se imagina

Município registra casos de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, em sua maioria ocorridos dentro de casa

Desde o ano passado, 11 casos de crimes contra a liberdade sexual de crianças e adolescentes foram registrados em Flores da Cunha – dois somente na semana passada, envolvendo menores de 3 e 13 anos. A volta às aulas presenciais foi essencial para a exposição dos casos, uma vez que as vítimas geralmente se sentem mais à vontade para compartilhar os abusos com professores e colegas – e traz a dúvida de quantas ocorrências deixaram de vir à tona no período em que as escolas estiveram fechadas.
“Com a pandemia, os dados não subiram, porque o que se observa é que normalmente essas crianças se abrem com pessoas adultas, nas escolas. Como não estão tendo esse contato, porque as aulas estão sendo em casa, elas não têm com quem conversar”, comenta a Conselheira Tutelar de Flores da Cunha, Juliane Negrini. Segundo ela, a grande maioria dos casos acontece dentro de casa, cometidos por pais, padrastos ou pessoas com fácil acesso à residência, tendo as meninas como vítimas principais.
São três tipos de crime: a importunação sexual (onde não há violência, um beijo, um toque inapropriado sem consentimento da vítima); o estupro (quando há violência ou grave ameaça do agressor a fim de obter a condição carnal) e o estupro de vulneráveis (envolve os dois outros crimes contra crianças e adolescentes menores de 14 anos). As denúncias de estupro de vulneráveis são as que mais chegam ao Conselho Tutelar – e se configuram mesmo quando há consentimento da vítima.
Recebida a denúncia, o órgão chama os responsáveis e os encaminha à Delegacia para registro de ocorrência. Outras vezes, é a própria Delegacia quem encaminha o caso para o Conselho Tutelar, que proporciona os atendimentos necessários: exames e avaliações psicológicas e psiquiátricas. Quando um dos responsáveis é o suspeito do crime, o Conselho retira o menor do ambiente de risco e o encaminha a outro familiar mais próximo. 
Mas uma dificuldade extra do processo é as mães acreditarem no relato das crianças. “Nós vamos sempre acreditar no que elas estão falando. Não cabe a nós fazer questionamentos. O que a gente faz é apurar, sem ficar tocando muito no assunto, remoendo. Depois, na Delegacia, eles vão apurar a veracidade dos fatos e punir o agressor, se necessário”, diz Juliane. Em Flores da Cunha, a vítima é sempre encaminhada ao Centro de Saúde Irmã Benedita Zorzi, onde receberá atendimento psicológico adequado.

O lado psicológico 
No Centro de Saúde, a vítima e o familiar responsável serão acolhidos com acompanhamento psicológico sem fins jurídicos. “Procuramos respeitar a condição da criança ou do adolescente, no sentido de buscar todos os recursos para que se sintam confortáveis. Evitamos a exposição da situação, os comentários que possam a deixar culpada pelo ocorrido e o contato da vítima com o abusador a todo custo, para que ela se sinta segura”, detalha a Coordenadora do Serviço de Psicologia, Angélica Granzoto. 
Isso é particularmente importante, pois o caminho da vítima para expor os abusos sofridos muitas vezes é longo. Segundo Angélica, a insegurança se dá pela reação de quem ouve: o medo de ser mal interpretada, já que o abusador costuma inserir na vítima a culpa do abuso. Por isso, o conselho é ouvir esse tipo de relato sem julgamentos, validando o sofrimento da vítima, acolhendo suas emoções e oferecendo apoio para levar adiante a denúncia.
Buscar a ajuda de um profissional é sempre importante, a fim de não aumentar os danos psicológicos para a vítima. “Um abuso prolongado pode prejudicar a percepção de si mesma, dos outros e do mundo e a forma como ela se relacionará com os outros. Poderá ter dificuldade de confiar, de amar, de receber amor, de se comunicar expressivamente. São tantas consequências que é impossível relatar todas”, alerta Angélica.
Estar atento a sinais de possíveis abusos é a principal recomendação para pais e responsáveis (confira ao lado). “A orientação é para que a família ensine crianças e adolescentes sobre o que pode e o que não pode,  elas não sabem se está errado, se não está, se a culpa é delas, se não é. Dê abertura para que elas contem, porque é muito difícil da vítima se abrir”, aconselha a Conselheira Tutelar Juliane Negrini.
Segundo ela, o fato de a cidade ser pequena não significa que casos como esse não aconteçam por perto. Por fim, Juliane ressalta a importância de se denunciar casos de crimes que ferem a liberdade sexual das crianças e adolescentes: “Acreditem, apurem o comportamento dentro de casa e denunciem para que, se esse agressor for mesmo o culpado, ele não faça isso com outras pessoas, que ele pague pelo que estava fazendo”. 

Sinais de abusos em geral
- Mudanças extremas, súbitas e inexplicadas no comportamento, como oscilações no humor entre retraída e extrovertida;
- Medo, ou mesmo pânico, de certa pessoa ou sentimento generalizado de desagrado quando é deixada sozinha, em algum lugar, com alguém;
- Regressão a comportamentos infantis, como: choro excessivo, sem causa aparente, enurese, chupar dedos;
- Tristeza, abatimento profundo ou depressão crônica. Fraco controle de impulsos e comportamento autodestrutivo ou suicida;
- Vergonha excessiva, inclusive de mudar de roupa na frente de outras pessoas;
- Culpa e autoflagelação;
- Mudança de hábito alimentar: perda de apetite (anorexia) ou excesso de alimentação (obesidade); 
- Padrão de sono perturbado por pesadelos frequentes, agitação noturna, gritos, suores, provocados pelo terror de adormecer e sofrer abuso; 
- Frequentes fugas de casa. 

Específicos para abuso sexual
- Interesse ou conhecimento súbitos e não usuais sobre questões sexuais; 
- Expressão de afeto sensualizada ou mesmo certo grau de provocação erótica, inapropriado para uma criança; 
- Desenvolvimento de brincadeiras sexuais persistentes com amigos, animais e brinquedos;
- Masturbar-se compulsivamente; 
- Relato de avanços sexuais por parentes, responsáveis ou outros adultos; 
- Desenhar órgãos genitais com detalhes e características além de sua capacidade etária. 

* Fonte: Angélica Granzoto, psicóloga, pós-graduada em Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais pela UCS e Coordenadora do Serviço de Psicologia do Centro de Saúde Irmã Benedita Zorzi

 - Divulgação
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